Conheça a radula, a planta que pode ser a maconha do futuro

Com efeitos medicinais e recreativos semelhantes aos da Cannabis sativa, uma planta hepática comum nativa de países como Nova Zelândia, Costa Rica e Japão está despertando o interesse da comunidade científica.

Trata-se do gênero Radula, subdivisão da família Radulaceae – com cerca de 300 espécies descritas. Em algumas delas, como a Radula marginata, a Radula laxiramea e a Radula perrottetii, já foi comprovada a presença de psicoativos.

Um estudo publicado nesta quarta-feira (24) pelo periódico Science Advances busca explicar melhor as possibilidades da planta.

Cientistas das universidades de Berna e de Zurique, ambas na Suíça, analisaram os efeitos de uma substância isolada da radula em camundongos. A conclusão geral foi de que, embora a planta não seja do gênero Cannabis, ela também pode ser considerada um canabinoide “moderadamente potente, mas eficaz” – usando aqui exatamente a expressão do artigo publicado pelos pesquisadores.

“Radula contém perrotinolene, uma variante do THC psicoativa, com efeitos semelhantes”, explicou à BBC News Brasil o bioquímico Jürg Gertsch, professor da Universidade de Berna e um dos autores do estudo. THC, ou tetraidrocanabinol, é a principal substância psicoativa encontrada nas plantas do gênero Cannabis.

“(Em comparação com a maconha,) eles diferem em termos de potência e, possivelmente, efeitos adversos”, completa o cientista, ressaltando que, em laboratório, os testes foram feitos com o perrotinolene de forma isolada. “Nós não testamos os efeitos da própria planta – podemos esperar que o conteúdo de perrotinolene varie entre amostras diferentes.”

Embora a planta não seja do gênero Cannabis, ela é considerada um canabinoide ‘moderadamente potente, mas eficaz’, diz pesquisa/Foto: Stefan Fische/Divulgação

Menos dano à memória

Desde 1994, sabe-se que algumas plantas do gênero Radula contêm essa variante do THC. Mas, até recentemente, nenhum estudo com esta abordagem havia sido realizado. O que os cientistas fizeram foi analisar os efeitos da radula no nível molecular, justamente para conseguir definir as consequência toxicológicas da substância – agora em camundongos, mas prevendo algo semelhante em humanos.

A pesquisa mapeou efeitos da substância em 44 pontos do sistema nervoso central. Concluíram que, assim como ocorre com a maconha, o THC da radula pode se acumular no cérebro. Essa variante encontrada na planta também tem efeitos analgésicos e pode causar catalepsia, hipolocomoção e hipotermia.

As principais diferenças entre ela e a Cannabis, no entanto, estão em algumas vantagens: ao menos nos testes com camundongos, a radula causou menos efeitos adversos – por exemplo, na memória. “É menos potente e podemos esperar menos efeitos no sistema nervoso central e, por exemplo, na memória. Mas ainda são necessários mais estudos para comprovar isso”, comenta.

“Os efeitos no organismo são mediados pelos mesmos receptores canabinoides, mas o perrotinolene age mais como um canabinoide endógeno, com efeitos antiinflamatórios potencialmente mais fortes no cérebro”, compara Gertsch.

Uso recreativo já vem sendo identificado

Os cientistas explicam que a ideia da pesquisa surgiu porque o uso recreativo da planta vem sendo observado de forma pequena, mas crescente. “Até o momento, as espécies vegetais de radula, contendo esta variante de THC, são legais em todo o mundo”, frisa o bioquímico.

Obviamente, muito mais do que uso recreativo, os cientistas querem entender como as substâncias da radula agem no organismo para vislumbrar aplicações terapêuticas. “Provavelmente, os efeitos recreativos são menos fortes (do que os proporcionados pela Cannabis). Mas a radula pode oferecer uma oportunidade maior de aplicações medicinais”, vislumbra.

“Acredito que o composto da planta poderia ser usado para fins medicinais”, afirma o pesquisador, antevendo a ideia de que a substância possa ser sintetizada industrialmente. “A planta em si cresce muito lentamente e produz apenas pequenas quantidades do composto. Ou seja: a produção de um fitoterápico parece inviável.”

Tradição neozelandesa

Os pesquisadores suíços também observaram o uso autóctone da planta na Nova Zelândia, um dos locais onde a radula é endêmica. “Pode haver uma ligação etnofarmacológica”, afirma Gertsch. “Radula marginata tem uma longa história de uso tradicional.”

No arquipélago, a planta é usada historicamente como rongoã – a medicina tradicional maori, baseada nas propriedades de ervas.

Suas propriedades sempre foram conhecidas pelos tohunga, os mestres da cultura maori. “Radula é um ‘taonga’ do povo maori, mas ainda não há literatura científica sobre isso”, diz o bioquímico. Taonga é o termo utilizado para designar o tesouro, o patrimônio cultural da cultura ancestral da Oceania.

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