No leito 41, ela brinca com a pequena Noemi, uma garotinha de apenas um ano de idade que se recupera da cirurgia de Megacólon Congênito, que durou seis horas. A mãe, Marta Nascimento, de pé ao lado da cama, conta para a médica, em tom de gratidão, como a filha está se recuperando bem.
“Não faz nem uma semana que ela foi operada e já toda está ‘espertinha’, brinca e nota tudo que acontece por aqui. Vocês viram que antes de entrarem na sala ela já estava vendo e chamando através do vidro?”, conta, aliviada, a mãe, que viveu dias de angústia.
A doença de Noemi se caracteriza pela dilatação do intestino grosso, acompanhada de dificuldade para eliminar fezes e gases, razão que apavorava Marta. “Eu tinha muito medo de ela morrer. Tinha medo até de dar comida e ela passar mal, por isso dava só o peito mesmo”, relembra.
Após o sucesso do procedimento cirúrgico, a mãe conta, emocionada, que a médica deu à sua filha a possibilidade de ela ter uma vida normal no futuro. “Para mim, depois de Deus, vem a doutora, porque, além de ser uma boa médica, é como se ela tivesse dado a vida novamente para a minha filha.”
A médica alegre e atenciosa, pela qual a dona de casa tem tanta gratidão, é Fernanda Lage, ganhadora do prêmio internacional Cirurgiã da Comunidade (em inglês: Baxiram S. and Kankuben B. Gelot Community Surgeons Travel Award for the Year 2018).
O prêmio é uma honraria dada a médicos que trabalham em áreas remotas do mundo e tomam conta de comunidades carentes, ofertando serviços de alta qualidade para populações que não podem pagar por tais atendimentos.
Lage faz isso. Há 13 anos, ela é a única cirurgiã pediatra do Acre. Desde então, é pelas mãos dela, e de sua equipe, que “acreaninhos” como Noemi são tratados, salvos e têm a chance de ter uma vida adulta saudável. Ao todo, ela já operou mais de duas mil crianças no Acre, sendo que 500 delas tinham má-formações congênitas graves.
Reconhecimento
Cirurgiã da Comunidade é um reconhecimento internacional do Colégio Americano dos Cirurgiões (ACS) dos Estados Unidos (EUA).
“Receber reconhecimento mundial é muito legal, porque esse prêmio é dado a cirurgiões que trabalham com pouco recurso e conseguem fazer um trabalho de excelência como se estivessem em um local com muitos recursos. Porque trabalhar em hospitais com muitos recursos, como eu vi lá nos Estados Unidos, é muito fácil! Você ‘estala os dedos’ e está tudo na mão, mas você fazer este trabalho com poucos recursos é um esforço dez vezes maior. Costumamos dizer que temos que matar um leão por dia”, destaca.
Apesar de estar contente pelo destaque e pela visibilidade internacional de seus esforços, a médica conta que tem algo que a deixa mais feliz. “Para mim, a melhor sensação do mundo é eu estar no meu ambulatório e de repente chegar uma criança que eu conheci recém-nascida, que ia morrer, e hoje já está com três ou quatro anos de idade, correndo e falando, tendo uma vida normal. Isso é muito gratificante e não tem prêmio nem dinheiro que pague isso”, conta.
Lage foi escolhida entre os pediatras do mundo todo como exemplo de cirurgiã que atende comunidades carentes com serviços gratuitos, associado à propagação de ideias e de conhecimentos para garantir a alta qualidade da prática cirúrgica e melhorar o atendimento dos pacientes de sua comunidade.
Isso porque, além de atender as crianças no Hospital da Criança e Hospital das Clínicas da região, a pediatra é preceptora de residência médica, do curso de Medicina da Universidade Federal do Acre (Ufac). Além disso, é ela, sozinha, que treina os acadêmicos para serem médicos e os médicos para serem cirurgiões pediátricos.