Ele tomou posse no Senado, a menos de 30 dias, apresentando duas propostas polêmicas: a redução da maioridade penal para os 16 anos e outra extinguindo o auxílio-reclusão, dinheiro público, acima de R$ 1 mil por mês, que o preso recebe por estar encarcerado. Márcio Bittar, ex-deputado estadual, duas vezes deputado federal e agora eleito senador da República pelo Acre (MDB) e que chegou ao Senado dizendo a que veio, na presente entrevista, a mais longa que ele já concedeu depois de tomar posse, revela também que seu mandato terá dois eixos de desenvolvimento: uma, buscando a concretização da parceria do Brasil com o Peru e a partir daí com a China, e o outro eixo é lutar pelo rio Acre.
O senador entende que o rio sofre tanto nas cheias como no período das secas e que a população é a grande prejudicada e que algo precisa ser feito em busca de solução. Segundo ele, a engenharia tem solução para o caso. Politicamente, Bittar diz ainda que talvez já não seja candidato ao Governo do Estado e que seu compromisso é apoiar os governos do presidente Jair Bolsonaro e de Gladson Cameli. “Eu ajudei a construir este Governo e a responsabilidade não é só dele. É minha também”, disse o senador, sobre o governador Gladson.
A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida durante sua última visita a Rio Branco:
ContilNet- Senador, quando o senhor saiu candidato ao Senado em 2018, muita gente duvidada de sua eleição pela razão de que o senhor estava numa disputa adversa, tendo que encarar grandes lideranças da política local, como o senador Jorge Viana, que estava no mandado e é, reconhecidamente, uma grande liderança da política local, quase uma unanimidade, um fenômeno eleitoral que, no entanto, o senhor derrotou. Qual o significado disso para o senhor? Já caiu a ficha?
Márcio Bittar – Primeiro eu tenho que concordar com você que o Jorge Viana é o maior líder político que o Acre produziu em todos os tempos. Há, na história política do Acre muita gente importante, mas, nesta fase democrática, da reabertura politica, indiscutivelmente, ele foi o grande mentor da Frente Popular e, mais do que mentor, ele era um soldado que arrumava a casa, que cuidava de tudo. Evidentemente que contou com a ajuda de Marina Silva, do irmão Tião Viana e de outras lideranças, mas quero concordar com isso por reconhecimento. Mas todo ser humano, às vezes por raiva, paixão, cansaço e outros sentimentos, costuma sair do chão, sai um pouco da realidade. Isso acontece com qualquer um de nós. Eu acho que o senador Jorge Viana, na eleição passada, de certa forma estava repetindo uma fórmula que já não era mais adequada e eu confesso que fui um pouco beneficiado por isso. Além do mais, a minha estratégia, baseada nos fatos, era de que eu precisava desconstruí-lo.
“Eu precisava desconstruir o Jorge Viana e cobrar os 20 anos dos governos da Frente Popular”
ContilNet- O que então o beneficiou de fato: a desconstrução do mais forte adversário ou sua aliança com o então candidato Jair Bolsonaro e seus aliados?
Márcio Bittar– Eu acho que essa vitória – uma vitória apertada, que não reflete o que ela de fato foi. Quem olha de longe, lá de Brasília, e ver eu com 23 por centos dos votos, o Jorge com 14, acha que foi algo tranquilo. Mas não foi. É como você não ver teu time jogar e depois saber que ele ganhou de três a zero, que pelo placar julga fácil a vitória, mas fica sabendo que na realidade não foi assim porque o teu time fez o primeiro gol e jogou o restante do jogo todo na retranca, no sufoco, se aproveitando de pequenas falhas…
ContilNet- Então o senhor admite que, durante a campanha, estava na retranca…?
Márcio Bittar– Estava na retranca, claro. Mas eu acho que a disputa entre o Jorge e eu começou quando terminou o ano de 2016. Eu tive uma conduta de cobrar dele os 20 anos de governos da Frente Popular, o resultado do conceito de florestania, que ele construiu e que nos trouxe a uma condição de um Estado falido.
ContilNet- Por que esta ideia não deu certo, na sua avaliação? Por qual motivo deu errado?
Márcio Bittar– Não deu porque a ideia bonita, romântica de se gerar riquezas sem praticamente alterar o meio ambiente, isso não é possível. A economia… o recurso natural, por si só, não é riqueza. Ele só é riqueza quando o ser humano atua sobre ele…
“Em 2018, o povo votou, sobretudo, contra um sistema que oprimia as pessoas.”
ContilNet- Isso não é um discurso de pecuarista?
