Presidente do PT diz que quem sair da Frente Popular não será chamado de traidor

Não é novidade que a maior e mais longeva coligação de partidos políticos do Acre, a Frente Popular (FPA), liderada pelo Partidos dos Trabalhadores (PT), está fragmentada, após amargar uma derrota avassaladora nas urnas no processo eleitoral, deste ano. Depois de 20 anos de sucessivas vitórias nas disputas ao governo do estado, o partido vive agora o desafio de retornar às origens e descobrir quem são os aliados que permanecerão na mesma trincheira: a da oposição, a partir da instalação do governo eleito de Gladson Cameli (Progressistas).

“Quem sair não será chamado de traidor, pois cada um se aliancia ao que achar mais conveniente. Com alguns partidos estamos aliançados por ideias e não por processos e essa não se desfaz”, afirmou o presidente do diretório regional do PT no Acre, André Kamai, que, em entrevista à ContilNet, reconheceu o novo momento e afirmou que o partido não está à procura de culpados e nem se preparando para “navegar no caos”.

Essa derrota foi simplesmente o encerramento de um ciclo? O PT já parou para refletir?

É fato que se encerrou um ciclo do nosso projeto de desenvolvimento na forma do Acre ser conduzido para o futuro e não acreditamos que isso tenha acontecido porque a oposição ganhou, mas porque nós trouxemos o Acre para um patamar e agora era necessário começar um novo momento, que agora está entregue à oposição pela escolha do povo e é a eles que cabe agora apresentar soluções para este novo ciclo. O povo decidiu mais por quem queria que não ganhasse e não quem queria eleger.

É o fim do projeto político da FPA?

A FPA não se encerra mas deve se moldar a esse novo momento. Precisa ter um tempo para se olhar para dentro, se rever. Saber se continuamos nos mesmo moldes. É uma Frente ampla e democrática que agora se remodela. O PT liderou a Frente Popular que aliançou partidos que saíram e voltaram o que é normal numa aliança que durou quase 30 anos. Alguns talvez tiveram mais aliança com o governo do que com a FPA, do que com os conjuntos dos partidos.

Então os aliados assim se comportavam por interesses pessoais e não ideológicos?

Não todos. Não temos como julgar. Veremos como isso vai se desdobrar agora.

Como será a oposição que do PT ao novo governo?

Faremos uma oposição com muita firmeza, sem recuar, mas não temos o propósito de destruir nenhum governo. Faremos uma disputa eleitoral lá na frente apresentando um projeto melhor e não torcendo para que o deles seja desastroso.

E em que a futura oposição pretende se pautar?

Primeiro, será de defender nosso legado, que é extraordinário para apresentar ao povo, embora este tenha julgado a necessidade de uma mudança, movido por uma onda nacional. Onda esta que o Acre foi o estado que mais resistiu, mas chegou até aqui. Vamos defender o que foi construído desde o governo do Jorge Viana até o governo do Tião Viana com indicadores fantásticos e processos e garantias de direitos e acesso a serviços públicos que o Acre não tinha antes.

Mas o modelo de governo atual não passou no teste dar urnas…

O segundo debate que faremos é justamente sobre o modelo. Até aqui pensamos o desenvolvimento do Acre, mas sobretudo na distribuição da renda, em uma economia de base diversificada, que as pessoas tivessem acesso às riquezas produzidas e o cuidado e preservação com as riquezas florestais e que também virassem ativos econômicos. Fizemos isso. Elevamos o PIB do Acre, o orçamento público, além da garantia de direitos. Já o governo que vem por aí ainda não deixou claro que modelo de desenvolvimento quer para o Acre. Se é o agronegócio, nosso governo investiu muito no Agronegócio. O governo Tião Viana foi um dos que mais investiu na produção familiar agrícola.

Ainda não é cedo para avaliar?

