18 de abril de 2024

O Espírito da Coisa: o descanso da ética no mundo das reputações ilibadas

Não há limites para a criatividade brasileira. Vejo no noticiário que várias campanhas eleitorais vitoriosas no ano passado, em alguns estados do país (o Acre entre eles, é claro, temos um nome a zelar), estão sendo agora investigadas por suspeitas de todo tipo. Dizem que algumas teriam usado caixa 3. Marrapaz, eu sou mesmo muito burro, pois já tinha dificuldade de entender como se opera o tal do caixa 2…

Os candidatos investigados são inteligentes e seus vários expedientes são muito criativos. Alguns são novos, outros aperfeiçoam práticas antigas, como o uso dos tais candidatos-laranja. Imagine, gente que gasta 300 mil numa campanha e tem 5 votos. É muito suspeito que esse candidato não acione ao menos mil pessoas no Procon, por receberem o dinheiro e não entregarem a mercadoria, ou seja, o voto. Eleitores mais desonestos, que coisa.

O mais interessante é que os candidatos que usam esses esquemas fazem da ética e do combate à corrupção a sua principal marca de campanha. Pregam punição exemplar aos corruptos, chamam meio mundo de bandido, aquele discurso inflamado da honestidade que conhecemos tão bem. Sempre achei chatas essas campanhas eleitorais em que todos prometem botar os corruptos na cadeia. Que corruptos? A gente procura unzinho só e não encontra. Só tem ficha limpa, reputação ilibada” ou, no mínimo, falta de provas.

Acho que seria uma evolução, um real avanço civilizatório, se surgisse um partido político que reconhecesse o seu pendor à ilicitude/Imagem Ilustrativa

Depois da eleição, quando surge uma denúncia (sempre uma maldosa calúnia dos derrotados) e, por algum problema técnico, aparecem documentos, depósitos bancários ou gravações… aí ninguém sabe, ninguém viu, o povo foi enganado outra vez. E o povo enganado é aquela entidade mítica cuja indignação e revolta garante a vitória da honestidade na eleição seguinte. Vamos passar o Brasil a limpo outra vez.

Há, entretanto, quem pergunte: existe mesmo eleitor inocente ou apenas escolhemos de quem queremos ser cúmplices? Talvez se possa conceder o famoso “benefício da dúvida” às novas gerações, mas os véio já viram esse filme tantas vezes, com vários atores no mesmo papel, que já conhecem o enredo. Não estou falando de Maluf, a coisa é mais antiga. Foi lá mesmo em São Paulo que o povo consagrou a famosíssima expressão “rouba mas faz”, inicialmente aplicada a Ademar de Barros mas depois adaptada a tantos no Brasil inteiro. Aqui, na província acreana, lembro de uma campanha eleitoral, há quase 40 anos, em que o slogan mais popular (“viralizou”, diriam hoje) foi uma pixação num muro: “ladrão por ladrão, vote no Aragão”. O candidato foi o único que não gostou, mas nem tinha como reclamar da criação genial de seu marqueteiro anônimo.

Acho que seria uma evolução, um real avanço civilizatório, se surgisse um partido político que reconhecesse o seu pendor à ilicitude, fizesse disso a sua ideologia e seu programa, e anunciasse publicamente as vantagens da corrupção. “Dividimos uma parte com você”, seria um bom slogan, que certamente ganharia milhões de votos.

O Partido da Roubalheira Assumida teria o rato como animal-símbolo e seria realmente transparente, pois não disfarçaria suas gatunagens, até se orgulharia delas. Pense num discurso sincero: prometo que vou comprar uma Lamborghini e um triplex em Miami, lutarei para perdoar as dívidas de todas as empresas que me financiarem, vou criar a Diretoria de Lavagem de Dinheiro no Banco Central… infinitas possibilidades. As campanhas mais divertidas e criativas, com marketing milionário e explícito.

Sucesso garantido. Nosso povo já está cansado de votar em gente honesta.

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