Márcio Bittar– Pode ser de pecuarista, de fazendeiro, de agricultor, de colono, de intelectual, mas ele é um discurso verdadeiro: nós não temos o que produzir no Acre. Veja só, eles passaram esse tempo inteiro, 20 anos, dizendo coisas que eram absolutamente irreais. Diziam que íamos produzir, por exemplo, açaí. Aí vem a pergunta: por que Rondônia não produz? Por que Mato Grosso não produz? A questão é: tudo que eles anunciaram como possível de produzir aqui não era algo exclusivo do Acre, como era a seringueira. Ela era exclusiva daqui até levarem a semente para fora. Falava-se muito em produtos fármacos. Ele (o ex-senador Jorge Viana) falava muito que iriamos descobrir aqui plantas que curariam várias doenças da humanidade. Mas, ainda que descobríssemos tais plantas, quem é que diz que ela só tem aqui? A Amazônia está em nove estados do país e em vários países. Mesmo que descobríssemos tais plantas aqui, quem impediria que elas fossem levadas para fora? A economia tem regras claras: você precisa produzir algo e ter para quem vender. Você tem que gerar excedente de alguma coisa. E o excedente que nos podemos gerar para fazermos riqueza tem que sair por dois canais: por Rondônia, pegando carona pelo rio Madeira, e daqui para o Peru, inclusive pela região do Juruá, pela baixa altitude da Cordilheira, que por ali é de apenas dois mil metros, até chegarmos aos portos peruanos do Pacífico. Então a ideia romântica da florestania é irreal. Não há como você gerar riquezas e muito menos empregos com isso. Vamos pensar ao contrário: se isso desse certo, por que um governo que durou 20 anos, que teve todo o apoio do governo federal e internacional, não se viabilizou economicamente?
ContilNet- Então foi contra isso que o eleitor, em 20018, votou e assim obteve a eleição do governador Gladson Caneli, a sua e a do senador Sérgio Petecão, além da maioria absoluta dos deputados federais, varrendo o PT da vida institucional do Estado?
Márcio Bittar– Também! Mas o povo votou, sobretudo, contra um sistema que oprimia as pessoas. Eu diria que em 2018 nós tivemos uma quebra de grilhões. Os empresários, da cidade e do campo, fazendeiros e colonos, que passaram anos subordinados e sufocados pelo governo, sentiram que poderiam ser libertados. A minha eleição, que teve esse enfrentamento com o Jorge Viana, que eu coloquei na conta dele – e concordamos aqui que ele é o maior líder popular que o Acre produziu…
ContilNet- Aliás, o senhor foi o politico local que mais perdeu eleição para ele? Como se sente depois de tantas derrotas?
Márcio Bittar– Perdi quatro eleições para eles. Mas não me sentia derrotado quando perdia eleição para eles. Como acho que não devem se sentir agora, porque perderam a última eleição. O Jorge é um cara altamente vitorioso. Nós concordamos que ele foi o político mais popular que o Acre produziu. O mais poderoso também. Mas tudo tem seu fim. A democracia é assim…
ContilNet- O senhor acha que ele não volta mais para a política?
Márcio Bittar– Não penso assim. Para a política, o Jorge Viana é um cara novo.
O senhor tem medo de enfrentá-lo nas urnas?
Márcio Bittar– Não. Nunca tive e nem penso nisso também.
ContilNet- Qual será a base de seu mandato, de sua atuação parlamentar nos próximos oito anos?
Márcio Bittar– Vou atuar em áreas já conhecidas, defendendo emendas individuais, coletivas…
“A China tem interesse por uma questão econômica do país deles, mas se o interesse coincide com o nosso, qual é o problema?”
ContilNet- Mas eu pergunto: o senhor não terá um nixo de atuação, uma coisa específica?
Márcio Bittar– Eu preparei uma equipe para ajudar muito o governo do Estado, em todas as secretarias. Eu preparei uma equipe que entende muito de orçamento e de todos os programas do governo federal. Mas, além disso, eu vou me dedicar a duas causas (e não posso priorizar um monte e ao final não poder fazer nada): uma, é o acordo que eu quero que o Brasil celebre com o Peru, um acordo econômico, sério e profissional. Eu estive já tratando disso. O Peru construiu com vários países fronteiriços um gabinete binacional e não fez isso com o Brasil porque nosso país não se interessou muito por isso. Minha ideia é criar com o Brasil também esse gabinete binacional. Feito isso, os dois países vão ter que discutir juntos os seus problemas fronteiriços, como, por exemplo, o das drogas. Nós estamos aqui com uma produção de cocaína em larga escala, passando também pela Bolívia… Esse é só um dos problemas que vamos ter que discutir juntos e, ao mesmo tempo, descobrirmos qual é o potencial do Brasil com o Peru passando pelo Acre e a região Norte.
