Você já deve ter ouvido a história de que as cores da bandeira nacional brasileira seriam uma homenagem às riquezas naturais do país. O verde representaria a exuberância de nossas florestas e o amarelo, o ouro encontrado no subsolo.
O azul seria uma referência aos rios que permeiam o território brasileiro e ao mar que banha a costa. Até o branco da faixinha teria sua justificativa: a paz.
Essa interpretação pode até soar simpática, mas não tem nexo histórico. “As cores vêm da bandeira do Império”, resume à BBC News Brasil a historiadora Mary Del Priore, autora, entre outros livros, da tetralogia Histórias da Gente Brasileira, em que aborda o país desde a colônia até os tempos atuais.
“Esse negócio de verde das matas e amarelo das nossas riquezas é balela”, comenta o historiador e escritor Paulo Rezzutti, biógrafo das principais figuras da monarquia brasileira. “O verde é uma alusão à Casa de Bragança. O amarelo remete à Casa de Habsburgo.”
A primeira é a família nobre portuguesa à qual pertenceu Dom Pedro 1º. Sua primeira mulher, Leopoldina, era da dinastia austríaca dos Habsburgo. Conforme conta o historiador Clovis Ribeiro no livro Brasões e Bandeiras do Brasil, publicado em 1933, o próprio marechal Deodoro da Fonseca, que proclamou a República e tornou-se o primeiro presidente do Brasil, quis que a nova flâmula aludisse à anterior.
“A explicação do verde das matas e do amarelo do ouro foi construída depois. Foi uma maneira tardia de a República de tentar modificar o simbolismo original da bandeira, associado à monarquia”, completa Rezzutti.
A Presidência da República reconhece a referência ao período imperial. “Após a proclamação da República, em 1889, uma nova bandeira foi criada para representar as conquistas e o momento histórico para o país. Projetada por Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, com desenho de Décio Vilares, foi inspirada na Bandeira do Império, desenhada pelo pintor francês Jean Baptiste Debret”, informa a comunicação do Palácio do Planalto.
Desenho
Publicado em 19 de novembro de 1889, o decreto que instituiu o atual desenho da bandeira cita expressamente a consideração de que “as cores da nossa antiga bandeira recordam as lutas e as vitórias gloriosas do nosso exército e da armada na defesa da pátria”, e que “essas cores, independente da forma de governo, simbolizam a perpetuidade e integridade da pátria entre outras nações”.
“A bandeira adotada pela República mantém a tradição das antigas cores nacionais – verde e amarelo – do seguinte modo: um losango amarelo em campo verde, tendo no meio a esfera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido oblíquo e decrescente da direita para a esquerda, com a legenda ‘Ordem e Progresso’ e pontuada por vinte e uma estrelas, entre as quais as da constelação do Cruzeiro, dispostas na sua situação astronômica, quanto à distância e ao tamanho relativos, representando os vinte estados da República e o município neutro”, diz o decreto.
Obviamente que as estrelas foram sendo atualizadas conforme novos Estados eram criados. E o município neutro – a capital federal era o Rio de Janeiro – hoje é o Distrito Federal, Brasília. “De acordo com a Lei nº 8.421, de 11 de maio de 1992, deve ser atualizada no caso de criação ou extinção de algum Estado”, ressalta a Presidência da República.
Quando a República foi proclamada, o astrônomo Manuel Pereira Reis, que trabalhou no Observatório do Rio de Janeiro, foi chamado para determinar com precisão científica a disposição das estrelas. O Brasil é o único país cujo desenho da bandeira respeita a posição astronômica das estrelas.
Concepção
Durante quatro dias, de 15 a 19 de novembro de 1889, a bandeira brasileira teve um desenho semelhante à dos Estados Unidos – mas com faixas verde e amarelas, em vez de vermelhas e brancas.
Isto porque a nação norte-americana, já independente e uma República desde 1776, era tida como exemplo para os republicanos brasileiros. Então esse desenho, claramente inspirado na bandeira dos EUA, foi a proposta pelo jurista Ruy Barbosa. E chegou a ser utilizada.
Ela foi hasteada na redação do jornal A Cidade do Rio e no navio Alagoas, que levou a família imperial ao exílio.
