20 de abril de 2024

Artigo: Por que é tão difícil à mulher sair de uma relação violenta?

A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, a popularmente conhecida LEI MARIA DA PENHA, é considerada um marco do ordenamento jurídico brasileiro na luta contra a violência doméstica e familiar contra a mulher, por trazer importantes e eficazes instrumentos de combate à calamidade que aflige um gigantesco número de mulheres brasileiras.

As autoras

Mas ainda assim, com uma legislação tão completa e de conhecimento disseminado perante a sociedade, qual a razão que explica porque tantas mulheres ainda se submetem às agressões físicas, morais e psicológicas?

Há quem justifique tal comportamento alegando uma cultura de submissão, outros apontam a dependência psicológica e patrimonial e há até quem diga que se trata de um inverossímil desejo de permanência no estado de violência.

Em verdade, a violência doméstica é mazela social extremamente complexa, cujo não raro silêncio da vítima comporta uma série de fatores muito além e mais profundos que a simples e alegada omissão na busca de ajuda por parte da mulher atingida por esta celeuma.

Estudos apontam que a mulher não se desincompatibiliza da gravosa situação em face dos aspectos emocionais que envolvem o chamado ciclo da violência.

A psicóloga americana Lenore Walker, a partir de um estudo em que ouviu 1500 mulheres em situação de violência doméstica diagnosticou um comportamento padrão que denominou “Ciclo de Violência”[1], dividindo-o em três fases:

a) Acumulação da tensão: caracteriza-se por agressões verbais, crises de ciúmes, destruição de objetos e culpabilização da vítima pelo seu comportamento;
b) Explosão: materializada em violência psicológica, patrimonial, física, ou moral; e
c) Lua-de-mel: o agressor torna-se amável para conseguir a reconciliação, há um período relativamente calmo em que a vítima é convencida de que houve a mudança do agressor passando a sentir-se responsável por ele. Por fim a tensão volta e, com ela, as agressões da acumulação da tensão.
Essas fases, cíclicas e sucessivas, em intervalos progressivamente reduzidos, quando não obstadas, geralmente se agravam a ponto de desencadear desfechos trágicos, como o feminicídio, que é o assassinato da mulher pelo tão só fato do gênero ou o seu suicídio, motivado pela violência acometida ao longo do tempo.

É inegável que a grande dificuldade da mulher para desgarrar-se desse ciclo violento dá-se pelo envolvente e forte vínculo emocional que mantém com agressor, sem descurar ainda, que numa sociedade machista e patriarcal muitas vezes ainda prepondera a dependência financeira perante o agressor, o que agrava mais ainda a tomada de decisão pelo desvencilhar.

Até o ato de denunciar encontra vultosos obstáculos, como os fatores psicossomáticos da vergonha à exposição da intimidade, o receio do preconceito social e até o potencial abandono de amigos e familiares, conforme comprova a pesquisa realizada em março de 2018, pelo OMV/DataSenado, que relata os principais motivos que impedem as denúncias e a quebra do ciclo da violência[2]:

a) a possibilidade das mulheres sofrerem mais violência por parte do agressor ou do Estado;
b) medo que o agressor sofra violência por parte do Estado;
c) receio de não conseguirem sustentar a si e/ou aos filhos ou de serem socialmente excluídas.
Destaca-se, ainda, que apesar da previsão protetiva da Lei Maria da Penha sua efetividade social depende de uma rede de atendimento sistemática, sem repetições de atos desnecessários ou sobreposições, a fim de evitar a revitimização e sofrimento da vítima, com violação de direitos humanos e fundamentais da mulher, trazendo à luz uma discussão profunda sobre o processo e o devido processo legal nos casos de violência doméstica, pois a cada novo depoimento sobre as agressões físicas, morais e danos sofridos, afloram na vítima sentimentos que lhes causam malefícios psicológicos, o que se apresenta aético e injusto do ponto de vista axiológico.

