É do jornal O Estado de S. Paulo – do qual sou assinante por considerá-lo o menos esquerdista do país – a matéria sobre o aumento em 16% das despesas da família do presidente Jair Bolsonaro (PSL) com cartões corporativos, em relação à média dos últimos quatro anos.
Segundo a reportagem (festejada e repercutida por veículos de comunicação alinhados com o petismo, incluindo pelo menos dois deles no Acre), o dispêndio com cartões pelos Bolsonaro soma 1,1 milhão de reais nos dois primeiros meses do ano. Feitas as contas, o resultado é equivalente a R$ 550 mil mensais.
Criados no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001, os cartões corporativos viraram escândalo justamente nos governos do PT. As primeiras denúncias derrubaram, em 2007, a ministra da Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro Ela usou e abusou do benefício, chegando a gastar, em média, R$ 14,3 mil por mês, sendo que seu salário era de R$ 10,7 mil na época.
Figurões do PT, como José Dirceu, o próprio Lula e a sucessora Dilma Rousseff também foram flagrados abusando dos cartões. Uma das denúncias envolvendo o ex-presidente apontava a apresentação de 27 notas fiscais frias após viagem, em 2003, a um acampamento do Movimento dos Sem Terra no Mato Grosso do Sul. As notas frias foram pagas com cartões corporativos.
No ano seguinte, a Folha de S.Paulo publicaria matéria sobre uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as despesas feitas para abastecer as despensas da Granja do Torto e do Palácio do Planalto. Entre os produtos adquiridos constavam comidas finas e, claro, muita bebida alcoólica.
Diz o autor do texto da Folha que “O relatório aprovado pelo tribunal determina a abertura de nova auditoria para analisar as notas fiscais e rastrear um volume superior a R$ 3 milhões de despesas feitas no primeiro semestre de mandato de Lula (…)”. O grifo é meu.
Peço ao leitor que preste bastante atenção à cifra de R$ 3 milhões, ao período (seis meses) em que foram gastos e também que não esqueça a data da auditoria (2004).
Pois bem, feitas as contas de dividir, os três milhões de reais viram R$ 500 mil por mês. Ocorre que os valores da época precisam ser corrigidos, e para isso usei uma ferramenta chamada “Calculadora do Cidadão”.
Feitos os cálculos, os R$ 500 mil mensais gastos pela família Lula da Silva na época equivaleriam hoje – tendo por base o Índice Geral de Preços do Mercado, cuja sigla é IGP-M – algo em torno de R$ 1,1 milhão. A conclusão é a mais óbvia possível: a despesa da família Bolsonaro é 50% inferior ao que gastavam Lula e seus parentes.
Mas o detalhe mais relevante é que lá pelo meio da matéria, o autor afirma que os 1.846 servidores autorizados a usar o cartão corporativo “foram responsáveis por um gasto total de R$ 5,3 milhões até agora”, o que significa “uma economia de 28% em relação à média dos últimos quatro anos”.
Ou seja, o título induz os leitores a pensarem que o novo governo está gastando mais, quando na verdade as despesas diminuíram. Trata-se de um clássico exemplo de vigarice travestida de jornalismo.