Opinião: “O que o Brasil pode aprender com a China sobre inovação”

Recentemente, fui convidado para integrar o Comitê Internacional de Avaliação do Instituto de Tecnologia de Pequim (BIT, sigla em inglês de Beijing Institute of Technology). O BIT é uma das universidades públicas chinesas com foco principal em ciência e tecnologia, atuando também em outras áreas como gestão e humanidades. Periodicamente, as universidades chinesas passam por avaliações supervisionadas por comissões formadas por pesquisadores sêniores, especialmente selecionados em todo o mundo.

Acostumado às avaliações das universidades nacionais, não há como não se surpreender acerca dos principais indicadores que norteiam o processo chinês. Ainda que a qualidade do ensino e a produção científica tradicional sejam consideradas, as ênfases do processo estão na análise das parcerias com o mundo corporativo e no incentivo ao empreendedorismo entre os educandos. Para quem se acostumou a associar os produtos chineses com cópias e imitações, seja na indústria de computadores, automóveis, jogos eletrônicos e celulares, a realidade atual mostra que, definitivamente, eles aprenderam a fazer do seu próprio jeito, ou seja, inovando mais do que seus concorrentes.

Atualmente, 14% dos estudantes da Universidade de Pequim abriram ou trabalham em startups e há a meta de dobrar esse porcentual.

A parceria entre governo, academia e empresas pode ser exemplificada pela valorização que o mundo universitário confere ao que eles chamam de BAT, sigla que corresponde às iniciais das três grandes estrelas: Baidu, Alibaba e Tencent. Juntas, essas empresas representam mais de US$ 1 trilhão. Ao lado delas, brilham as quase duas centenas de unicórnios (startups que superaram a casa do US$ 1 bilhão), que juntas se aproximam do mesmo montante da BAT. Em outras palavras, somente a BAT somada aos unicórnios, grosso modo, equivalem ao PIB brasileiro.

Em ações sincronizadas, na China todos os atores envolvidos promovem e valorizam inovações disruptivas em áreas que incluem infraestrutura urbana inteligente, veículos autônomos e plataformas de medicina personalizada, sempre baseadas em inteligência artificial e comércio eletrônico generalizado. Os chineses têm absoluta clareza que tudo isso é fruto de fortes investimentos em educação, que crescem anualmente acima de 10%, atingindo a incrível cifra de mais de US$ 500 bilhões no ano passado. Atualmente, 14% dos estudantes da Universidade de Pequim abriram ou trabalham em startups e há a meta de dobrar esse porcentual. Sem isso, entendem eles que o objetivo de fazer do país líder global em inteligência artificial e em outras áreas estratégicas não será atingido.

Considerando que a China é, há quase uma década, nosso principal parceiro comercial, período no qual os investimentos chineses no Brasil cresceram 3.000%, é fundamental que os conheçamos bem. No primeiro semestre de 2018, os investimentos chineses no Brasil, concentrados em energia, alimentos, mineração e telecomunicações, atingiram US$ 1,4 bilhão, volume quatro vezes maior que no mesmo período no ano passado. As perspectivas, seja no comércio, no mundo da política global ou nas parcerias acadêmicas, são potencialmente favoráveis ao Brasil, mas a China saberá identificar se o país é somente uma fonte de commodities ou se a parceria será também em empreendimentos comuns, calcados em educação qualificada e planos substantivos em ciência, tecnologia e inovação. Ao Brasil, cabe decidir que relações pretende estabelecer com a China, com o resto do mundo e consigo mesmo.

Ronaldo Mota é chanceler da Estácio.

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