A revisão foi feita a mando do marechal Deodoro que, de acordo com Clovis Ribeiro, “queria manter a bandeira do Império, com a eliminação apenas da coroa”.
A ideia da atual bandeira foi concretizada por um grupo do qual faziam parte os positivistas Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, e o professor de astronomia Manuel Pereira Reis. O pintor Décio Vilares foi recrutado para fazer o desenho do círculo azul.
O positivismo – proposto pelo filósofo francês Augusto Comte – estava em alta nas altas rodas do poder brasileiro. Trata-se de uma doutrina filosófica, sociológica e política que, entre outras coisas, defende os valores humanos e que só são válidos os conhecimentos científicos.
O político Benjamin Constant, outro positivista, foi quem propôs o lema “Ordem e Progresso”, um resumo da teoria de Comte.
“A República não podia encontrar melhores luzes do que na religião que se resume na fórmula: o Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim; nem melhores guias do que nós”, afirmou, na época, Constant.
“Na nossa mensagem propusemos que o governo provisório adotasse a divisa ‘Ordem e Progresso’, conforme as indicações de Augusto Comte, por ser essa divisa o resumo da política republicana.”
“Nestas condições, receando que o empirismo democrático fizesse adotar para a bandeira nacional uma imitação da dos Estados Unidos da América do Norte, e em obediência às indicações de Augusto Comte, resolvemos apresentar a Benjamim Constant um projeto que ele aceitou sem hesitação”, disse, pouco tempo depois, Teixeira Mendes, sobre as conversas que culminaram na criação da bandeira.
“O nosso intuito era evitar que se instituísse um símbolo nacional com o duplo inconveniente de fazer crer em uma filiação que não existe entre os dois povos, e de conduzir a uma imitação servil daquela república”, explicou ele, sobre o descarte do modelo semelhante ao dos Estados Unidos.
“Era preciso que não perdêssemos as nossas tradições latinas e que o pensamento nacional se fixasse sobre a França como a nação em cujo seio se elaborou a regeneração humana.”
Teixeira Mendes ainda contou que, quando o projeto foi apresentado a Deodoro, “ele o achara o melhor dos símbolos propostos”.
Aprovada a ideia, o presidente delegou a um desenhista o trabalho de executá-la. “O desenho destas, segundo a versão corrente, foi feito sob encomenda do marechal Deodoro, por um seu amigo – um alemão, litógrafo da casa Laemmert e que não entendia patavina de heráldica, nem conhecia as tradições do país”, afirma, em seu livro, Clovis Ribeiro.
Bandeira imperial
Mas, se a bandeira da República brasileira é uma releitura daquela utilizada pelo Império, como foi criada então esta primeira?
O historiador Ribeiro conta que momentos após proclamar a independência, ainda na região do Ipiranga, em São Paulo, dom Pedro teria tirado as insígnias portuguesas de seu chapéu e determinado as novas cores do País. “Doravante teremos todos outro laço de fita, verde e amarelo. Serão as cores nacionais”, afirmou o novo imperador, de acordo com tal versão.
O livro Brasões e Bandeiras do Brasil, apesar de reconhecer que o mais provável seja que tais cores aludissem às casas de Bragança e Habsburgo, conta ainda uma versão alternativa, quase anedótica – considerando o caráter mulherengo de dom Pedro.
Conta-se que ele, naquele 7 de setembro de 1822, carregava na lapela uma flor “cor de ouro num ramo verde”, que teria sido presente de “uma formosa dama paulistana”.
“Diz esta lenda galante que, ao escolher, no próprio momento da fundação do novo império, as cores da nova bandeira, dom Pedro não teve senão o intuito de perpetuar, no síbilo da pátria nascente, a recordação dessa dádiva querida”, narra Ribeiro.
Causos à parte, o que parece certo é que as cores nacionais foram escolhidas por Dom Pedro 1º no próprio dia da proclamação da independência. O historiador Ribeiro atesta que, no mesmo dia, tais cores foram usadas pela primeira vez como símbolos da pátria em São Paulo.
Quando retornou ao Rio, o imperador delegou ao pintor francês Jean Baptista Debret, fundador da Academia de Belas Artes, a missão de criar a flâmula oficial do Império.