Opinião: “Crise não é só econômica: o Brasil precisa de reformas estruturais e institucionais”

Na academia, há décadas, explicações estruturalistas e (neo) institucionalistas para os processos de desenvolvimento e subdesenvolvimento têm se oposto. De 1990 para cá, com o desparecimento virtual dos regimes comunistas e a reconstrução de suas economias em bases capitalistas, os (neo) institucionalistas vêm dominando a cena acadêmica. A presença de instituições fortes, ou seja, órgãos ou regras capazes de assegurar o bom funcionamento dos mercados, seriam o principal mote para o desenvolvimento.

As teses estruturalistas parecem esquecidas no passado dos anos 50 e 60. Elas defendiam que as estruturas econômicas, muitas externas e oriundas do passado colonial, eram os principais entraves para o desenvolvimento.

A força dessa constatação é inegável, mas dois fatores contribuíram para sua relativa perda de influência: em primeiro lugar a falta de renovação teórica dessa corrente e a segunda falta de evidência empírica do relacionamento causa – consequência entre suas premissas e resultados esperados.

O primeiro problema vem sendo mais recentemente corrigido, com vazão a vozes neo-estruturalistas. Para elas, se as teses neo-institucionalistas podem ter força explicativa para países que sofrem drástica mudança de regime, têm bem menor força explicativa para países do cone sul de passado colonial, onde as estruturas de poder e dominação foram internalizadas há séculos, dominando e drenando economia, sociedade e esfera política.

O segundo fator mencionado acima para a perda de influência das explicações estruturalistas, já vinha sendo suprido por trabalhos neo estruturalistas, mas parece ser agora poderosa e tristemente superado pelo exemplo da recente crise brasileira.

A prevalência da explicação (neo) estruturalista no caso brasileiro parece evidente. Não só as estruturas são claras determinantes da crise atual mas, ainda pior, a dominação e virtual submissão das instituições à força das estruturas é gritante.

Nossas instituições públicas, para só falar das grandes, como o Executivo, o Legislativo e mais recentemente o Judiciário, todas parecem ter sucumbido aos jogos de poder e às estruturas político econômicas dominantes. Se enormes conglomerados empresariais foram capazes de capturar, senão corromper, parcelas do Legislativo e do Executivo por décadas (talvez séculos), agora é o Judiciário que se politiza para todos os lados do espectro político, ao sabor das opiniões, da influência e de pressões de estruturas econômicas e midiáticas.

A política penetra o Judiciário em um complexo jogo de ações e reações a interesses e estruturas econômicas dominantes e de convicções sócio-culturais oriundas da própria formação jurídica (fortemente impregnada em suas carreiras pela influência dessas estruturas).

Assim, não parece sobrar força de resistência para as instituições, inclusive as tidas como mais sólidas, face ao poder das estruturas.

Nesse cenário, outro problema deve ser destacado. Teorias puramente econômicas não são suficientes para justificar o subdesenvolvimento e a fraqueza das instituições face às estruturas. Não é possível aceitar que nossas receitas de políticas públicas sejam direcionadas exclusivamente à agenda econômica. Nossa crise, talvez mais do que econômica, é profundamente jurídica, de estruturas e instituições.

Uma visão neo-estruturalista e jurídica deve ser introduzida para explicar suas razões profundas e ajudar a encaminhar a sua resolução. Instituições vergam-se a estruturas de poder exatamente porque histórica e culturalmente nunca lhes foi atribuído um papel organizador da sociedade.

Mais do que isso. Instituições sucumbem a estruturas pois não compreendem que podem intervir sobre as mesmas. Aí o papel de soluções neo-estruturalistas. Para que a crise subdesenvolvimentista que vivemos não se repita é preciso que se intervenha sobre as estruturas que a provocaram.

Intervenções estruturais no sentido de reorganizar setores originadores e propulsores da crise, reduzindo concentração de poder de grandes conglomerados ou reestruturando-os internamente, regulando-os quando necessário, são medidas não micro, mas macro sociais, jurídicas, políticas e econômicas de enorme impacto sobre nosso futuro e que devem ser urgentemente trazidas ao público e incluídas nos debates eleitorais.

Mas não só. É preciso urgentemente pensar em formas de proteger e blindar nossas instituições, sobretudo as públicas, da influência e captura pelas estruturas econômicas e políticas dominantes.

A conclusão é portanto que, mesmo reconhecendo-se a prevalência da explicação neo-estruturalista para a realidade brasileira, não é o caso de optar por uma das visões esquecendo a outra quando se trata de buscar saídas para problemas prementes. O país precisa de reformas estruturais e institucionais. Revisitar e entender a força de cada uma das explicações para o nosso subdesenvolvimento e dar-lhes a devida proporção, para além das rixas acadêmicas, tem importância fundamental para o futuro do país.

CALIXTO SALOMÃO FILHO é professor Titular da Faculdade de Direito da USP e do Institut d´Études Poliques de Paris (Sciences Po).

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