Opinião: “A crise de homicídios e a falta de planos dos presidenciáveis para contê-los”

O número de soldados americanos mortos durante a guerra do Vietnã (58 mil), a quantidade de vítimas no ataque atômico à Hiroshima (66 mil) ou o público presente na partida entre Brasil e Croácia no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014 (61 mil). Estas são analogias comuns à quantidade de vítimas de assassinatos no Brasil nos últimos anos. Em 2017, foram mais de 63 mil brasileiras e brasileiros mortos prematuramente e de forma violenta. A busca por paralelos, com alguns dos exemplos acima expressamente citados nos programas de governo dos candidatos à Presidência, indica uma tentativa de dimensionar a tragédia que assola anualmente o Brasil. Entretanto, a análise dos planos apresentados pelos candidatos não traz informações precisas sobre como pretendem transformar a situação aterradora que os crimes violentos representam para a nação.

Além da insuportável dimensão humana de uma quantidade tão elevada de mortes violentas, outro aspecto relevante e muito pouco explorado no debate eleitoral é o custo econômico, e seus respectivos impactos sociais, que tantos homicídios representam. Num momento em que o país enfrenta grave crise fiscal e que temas como a reforma da Previdência Social e a modernização tributária são absolutamente centrais para a política nacional, é surpreendente que nenhum candidato tenha ao menos mencionado, durante as dezenas de horas em que foram entrevistados ou sabatinados, o impacto avassalador que os assassinatos em massa que se reproduzem ano após ano representam para a economia e o desenvolvimento do país.

Estudo publicado em junho deste ano pela Secretaria Geral da Presidência da República estima que a criminalidade representou um custo equivalente a 4,4% da renda nacional no ano de 2015, o que equivale a R$ 80 bilhões. Se considerarmos apenas a perda de capacidade produtiva decorrente de homicídios, excluindo os custos das polícias, dos sistemas judicial e prisional e os custos médicos associados à violência, o custo dos assassinatos superou 450 bilhões entre 1996 e 2015. Por óbvio, não há montante financeiro que seja equivalente à dor de uma mãe que enterra o filho, morto prematuramente. Mas num momento em que o duro debate sobre a equilíbrio das contas públicas se tornou imprescindível, não podemos deixar de nos assombrar com o silêncio brutal quanto a esta questão.

De forma geral, os planos de governo são genéricos e superficiais. Se assemelham a cartas de princípios ou de intenções. Reduzir homicídios, aprimorar o patrulhamento de fronteiras e bordões como “inteligência, integração e tecnologia” são expressões que se repetem nos documentos apresentados pelos candidatos. Propostas mais concretas e detalhadas são, infelizmente, raras. Muito se anuncia a gravidade do problema, mas são poucos os candidatos que —em algum momento— apresentam propostas concretas de como pretendem enfrentar o problema.

A sociedade civil organizada tem buscado contribuir. No início de agosto, o Instituto Sou da Paz, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Igarapé lançaram a agenda “Segurança Pública é Solução”. O nome do documento busca consolidar a noção de que a segurança é um direito essencialmente público e que a única maneira de enfrentar a criminalidade que nos traumatiza é coletivamente, e não da forma aventureira e individualizada que candidatos que promovem o acesso indistinto a armas de fogo querem nos fazer acreditar. O documento traz 35 propostas objetivas, técnicas e de implementação imediata para que o país assuma sua responsabilidade frente à vida de cada um de seus cidadãos.

As propostas estão divididas em duas prioridades centrais, sendo uma delas a redução e prevenção dos crimes violentos, cujo objetivo é, ao fim e ao cabo, sufocar a insuportável crise de assassinatos em massa que o Brasil vive.

Diante desse cenário, é fundamental adotar medidas efetivas para reduzir os homicídios e outros crimes violentos no país, tais como a criação de um sistema eficiente de governança para a segurança pública, a melhoria do trabalho policial e de sua relação com a comunidade, a implementação de programas de prevenção, especialmente aos mais jovens, principais vítimas desse massacre e para quem o país tem o dever de promover oportunidades de trabalho e geração de renda. Também defendemos, de forma inequívoca, a reorientação da política de drogas —que enseja o conflito entre comunidades pobres e a polícia e que causa muito mais danos e mortes do que o abuso de qualquer substância pode produzir— assim como o efetivo controle de armas de fogo, cuja maior circulação é diretamente associada ao aumento de crimes violentos, conforme já comprovado de forma unânime por estudos técnicos e científicos.

Esperamos que o próximo líder da nação coordene um esforço inédito para a proteção do bem mais precioso que cada brasileiro traz consigo, sua própria vida.

Felippe Angeli é advogado e gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz.

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