Coluna do Antônio Alves: “As águas estão subindo na saída do comboio”

Já escrevi dezenas de vezes, não custa mais uma, a frase de algum antigo mestre de Xadrez: “é melhor ter um mau plano do que não ter plano nenhum”. De fato, muitas partidas são ganhas pelo jogador que tinha algum objetivo, embora não fosse o melhor, impondo-se sobre um adversário que ficava zanzando com suas peças pra lá e pra cá, em busca de alguma oportunidade oferecida pelo acaso. Posso adaptar essa lição ao mundo da política, da gestão do Estado ou das empresas? Totalmente.

Tirando as leituras e algum conhecimento da história, minha memória pessoal da política alcança quatro décadas, quatro e meia. Converso com os mais velhos, que já “se entendiam por gente” dez ou vinte anos antes de mim e amplio minhas percepções com a memória comunitária. Até onde alcanço, tivemos governos de todo tipo, com a clássica variação de péssimo até ótimo. A avaliação tem vários parâmetros e é influenciada por preferências e interesses pessoais, familiares, corporativos etc.

Para os bons, uma palavra, “trabalhou”, às vezes acompanhada por um advérbio, “muito” ou “bem”. Para os ruins, a expressão completa do desprezo: “não fez nada”. Até hoje ainda persiste uma tendência a julgar o governo pelo “fazer”, com destaque para a quantidade de obras e suas dimensões físicas. Mas cresceu, como o tempo, a importância dada à qualidade dos serviços e aí, muitas vezes, o verbo é “funcionar”: a saúde funcionava, a educação funcionou bem… ou, ao contrário, parou tudo.

Pois bem, desconfio que tem um fator, muitas vezes não reconhecido e até invisível, que aumenta as chances de um governo entrar nas listas do “trabalhou” e “funcionou” – o nome da coisa é planejamento. Ficar zanzando sem rumo ou, como disse a filósofa Dilma, “não definir a meta e, quanto atingir a meta, dobrar a meta” é a fórmula do fracasso. Um mau planejamento é melhor que nenhum planejamento. Garante que o governo entre, pelo menos, na lista do “pelo menos”.

Os novos governos, no país e no estado, ainda não estão garantidos. Há uma expectativa de que sejam muito ruins, pois são claramente ideológicos -direita convicta e orgulhosa- mas não revelaram idéias, rumos ou um conjunto razoavelmente coerente de metas. E se não o fizeram na campanha eleitoral, deveriam tê-lo feito no período de transição. Agora que começaram, vê-se publicamente o bate-cabeças. Ainda não sabem onde estão nem o que vão fazer. Se ficarem assim, talvez o critério ideológico os faça entrar na lista: “pelo menos nos livramos do PT, dirá o povo, e será esse seu único resultado importante.

Ainda há tempo, mas é preciso saber que a coisa é mais complexa hoje do que nos antigamentes. Não basta somar o dinheiro que entra e subtrair as contas a pagar, definir um plano de metas técnico e administrativo. Já entraram definitivamente nos critérios de sucesso alguns fatores sobre os quais os governos dos estados tem pouca influência e até mesmo o governo federal não controla: a economia, a crise social, os desastres ambientais, as mudanças culturais aceleradas pela tecnologia da informação… Como -e em qual direção- navegar nas águas inconstantes do novo século e nos temporais da civilização em crise?

Houve um tempo em que o governador ou prefeito podia andar na praça, abraçar um amigo e dizer “meu compadre, avise os vizinhos que este ano vou pavimentar sua rua”. Agora o buraco é em cima. E até o presidente da República já foi devidamente avisado: se permitir que seus garotos continuem a tocar o terror no playground, corre o risco da reunião do condomínio acabar na delegacia.

Pensar é necessidade básica. Criticar o governo anterior não é garantia de que terá destino melhor. E com as chuvas de fevereiro alagando e desbarrancando o mundo inteiro, dar com os burros nágua é facim, facim.

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