Assim, a Lei Maria da Penha além de prever importantes mecanismos de proteção, bem como para assegurar a imputação de pena ao agressor, estabelece ainda diretrizes gerais para a instituição de políticas públicas abrangentes com vistas ao enfrentamento da violência contra mulheres.

Porém, segundo o entendimento formulado no X Fórum FONAVID de 2018 e por outras instituições que lidam com o assunto, referidas políticas públicas necessitam de adequações para alcançar maior efetividade das medidas judiciais e dos princípios e sanções previstos em leis, das quais podemos citar:

Programa de Adequação quanto à Estrutura e Sistemática de atendimento da Mulher em Violência Doméstica, com fins a potencializar:

Capacitação dos agentes públicos no atendimento a mulher nas Delegacias Comuns e nas DEAM’s para sensibilização da temática e efetivação de maior celeridade nos inquéritos;

Adoção do questionário de avaliação de risco com inserção de dados sociais econômicos das vítimas e ofensores nos registros de boletins de ocorrência conforme recomendação da Carta de Recife, um dos resultados do X Fórum FONAVID realizado em 11/2018 visando garantir a efetividade da Lei Maria da Penha; [3]

Adoção do Programa Patrulha ou Patrulhamento Maria da Penha, específico para atendimento das mulheres sob Medidas Protetivas vigentes, que já vem sendo aplicado em outros Estados, como Rio Grande do Sul, que evitou o feminicídio de 8.568 mulheres, apresentou a redução de 25,7 % do índice de feminicídio, desde a implantação do programa até dezembro de 2014, de 101 para 75 casos. Houve também redução de outras formas de violência contra a mulher: o número de estupros caiu 23%, de 1.374 para 1.051 crimes; as ameaças diminuíram 2,8%, de 44.493 para 43.680 episódios e as lesões corporais, 6,8%, de 27.147 para 25.298 casos; [4]

Criação de programas voltados à recuperação de homens autores de delitos de violência doméstica enquadrados na Lei Maria da Penha, podendo adotar a técnica da constelação familiar ou a forma de grupos que visem à reflexão, reeducação e responsabilização; com encontros semanais, e acompanhamento de equipe multidisciplinar.
No Brasil, pelo menos 16 estados, além do Distrito Federal já utilizam o método de constelação familiar para resolução de conflitos, atendendo a Resolução 125/2010 do CNJ. Em Mato Grosso desde 2016 a técnica começou a ser utilizada, com expansão de oficinas para pais e filhos, direito sistêmico e um Núcleo de Justiça Restaurativa.

Em Rio Branco a VEPMA há mais de 05 meses vem executando um trabalho de grupo de Grupo de Responsabilização e Reflexão, reunindo atores de violência doméstica, cujo objetivo é evitar a reincidência. Estados como o Rio Grande do Norte adotaram o programa de Grupos Reflexivos e em 03 (três) anos de funcionamento, atenderam mais de 300 homens e mantiveram o índice de reincidência zero.[5]

Pelo fato da violência doméstica ser mal indistinto e generalizado, atingindo mulheres de todas as classes sociais, com sérias consequências à família e à sociedade, deve ser enfrentada através de políticas públicas sólidas de formação e informação, fazendo-se imperiosa a inovação constante das ações previstas na Lei Maria da Penha.

O fortalecimento da rede de assistência ou de acolhimento deve ser considerado pauta social, de ação conjunta de cidadãos, instituições e da sociedade civil organizada, com vistas ao amadurecimento social e concretização das atuações preventivas e sancionatórias de enfrentamento e redução da violência contra a mulher.

Autoras:

1 – Isnailda de Souza da Silva Gondim

Advogada OAB/AC 4420

Especialista em Direitos da Mulher

Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher ABA/AC

Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB/AC

 2 – Socorro Rodrigues

Advogada OAB/AC 746

Presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB/AC

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