ContilNet- E essa estrada de ferro construída pela China que passaria por nosso território até o Peru? Isso fará parte desta agenda?
Márcio Bittar– Esta agenda tem todo sentido. A China tem interesse por uma questão econômica do país deles. Mas se o interesse dos chineses coincide com o nosso, qual é o problema? Há uma malha ferroviária imaginada para o Brasil milhares de quilômetros ligando o país de norte a sul e uma das variáveis, como fosse uma costela, é essa que liga o centrão do Brasil com a nossa região que é o que a China tem interesse e que geograficamente nos interessa.
ContilNet- Mas esse é um projeto de longuíssimo prazo, não é?
Márcio Bittar– É, mas o Acre não pode ficar apenas esperando. O Governo federal e a bancada federal têm que fazer essa atuação em conjunto e nós podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo, porque a nossa ligação com eles não precisa passar necessariamente pela estrada de ferro que, afinal, vai demorar muito. O projeto da ferrovia é muito audacioso e de muito longo prazo. Parece que em relação a isso a própria China deu uma esfriada. Mas, para atingirmos o Peru, via Juruá até Pucalpa, são apenas 180 quilômetros que nos separam.Isso é o futuro do Acre, que vai beneficiar toda a região Norte e até uma parte do Centro-Oeste. Já pensou se a gente consegue colocar, em conjunto com o Peru, três produtos em larga escala na China?
“Eu entendo que o maior desastre ambiental que nós temos no nosso Estado é o Rio Acre”
ContilNet- O quê, por exemplo? Soja?
Márcio Bittar– Quais produtos eu não sei, mas pode ser soja sim. Eu não tenho preconceito com nada, com soja, a boi a vaca, galinha porco… Não tenho preconceito a nada. Tendo mercado, devemos entrar.
ContilNet- E qual é o segundo eixo de seu mandato?
Márcio Bittar– Um, este que acabei de falar, da relação com o Peru, e o outro a preocupação com rio Acre. Eu entendo que o maior desastre ambiental que nós temos no nosso Estado é o rio Acre, nos períodos de cheia e de seca. O Sindicato dos Engenheiros já fez um estudo e aponta que o problema tem solução e que isso é muito mais barato do que é gasto atualmente com o problema das enchentes e dos desabrigados.
ContilNet- Como seria isso? Cortando o rio? Consta que o então governador Orleir Cameli tinha um projeto assim, abrindo um canal a partir do Amapá e desviando o leito do rio por trás do bairro Taquari até sair lá no Paranorama, ou seja desviando o rio da cidade e acabando com as áreas alagadiças. O projeto só não prosperou porque muitos evangélicos ligados ao governo entenderam que o desvio do rio seria uma interferência humana numa obra de Deus…
Márcio Bittar– O Canal do Panamá, feito pela mão humana, tem mais de cem anos e só trouxe benefícios. A solução da engenharia aponta que é muito mais barato de que todos os anos tirar os desabrigados de suas casas. A retirada de pessoas é algo caro demais. Como é que vamos tirar dali a população da Baixada inteira, onde praticamente tudo alaga no período das cheias. Como é que você vai obrigar o morador da Sei de Agosto a sair de lá? Ele quer ficar lá, porque nasceu lá, porque é lá que estão seus familiares e seus amigos, é perto do centro. A alagação consome muitos recursos. A última grande alagação consumiu mais de R$ 200 milhões. Ao pretender cortar e desviar o leito do rio, o Orleir Cameli pode ter acertado. A minha intuição aponta que o rio Acre são dois problemas em um: é o mesmo que rio, que sofre com a alagação e com a seca. Se nada for feito a médio prazo, Rio Branco terá problemas gravíssimos de abastecimento de água. A intuição aponta para o fato de que precisamos guardar um bom excesso da água das enchentes para a época da seca, da escassez.
ContilNet- Desviando o leito do rio e onde é o leito que passa na frente da cidade funcionaria como um grande lago, um lago morto?
