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Ameaça: crescem na América Latina os linchamentos organizados pelas redes sociais

Por ÉPOCA

Em 19 de outubro de 2015 os irmãos José Abraham e Rey David Copado Molina, estudantes da Cidade do México, estavam na cidade de Ajalpan, no leste do país, fazendo bico como pesquisadores para uma empresa de marketing. Eles percorriam a cidadezinha, com seus formulários, fazendo perguntas. Nessa mesma manhã circulavam pelas redes sociais informações indicando que criminosos haviam tentado sequestrar uma menina em Ajalpan. Subitamente, uma pessoa na rua, ao ver os dois jovens, gritou: “Eles sequestraram a menina!”. As pessoas ao redor concluíram que, se não eram conhecidos da cidade, logo deveriam ser de fora. E, como estavam fazendo “perguntas esquisitas” — sobre o consumo de tortillas —, só poderiam ser os criminosos que haviam sequestrado a criança.

Quando lhes perguntaram o que faziam ali, responderam que eram “encuestadores” (pesquisadores). Alguém gritou: “Estão vendo? Eles admitem que são sequestradores!”. Diversas pessoas começaram a bater nos dois rapazes. A polícia deteve os dois e os levou para a delegacia, onde comprovaram sua real identidade. Enquanto isso, nas redes sociais, a população era convocada, pelo WhastApp, a ir imediatamente até a delegacia linchar os supostos criminosos.

A polícia optou por não liberá-los, já que uma multidão cercava o prédio. A turba invadiu a delegacia, carregou os dois irmãos para fora, espancou-os, cortou-os com “machetes” (peixeiras), jogou-lhes gasolina e ateou-lhes fogo em praça pública. Depois, descobriu-se que a menina sequestrada nem sequer existia. Para analistas, os irmãos foram vítimas colaterais da irritação popular com a impunidade de 98% dos crimes no México.

Essa modalidade de linchamento, originada por rumores nas redes sociais, está sendo denominada de “linchamento 2.0”. O formato está em acelerada expansão na América Latina, região que é terreno fértil para esse estilo de vendetas populares, além de receptiva às chamadas fake news. Uma pesquisa do Barómetro de las Américas feita em 2016 indicou que na América Latina os linchamentos contam com a aprovação de 32,1% da população — o índice no Brasil é de 23,5%.

Os linchamentos 2.0 acontecem em três etapas: 1) as redes sociais são usadas para espalhar rumores sobre pessoas, apontando-as como autoras de supostos crimes; 2) convoca-se o linchamento dos supostos criminosos; 3) após torturar e matar os supostos criminosos, participantes dos linchamentos se ufanam da ação pelas redes sociais, às vezes postando vídeos do assassinato.

Entre 2013 e 2017, o número de linchamentos no México subiu de 40 para 245 casos. Só no primeiro semestre deste ano foram registrados 162 linchamentos e tentativas de linchamento.

Na Colômbia, o aumento dos linchamentos estimulados pelas redes sociais levou a polícia de Bogotá a fazer uma campanha pedindo à população que não confiasse em todas as denúncias que circulam no WhatsApp. Um relatório da universidade Libre aponta que 64% dos bogotanos aprovam a justiça “pelas próprias mãos”. Entre 2014 e 2017 mais de 300 pessoas foram linchadas no país.

Na Venezuela, segundo Roberto Briceño León, presidente da ONG Observatório Venezuelano de Violência, 66% da população aprova os linchamentos. “Os linchamentos têm um efeito de catarse na sociedade”, disse León. Um dos casos de maior repercussão dos últimos tempos foi o de Roberto Bernal, um chef de 42 anos, linchado em Caracas. Ele foi espancado, molhado com gasolina e incinerado. O motivo: Bernal ajudou uma pessoa caída no chão que havia sido assaltada. Os transeuntes acharam que ele era o assaltante e o mataram.

Na Bolívia, os linchamentos fazem parte da tradição das comunidades indígenas. A Constituição não os permite, mas as autoridades federais muitas vezes fazem vista grossa para não contrariar as populações indígenas. A Bolívia tem, em média, mais de 40 linchamentos por ano.

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