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Mães já infectadas pelo vírus da dengue têm maior risco de ter bebês com zika grave, diz estudo

Por GLOBO.COM

Dois estudos inéditos trazem evidências de que mulheres previamente infectadas pelo vírus da dengue têm uma maior chance de ter filhos com consequências graves da infecção pelo zika – e vice-versa. As pesquisas foram publicadas nesta quarta-feira (14) na revista científica “Cell Host & Microbe”.

Os vírus da zika e o da dengue são transmitidos com a ajuda do mosquito Aedes aegypti – são endêmicos no Brasil, com maior número de casos de suas respectivas doenças no verão. Eles são do mesmo gênero flavivírus. A ciência ainda busca criar uma vacina segura para proteger contra as duas infecções.

Estudos anteriores mostraram que, em alguns casos, o vírus da zika consegue ultrapassar o tecido da placenta da mulher durante a gestação e atingir o feto, causando uma síndrome congênita – um conjunto de problemas que atingem o bebê, como a microcefalia. As células de Hofbauer, mais numerosas no ínicio da gravidez na placenta da mãe, são os alvos do vírus da zika.

Imagem microscópica mostra células dentro da placenta infectadas pelo zika  — Foto: Mehul Suthar e Matt Zimmerman/Emory University

Imagem microscópica mostra células dentro da placenta infectadas pelo zika/Foto: Reprodução

Mehul Suthar, da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), lidera uma das pesquisas publicadas nesta quinta. Ele lembra que ainda não está claro como o vírus da zika ultrapassa essa barreira da placenta para chegar ao bebê. Nem qual é o papel dos anticorpos – proteínas de defesa criadas pelo corpo em casos de infecção. Muitas vezes, existem reações cruzadas entre os anticorpos com a chegada de um vírus: uma doença pode ser mais intensa se a pessoa já foi infectada previamente por outro micro-organismo “primo” ou “irmão”.

Sabendo de tudo isso disso, Suthar e sua equipe da Emory resolveram investigar se a existência de anticorpos da dengue – resultado de uma infecção anterior – aumentaria a chegada do zika às células da placenta da mãe. E eles descobriram que, sim, uma infecção prévia por dengue pode ajudar no acesso da zika às células de Hofbauer. Consequentemente, um maior efeito do vírus sobre o feto durante o desenvolvimento.

Como eles fizeram isso? Introduziram os anticorpos da dengue no tecido placentário e analisaram sua relação com o zika. Eles e o vírus se ligaram devido às semelhanças de suas proteínas, mas o estímulo do corpo de proteção contra a dengue não conseguiu barrar o zika. Muito pelo contrário: transportou até as células da placenta.

Mosquito Aedes Aegypti é alvo de campanha em todo país para combater dengue, chikungunya e zika/Foto: Reprodução

“Nosso estudo revela que os flavivírus têm uma maneira potencialmente única de atravessar a barreira da placenta”, disse Suthar. “Essa dependência dos anticorpos mostra um desafio para a prevenção de doenças”.

Segunda pesquisa

Sujan Shresta, imunologista do Instituto de Imunologia de La Jolla, em San Diego (EUA), é autor do outro artigo publicado com conjunto pela revista.

Eles mostram o ponto de vista contrário: pegar antes o zika pode causar uma versão mais grave da dengue.

Ilustração mostra a estrutura do vírus da zika/Foto: Reprodução

Fihotes de ratos nascidos com mães com anticorpos do vírus da zika são mais propensos a morrer de dengue, mas eram mais protegidos contra a própria zika.

“Aqui, a resposta imune atua como uma faca de dois gumes, protegendo contra uma infecção [zika] enquanto aumenta a outra [dengue]”, disse Shresta. “Isso significa que devemos ter cuidado ao projetar vacinas, ou podemos prevenir contra uma doença enquanto podemos aumentar as chances de ter outra”.

Brasil e China

Em fevereiro deste ano, pesquisadores brasileiros e chineses publicaram na “The Lancet” evidências que podem parecer conflitantes com as divulgadas agora.

Eles apresentaram resultados que apontam que a infecção pelo zika pode imunizar contra a dengue. O estudo do Brasil, com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisou dados coletados em Salvador.

As análises publicadas em fevereiro foram feitas sem estudar a relação da transmissão de mãe para filho relacionadas com os vírus. O pesquisador Guilherme Ribeiro, da Fiocruz Bahia, realiza desde 2009 junto com um grupo de pelo menos outros dez cientistas, uma análise dos números de pessoas com doença febril aguda.

Segundo ele, até março de 2015, cerca de 25% dos pacientes (484 de 1937) analisados estavam doentes devido à dengue. Essa confirmação ocorria por meio de testes laboratoriais. Nos dois anos seguintes, até 2017, a frequência da dengue foi reduzida para 3% (43 de 1334). O período coincide com a chegada da zika a Salvador.

“Esta ideia faz sentido do ponto de vista biológico, porque o vírus da dengue e o da zika são relacionados. São da mesma família, eles têm uma estrutura semelhante, tanto do ponto de vista genético quanto do ponto de vista da estrutura física. Então, pode ocorrer a criação de uma resposta imune, em que os anticorpos da infecção do zika causem uma proteção contra a dengue”, disse Ribeiro ao G1 em fevereiro.

Além disso, o pesquisador lembrou que os casos de chikungunya, também transmitida pelo Aedes, continuaram ocorrendo e crescendo. O mosquito estava presente nessas regiões – o que descarta a hipótese de que a incidência da dengue tenha diminuído em Salvador por não haver mosquitos na cidade.

De qualquer forma, todos os cientistas presentes nos quatro estudos – tanto os de fevereito, quanto os desta quinta-feira – apontam que ainda são evidências que precisam de confirmação. Pesquisas mais completas precisam analisar as relações entre os vírus do mesmo gênero flavivírus, incluindo também o da febre amarela.

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