Que o Brasil estava em um movimento de regressão, buscando um tempo indefinido no passado e a mentalidade que lhe corresponde, isso já tinha ficado visível. Que o Acre ia acompanhar, também era sabido. Nosso estado tem uma antiga e permanente necessidade de provar ao mundo que de fato existe, jamais ficaria fora da onda retrô. Mas não imaginei que chegasse a tanto. Não sei em qual reunião isso ficou decidido, mas o fato é que a escolha recaiu nos anos 80 e 90 do século passado. Creio que a vaga vitalícia de Flaviano Melo na Câmara Federal influiu nessa escolha.
O resto, é consequência: o governador se chama Cameli, o PT volta a caber no fusca do Nilson, a Assembléia estadual debate uma possível nomeação de Alércio Dias para função pública, A BR 364 ameaça fechar com as chuvas e a Wania Pinheiro resolve publicar a coluna “O Espirito da Coisa” aqui na Contilnet. Tudo bem, sei que a maioria saudosista quer voltar aos velhos bons tempos, estou disposto a fazer a minha parte, mas vou logo avisando: sem Zé Leite, Aloisio Maia e Chico Pop, não vai ter tanta graça.
Se para o mundo é retrocesso, para o Brasil é regressão e para o Acre é regresso, para este que vos fala, euzinho aqui, é recaída. Pensei que tinha me livrado dessa cachaça. E confesso que estou surpreso, como se tivesse passado os últimos vinte anos em outro planeta e, ao chegar novamente a esta terra, percebesse que tudo mudou para permanecer igual. Até o cabelo do deputado Daniel Zen imita com razoável parecença o de seu saudoso tio Mário Maia, embora com o topete e o resultado político bem mais modestos.
Agora só falta os políticos arremelarem os zóios com inveja de Rondônia e algum fazendeiro fazer uma plantação de soja na pontinha do pasto para o gunvernador visitar e dizer que é a redenção do Acre. O quê? Não falta? Eu devia ter voltado a ler a brava imprensa local antes de escrever qualquer coisa.
Bom, vamos lá. Acho que ainda lembro como era. E vou me permitir, como sempre, espichar um pouco os limites do tempo para incluir o efêmero e o eterno na medida em que couberem. O jornalista Elson Martins não está com uma página no “feice” lembrando o Varadouro? O historiador Marcos Vinícius não está lançando um livro com “histórias acreanas”? Aliás, encontro no mesmo “feice” vários amigos do pé rachado numa página chamada Memórias do Acre, mostrando fotos antigas e lembrando o que deve ser inesquecível na terra do já teve.
Em parte, essa onda de retorno se deve à arrogância descuidada de alguns (não vou generalizar nem especificar), na política, na cultura, na comunicação, tanto nas instituições quanto na sociedade, que quiseram fazer todo mundo acreditar que a história começou com eles e antes não existia nada além de escuridão e o espírito pairando sobre as águas. Essa arrogância, reconheçamos, não é exclusividade de ninguém e aqueles que dizem combatê-la, muitas vezes, querem apenas colocar a sua própria no lugar.
Não vê o “ministro” do “meio ambiente”? Disse que não sabia quem era Chico Mendes e que isso era irrelevante. Ora, conheço muita gente que brigava com Chico naqueles já citados anos 80 que se encerraram dois anos antes, com seu assassinato. Mas mesmo esses seus ferozes opositores, até inimigos, sabem que a sua vida e os resultados de seu trabalho, que se estenderam por trinta anos, nada tem de “irrelevante”.
Esse retorno, regressão, recaída, como quer que se chame a tentativa de voltar a um tempo que cada um idealiza como sendo melhor que o atual, requer uma dose de um remédio igualmente antigo, o famoso Simancol. Afinal, velhice não é doença e a memória saudosa da juventude é um sinal positivo de amor-próprio, mas, francamente, não é bom para a saúde começar as frases com a expressão “no meu tempo” e achar uma porcaria tudo o que veio depois.
Tem coisas que são melhores, muito melhores que as de antigamente. Não é o caso da política, é claro, que permanece o mesmo Festival de Besteira. Nem o futebol, que não troco dez Neymar rolando no chão por um passe de Dadão deixando Edson Carneiro com a bola no pé na saída do goleiro Paturí. Mas acho a internet e o celular coisas muito boas, embora sejam burramente usadas. E é por esses meios pós-modernos que podemos conversar. Nas novas coisas, o velho espírito.
Boemia, aqui me tens -mais uma vez- de regresso.