Em 24 de setembro, a Lei 13.718/2018 foi sancionada pelo presidente da República em exercício, ministro (e também presidente do STF) Dias Toffoli, colocando em vigor imediato as disposições do projeto de lei que ficou conhecido como “lei da importunação sexual”. Ela surgiu como reflexo legislativo da insegurança àqueles que se viam desamparados diante da exposição e/ou violação de sua intimidade, bem como a fragilidade dos instrumentos penais para que tais atos fossem devidamente punidos.
A partir desta lei, passam a ser crimes atos como os ocorridos em setembro de 2017, na ocasião em que um homem se masturbou e ejaculou em uma passageira do transporte público de São Paulo, e tomou grandes proporções midiáticas quando o juiz responsável pelo caso negou a denúncia do Ministério Público pelo crime de estupro, diante do não preenchimento dos requisitos para enquadramento.
Agora, a inovação visou asseverar sanções contra casos de estupro coletivo, divulgação de imagens de estupro, de cenas de nudez, sexo ou pornografia sem que haja consentimento da vítima, prevendo aumentos de pena e de condenação à prisão. Estamos falando de um ponto bastante positivo, considerando o avanço legislativo em reconhecer os problemas que há muito eram combatidos pela pauta social feminista, na proteção à intimidade e à dignidade sexual.
O Direito mundial vem ao encontro de uma onda de abolicionismo penal, no qual entendem os juristas que o Estado deve tutelar a imposição de penas sobre menos crimes, buscando, por outro lado, a conscientização e informação da sociedade através de políticas públicas positivas. Esta é a tendência adotada por vários países ao abordar questões como a regulamentação do uso recreativo de drogas e a descriminalização do aborto, por exemplo.
Mas, quando o tópico é a dignidade sexual em si, nos deparamos com um muro erguido pela cultura de nossa sociedade patriarcal e a forma já enraizada como se encara o sexo feminino. Em sua maioria, são as mulheres as vítimas do revenge porn, dos assédios públicos, dos estupros coletivos, gravados e cruelmente compartilhados a esmo pela frivolidade do fácil acesso à informação. Igual, ou pior, a forma quando os mesmos assuntos refletem em minorias ainda mais marginalizadas, como as pessoas trans e a comunidade LGBT.
Assim, quando a sensação social de insegurança, impunidade, descrença e desemparo já se encontrava em ebulição, muito provocada pelas relevantes pautas dos movimentos feministas, entendeu-se que o que teria de mudar imediatamente era a lei, e não o comportamento. Se a legislação era engessada, a ponto de atos repugnantes como o de setembro passado – situações que, infelizmente, ainda ocorrem cotidianamente em tantas outras cidades do país – não se enquadrarem no que a lei penal entende como crime de estupro, o reflexo imediato foi a categorização de outro tipo penal, de natureza também grave, que abrange estas atitudes.
É latente a necessidade de termos leis condizentes com os problemas sociais contemporâneos, especificamente quando o respeito à individualidade sexual e direito de intimidade esbarra na era da informação, internet, smartphones etc. De forma semelhante, foi o que aconteceu com a criação do crime de estupro de vulnerável em 2012, da edição da Lei Maria da Penha para proteção contra violência doméstica, e da “Lei Carolina Dieckmann” para alguns casos de crime virtual contra a intimidade, bem como outros tantos crimes criados a partir da moção popular midiática.
Esta é a resposta mais fácil e imediata, mas não resolve o problema, dando brechas ao oportunismo eleitoreiro que se concretiza em 2018, com a tramitação, em menos de um ano, de um projeto de lei que aguardava votação desde 2015. Só se mostra que a cada legislatura os legisladores só querem garantir o seu lugar ao sol, e poucos se interessam em solucionar os grandes problemas de nossa política penal. Simplesmente criminalizar atos sem que haja políticas públicas de prevenção nada mais é que refletir em maiores problemas da contenção e aumento da população carcerária. Pune-se mais, prende-se mais, mas resolve-se menos.
O advento de uma lei, da forma como a 13.718/2018 foi editada, significa, sim, um grande passo à frente, mas é como se o outro pé ainda estivesse bem atrás. A culpa não é da vítima; a culpa sempre foi do agressor e o Estado não deve tutelar somente em imposições penais, mas no auxilio da sociedade em mudar a abordagem destes problemas. É preciso encarar o problema do desrespeito à intimidade e à dignidade sexual de frente, com a participação do Estado de maneira positiva na forma de auxiliar na educação das atuais e das próximas gerações de cidadãos, bem como buscar minimizar a prática daqueles que insistem em tentar ter poderes sobre a pessoalidade e individualidade do outro.
Sejamos perseverantes; a cada dia fica mais claro que “não” sempre significou – e agora legalmente – “não”.
Eduardo Rodrigues é advogado especialista em Direito Criminal, Família e Sucessões.