Márcio Bittar– Aí quem vai dizer como serão os passados será a engenharia. O primeiro passo é garantir recursos para buscar uma solução para o problema. Ano passado, mesmo sem mandato, porque conhecíamos o relator, conseguimos R$ 5,5 milhões. Segundo passo: o atual governo, do Gladson, fazer um levantamento, o primeiro diagnóstico. Hoje, o Ace não tem sequer estatísticas, um diagnóstico sobre o que acontece, quantas pessoa são atingidas. Saber isso é o primeiro passo. O governador vai ter que fazer um amplo estudo sobre isso. Feito isso, ele abre um certame buscando a solução. Aí os escritórios de engenharia do Brasil e do mundo se inscrevem e vão apresentar seus projetos. O que for de mais fácil solução e mais barato é contratado e nós, os políticos, temos que buscar os recursos. Eu não quero tomar o lugar dos que estudaram o assunto. O que posso dizer que há solução para o problema e nós estamos dispostos a ajudar.
“As ideias do governador Gladson e do presidente Bolsonaro coincidem com o que penso. Eu sou um conservador, um liberal”
ContilNet- Como será sua relação com o governador Gladson Cameli? Na Assembleia Legislativa, os três deputados do MDB, o seu Partido, estão se declarando independentes e um deles, Roberto Duarte, parece em franca oposição ao governo? O que o senhor pensa a respeito? Há quem diga que, já na próxima eleição, o senhor gostaria de ser candidato a governador e estaria disposto a peitar o atual governador?
Márcio Bittar– Há muitos eu não me sinto tão bem como estou agora. Se há dez, 15, 20 anos alguém me perguntasse se eu queria disputar o Governo, a resposta sim estava na ponta da língua. Mas eu estou com 55 anos, maduro, com um casamento de 30 anos, depois de muito tempo eu não tenho uma eleição na minha cabeça. Pode até ser que eu nunca mais dispute uma eleição para o Governo do Acre. O que eu quero é poder ajudar. O atual governo do Acre eu ajudei. Depois de 20 anos, conseguimos eleger um rapaz jovem para governador, o Gladson Cameli. Eu me sinto responsável também pelo Governo. A responsabilidade não é só dele, é minha também. Assim como ocorre também com o governo do presidente Bolsonaro. Embora o Acre tenha uma população pequena, poucos eleitores em relação aos outros centros, mas aqui ele teve a maioria absoluta dos votos e eu me sinto responsável por isso também.
ContilNet- Como é sua relação com ele, o presidente Bolsonaro?
Márcio Bittar– Não tenho uma relação pessoal com o Bolsonaro e nem preciso ter. O fato é que fui deputado federal duas vezes e nas duas vezes ele também estava lá como deputado. Trabalhamos juntos e ele até votou em mim para o cargo de primeiro secretário da Câmara. Temos uma relação cordial, sem uma relação mais profunda de amizade, mas não precisamos disso. Eu o apoiei porque defendo as teses que ele defendeu na campanha.
ContilNet- Mesmo nessa ideia de arma o cidadão? O senhor concorda com isso?
Márcio Bittar– Concordo. Posso até não concordar com todas as teses dele, mas, em linha geral, eu sou um liberal. Eu fui comunista. Passei dez anos me desintoxicando disso. Hoje eu sou um liberal, conservador total e o programa econômico do Bolsonaro é liberal, privatização, de diminuição do Estado, venda de empresas estatais, reforma da previdência, e urgente!. Ai você vem me falar de armas e segurança. Assim como ele, eu entendo que o principal – não o único – fator de violência em qualquer lugar do mundo é o sentimento de impunidade. Nós vivemos num país que uma pessoa mata um pai ou uma mãe de família e em pouco mais de dois anos depois está de novo no meio da rua. Isso, sem contar com os crimes não elucidados. De todos os homicídios do país, só dez por cento. Em linhas gerais, a visão que ele tem de endurecimento das leis é a visão que eu tenho também. Eu sou o primeiro senador desta legislatura a apresentar duas Propostas de Emenda Constitucional sobre isso.
ContilNet- Quais?
Márcio Bittar– Uma para reduzir a maioridade penal para 16 anos. Uma, que já estava lá, coincide com uma que o ministro Sérgio Moro também apresentou. A que está lá propõe redução para 16 anos só para crimes hediondos. Eu acho isso um equívoco. Eu parto do principio de que o menor possa ser penalizado porque ele comete crimes, inclusive no trânsito, que não são considerados hediondos, apesar da gravidade. Então, se o menor tem discernimento para votar do vereador para presidente da República, que mata, que pertence a facção criminosa, então ele tem que ser responsabilizado criminalmente. A outra minha emenda é para acabar com o chamado auxílio-reclusão, que eu considero uma vergonha. O sujeito mata um cidadão, destrói uma vida, uma família e quando é preso, ainda recebe dinheiro porque está preso. Eu acho isso um absurdo. O Estado brasileiro gastou nos últimos anos verdadeiras fortunas, na casa de bilhões, pagando este tipo de auxílio que eu quero acabar.