Eu ainda me lembro como se fosse hoje. Era o fim de tarde de uma segunda-feira. O sol já se despedia e eu lia um romance sentada sob um carvalho da pracinha do meu bairro. O canto dos pássaros soava como uma trilha sonora naquele momento mágico de paz e tranquilidade, enquanto a brisa fresca balançava meus cabelos longos.
Aquele ambiente era perfeito para mim. Eu sempre passava minhas tardes naquele lugar. A cada página percorrida, eu levantava o olhar e admirava o lindo retrato da vida real a minha frente. Pais brincavam com seus filhos, casais demonstravam afeto em perfeitas cenas de amor. Tudo era lindo e agradável aos meus olhos.
Mas, embora parecesse, aquele não era um dia comum. Durante uma virada de página, um rosto diferente me chamou a atenção e não foi como com os outros rostos. Eu nunca tinha visto aquele rapaz ali. Ele também lia um livro sentado no banco oposto ao meu, no outro extremo da praça.
Passei a comparar aquela cena com as dos vários livros que já tinha lido. Ele não tinha me olhado ainda, mas eu não conseguia mais me concentrar. A cada frase lida, uma conferida a mais para ter a certeza de que ele ainda estava lá. Em uma frase mais longa, acabei me distraindo e não percebi que ele se levantara e se dirigia até mim. Quando ergui a cabeça, ali estava ele, parado, inerte na minha frente.
Naquele momento ele se apresentou e quis saber sobre o que eu estava lendo. Seu nome era Adriano, o rapaz mais adorável que eu já conheci. A conversa fluiu tão bem e o tempo passou tão rapidamente, que quando percebi já havia escurecido. A partir daquele dia passamos a nos encontrar todas as tardes na nossa praça.
Não preciso contar muitos detalhes para dizer que o romance saiu das páginas e invadiu o meu coração e a minha vida. Como num conto de fadas, Adriano me pediu em namoro, em noivado e depois em casamento. A minha família o adorava e eu não tinha palavras para descrever tudo aquilo.
Com o casamento, vieram as primeiras dificuldades, as primeiras crises, as primeiras brigas. Mas tudo parecia estar dentro da normalidade do matrimônio. Porém, algo parecia ter mudado a ordem das coisas. Adriano já não era mais tão gentil. Suas palavras não tinham mais o carinho de antes e muitas vezes agia com rispidez. Mas eu continuava achando que fazia parte da rotina da vida a dois.
Certo dia, ao sair do trabalho, quis relembrar os momentos que passava sentada no banco da praça, embaixo do carvalho. Comecei a ler um livro e acabei me distraindo pois, quando dei por mim, já havia escurecido. Dentro da bolsa, meu celular já registrava nove ligações perdidas de Adriano e eu corri para casa para encontrar meu marido.
Quando cheguei, as luzes estavam apagadas mas a porta estava entreaberta. Entrei e fui direto para o quarto. Foi então que aquela segunda-feira mágica de paz e tranquilidade do primeiro encontro se transformou em uma sexta-feira, 13, e o sonho virou pesadelo. Adriano me esperava sentado na cama, mas não tinha um livro na mão ou uma flor para me presentear.
Antes mesmo que eu lhe explicasse o motivo do meu atraso, Adriano apertou o meu braço com toda a força e me disse que não aguentaria viver com uma traição minha. Eu tentei falar, mas ele me jogou no chão com toda a força e eu machuquei minha perna na escrivaninha.
Os momentos que se seguiram foram de fortes agressões, onde o meu príncipe, transformado em vilão, utilizava uma marreta que eu nunca tinha visto antes para me machucar enquanto me falava palavras que me feriam ainda mais. Eu não conseguia reagir, ele não me dava essa possibilidade.
Não sei quanto tempo durou esse filme de terror, só sei que agora estava ali dentro do quarto olhando um corpo que parecia ser o meu, mas que tinha um rosto irreconhecível, marcado pelos socos e marretadas que recebeu. Ao lado do corpo, um homem que eu também não conhecia. Fisicamente pode até parecer com Adriano, mas não foi por esse Adriano que eu me apaixonei.
Ele era um homem bom e nunca tinha me batido. Mas agora é tarde para mudar tudo o que aconteceu. Já estou lendo a última página do livro da minha vida, a lápide sobre o meu túmulo. Minha vida resumida em uma frase: Embaixo de um carvalho, segue uma mulher, em busca de um amor que lhe seja para sempre.
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Elenilson Oliveira é jornalista e assessor de comunicação do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (IAPEN).