O episódio já é conhecido, assim como algumas de suas consequências. Menos de uma semana após a divulgação pelo TSE de que Dilma Rousseff (PT) havia sido reeleita presidente da República em 2014, o PSDB entrou com pedido no tribunal eleitoral para realização de auditoria no sistema de votação. Para além do embasamento técnico do pedido e das reais intenções de seus autores, esse movimento é uma expressão particular de um fenômeno que vem ganhando força no Brasil nos últimos anos: a desconfiança com relação à apuração dos votos.
Desde 2000, o processo de votação em todo o Brasil ocorre por meio de urnas eletrônicas. Esse mecanismo de votação aumentou fortemente a velocidade da apuração, diminuiu drasticamente o número de votos inválidos, dentre outros efeitos. No entanto, não faltam movimentos políticos e atores que levantam dúvidas, quando não negam, sobre a lisura dos resultados oficiais.
O pilar central da democracia é o respeito ao resultado oriundo de eleições competitivas. Em que medida a desconfiança da apuração de votos está espraiada na opinião pública? Existem determinados perfis sociais mais propensos a adotar tal opinião? Como variáveis atitudinais se relacionam com essa desconfiança específica na contagem de votos?
Para responder a essas perguntas, vamos utilizar o survey A Cara da Democracia, realizado pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação. Foram realizadas 2.500 entrevistas em todos os estados do Brasil. O campo foi realizado entre 15 e 23 de março de 2018.
Dentre outras questões, a pesquisa perguntou aos eleitores brasileiros: “O(a) Sr.(a) confia que a contagem de votos nas eleições no Brasil é feita de maneira honesta?”. O gráfico abaixo apresenta a distribuição de respostas:
Os resultados da pesquisa apontam para um cenário pessimista: a maioria dos eleitores afirma não confiar que a apuração de votos seja realizada de forma honesta. Apenas 10% diz que confia muito na honestidade da apuração dos votos.
Essa opinião varia por características sociais? Variáveis atitudinais teriam relação com a desconfiança na apuração da eleições? Para avançar nesses pontos, e de modo a não complicar a análise, transformei as respostas expostas no Gráfico 1 acima em dicotômicas: não confia, de um lado, e confia um pouco, mais ou menos e muito, de outro (excluindo, portanto, a resposta “não sabe”). Dessa forma, lanço mão de um modelo logístico multivariado, que busca encontrar determinantes da ausência de confiança na apuração dos votos. Incluo duas ordens de variáveis independentes: de um lado, as medidas sociodemográficas: escolaridade, sexo, região de moradia e idade; e outro, duas medidas de opinião política: preferência pela democracia e interesse por política.
O gráfico abaixo sintetiza os resultados, expondo as razões de chance de cada variável, bem como seus respectivos intervalos de confiança (a 95%):
Os resultados sobre as variáveis atitudinais revelam que eleitores brasileiros que preferem a democracia à ditadura tendem a não desconfiar da apuração de votos no Brasil. O interesse por política também está negativamente correlacionado com essa opinião, mas o coeficiente é significativo apenas a 0,10. As dimensões demográficas, por sua vez, tendem a não ter significância. Ou seja, não existem diferenças sistemáticas de escolaridade, sexo e idade sobre desconfiança da apuração dos votos. Apenas região de moradia se mostrou uma variável importante: habitantes do Norte e do Sul tendem a desconfiar menos que do Sudeste, a categoria de referência. Já os do Nordeste, inversamente, tendem a desconfiar mais.
Dessa forma, parece ter-se indícios que a posição de desconfiança na apuração dos votos perpassa vários grupos sociais. No entanto, aqueles que defendem que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo” marcadamente depositam confiança na honestidade dos resultados eleitorais no Brasil.
Cabe ressaltar que a redação da pergunta e a natureza dos dados não permitem dizer se essas opiniões se devem ao mecanismo da urna eletrônica em particular, mas jogam luz sobre um fenômeno importante das percepções políticas da cidadania brasileira.
Sérgio Simoni Jr é doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador do Cesop/Unicamp. Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2018, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados.