Ser resistência, em tempos bicudos, é também ser tolerância. Não se curvar ao ódio, embora ele pareça preponderante agora, é não cegar à razão, porque precisaremos dela. E muito. Não importa o resultado desta eleição presidencial, sobreviverá a ela quem enxergar ainda luz em meio às sombras de um processo político que vem nos corroendo há anos. Esperança se cultiva. Vamos semear.
Pode parecer que estamos entre extremos. Na verdade, estamos na trincheira, acuados entre um passado difícil de engolir e um futuro que ameaça ser pior. Cabe ao povo brasileiro não apenas escolher um lado, dar um voto. Cabe a nós ser o meio, o equilíbrio, a ponte, o dedo em riste que manda parar, a mão que convida a caminhar junto. Isso não significa ficar em silêncio. Significa apenas aprender o que não sabemos: ouvir, argumentar, convencer, mas com respeito. Ser resistência é também ser diálogo.
Um povo conflagrado é um convite à desordem e à violência. Nem o Brasil nem nós mereceremos viver em guerra permanente. Faço uma provocação: você briga com a família, discute com vizinhos, agride alguém na rua e acha que está mudando o mundo, o país ou, ao menos, o seu quintal? Não está.
As armas mudaram. A palavra tem mais poder do que imaginamos. Não podemos calar nossa voz interna, mas não devemos apenas vociferar. A besta presa dentro de nós vai rugir, rugir e só. O ativismo virtual apenas reforça a tese da bolha de cada um. Saia e tente ouvir as pessoas. O anjo sapiente que reside lá no fundo da nossa alma vai cantar bonito e, talvez, quem sabe, despertar no outro a beleza de uma escolha consciente.
Há uma canção de que me lembrei na sexta-feira, Dia das Crianças, e ouvi durante toda a minha infância: E que as crianças cantem livres, de Taiguara. Eu nem fazia ideia, mas o som que saía da vitrola de meu irmão mais velho que ouvia, aos 10 anos, enquanto brincava no quintal da paupérrima Peixinhos, no subúrbio de Olinda, era o que sobrou das garras da censura da ditadura militar.
O refrão é assim: “E que as crianças cantem livres sobre os muros/E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor/E que o passado abra os presentes pro futuro/Que não dormiu e preparou o amanhecer…”. Desejo e ainda acredito em um amanhecer livre de ódio e violência. Mais do que isso, deposito minha fé na liberdade e na democracia. Sejamos vigilantes para proteger as nossas conquistas.
Ana Dubeux é diretora de Redação do Correio Braziliense