Alguns movimentos já dão sinais na composição de governo se olharmos os perfis de quem irá cuidar de cada área. Realmente não temos como avaliar agora, mas defendemos que o modelo que estávamos fazendo era porque acreditamos que era o melhor para o desenvolvimento do Acre.

O PT já parou para refletir sobre o que deu errado nestas eleições?

Estamos fazendo um processo interno. Já reunimos a direção algumas vezes, vamos reunir o diretório e fazer uma agenda mais ampliada a partir de janeiro para fazer essa avaliação, mas não é para botar os podres na mesa, até porque não temos podres. Não achamos que deu tudo errado, senão o povo não tinha nos deixado no poder por 20 anos.

Kamai: “Tem gente pensando de várias formas e é natural”

Então, a que se deve essa derrota tão avassaladora de agora?

Tem um conjunto de fatores que nos levou a essa condição. No plano nacional, o PT sofreu um conjunto de ataques e ainda resistimos no Acre por 10 anos. Existe uma crise econômica mundial e o governo do Acre resistiu mantendo os salários em dia e garantindo os investimentos, não reduzindo acesso aos serviços básicos como saúde e educação. Não recuamos, mas a crise está aí. Precisamos fazer uma avaliação que olhe esse contexto e nos aponte o futuro. Não será avaliando agora porque um ou outro perdeu a eleição que encontraremos a solução para nossa reconstrução.

Ao falar em reconstrução, então, você reconhece que o PT está destruído?

O PT elegeu a segunda maior bancada do Congresso Nacional. O PT é o segundo maior partido do Brasil no Congresso. O primeiro é um que está muito mais vinculado a um fenômeno que foi a eleição do Bolsonaro do que efetivamente um partido de base. Em 2005, quando houveram as denúncias do mensalão disseram que o PT ía acabar e o PT resistiu, reelegeu o Lula, elegeu a Dilma e reelegeu a Dilma. Depois veio o impeachment e agora elegemos a segunda maior bancada. Então se pode dizer que um partido como o PT está destruído.

Mas, e no Acre?

Depois de 20 anos no governo e de toda construção que fizemos, quando se tem uma situação como essa, é necessário que a gente pare, entenda e repense a nossa caminhada.

Esse é um entendimento do conjunto? Seu? Ou ainda tem gente sentada à beira do caminho contemplando e achando que tá tudo bem?

Tem gente pensando de várias formas e é natural, já que ainda não paramos para conversar sobre isso no conjunto. E tem pessoas que saíram de forma diferente desse processo. Agora, nesse processo de reconstrução, nós temos que olhar para o PT, nos encaixarmos na nova situação de que não somos mais governo, somos oposição.

E o PT se resumirá a isso agora? Ser oposição somente?

Nós temos a responsabilidade de dialogar com a sociedade, fazer disputa de narrativas e participar de uma frente de organizações sociais de esquerda que farão a resistência tanto ao governo do Bolsonaro, que na minha opinião é o que tem de mais danoso para a democracia e a história do Brasil, quanto ao governo do Acre, que ainda não temos muita clareza do que será.

Como está se dando esse processo internamente?

Não teremos o olhar melancólico de quem perdeu uma eleição e parece que acabou tudo. Nosso foco não está em construir as razões da não-vitória no processo eleitoral porque não existimos apenas para disputar eleições. O PT nasceu para organizar os trabalhadores e é isso que nós vamos fazer.

Muito se falou em autofagia no PT do Acre. Você concorda?

O PT tem uma forma de organização, que vem desde a sua fundação e está no Estatuto, que se dá por linhas ideológicas e de pensamentos, através das tendências e correntes, e são estas que fazem o PT ser da dimensão que é. Se fossemos um partido com centralismo não seríamos o maior partido da América Latina. Agora que as relações internas precisam ser discutidas, precisam. Porque não podemos considerar tendências como grupos em torno de pessoas. Mas não é o método de organização do PT que é o problema e nós não vamos ficar navegando em problemas, mas apresentar um projeto melhor do que o que vai estar aí.

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