O Ministério Público Federal no Acre recomendou aos comandos do Exército e da Marinha no estado que deixem de celebrar os 55 anos do golpe militar de 1964, no próximo dia 31. Em ação coordenada de âmbito nacional, que conta com a participação de diversas unidades do Ministério Público Federal (MPF) no país, o MPF no Acre, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), recomendou ao Comando de Fronteira Acre/4º Batalhão de Infantaria de Selva, 7º Batalhão de Engenharia e Construção do Exército Brasileiro, em Rio Branco, ao 61º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército de Cruzeiro do Sul e à Agência Fluvial de Cruzeiro do Sul (Marinha do Brasil) para que se abstenham de promover ou tomar parte de qualquer manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ou homenagem ao golpe militar que inaugurou o regime de exceção instalado a partir de 1964.
Para o MPF, a celebração do golpe militar, por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, e a comemoração do regime autoritário configura ofensa à Constituição Federal e a diversos tratados internacionais.
Crimes oficialmente reconhecidos – Em diversas oportunidades, o Estado brasileiro reconheceu a supressão da democracia e o cometimento de graves violações aos direitos humanos durante o regime militar instaurado em 1964. Por meio da Lei n° 9.140 de 1995, foram consideradas mortas as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, estando desaparecidas desde então.
A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei n° 12.528/2011 para apurar graves violações a direitos humanos, recomendou, no relatório final dos seus trabalhos, a proibição a realização de eventos oficiais em celebração ao golpe militar de 1964.
Em 2014, as próprias Forças Armadas admitiram, por ofício do Ministro de Estado da Defesa, que ocorreram graves violações de direitos humanos durante o regime militar, registrando que os Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não questionaram as conclusões da Comissão Nacional da Verdade, por não disporem de “elementos que sirvam de fundamento para contestar os atos formais de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro” por aqueles atos.
No Caso Gomes Lund e outros, relacionado ao desaparecimento de pessoas no contexto da Guerrilha do Araguaia, na década de 1970, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, declarou, por unanimidade, que o Estado brasileiro é “responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal”. A Corte também condenou o Estado a adotar medidas de não repetição das violações verificadas.
Também perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado Brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela detenção arbitrária, tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog por agentes do Estado, em 25 de outubro de 1975.
Contexto internacional – O Brasil também já assumiu obrigações de defesa da democracia em âmbito internacional. No âmbito da Organização dos Estados Americanos, o Estado brasileiro assinou a Carta Democrática Interamericana, a qual estabelece que “os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la”.
A recomendação cita o exemplo de outros países que passaram pela experiência de regimes de exceção, como o Chile, cuja democracia foi restabelecida após cerca de 20 anos de governo militar, mas que reconheceu ter perpetrado graves violações a direitos humanos. No ano de 2016, o Exército do Chile expulsou o capitão Augusto Pinochet Molina, após discurso defendendo o golpe de estado de 11 de setembro de 1973 e, mais recentemente, em 2018, o ministro de Estado do Chile Mauricio Rojas foi demitido pelo Presidente da República do país andino, por questionar os fatos históricos expostos no “Museo de la Memoria y los Derechos Humanos”, situado em Santiago do Chile, o qual, ao retratar a ditadura militar daquele país, estimula a necessária reflexão sobre a gravidades de tais acontecimentos.
Infrações disciplinares – Diversos regulamentos das Forças Armadas, que enquadram como infrações ou contravenções disciplinares a participação em manifestações públicas de caráter político-partidário por militares fardados, também são citados na recomendação para demonstrar a ilegalidade das celebrações encorajadas pelo presidente da República, como os Regulamentos Disciplinares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército Brasileiro.
O MPF lembra que as Forças Armadas, constituídas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, destinadas à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais, não devendo tomar parte em disputas ou manifestações políticas, em respeito ao princípio democrático e ao pluralismo de ideias que rege o Estado brasileiro.
Foi recomendado também que sejam adotadas providências para que os militares subordinados se abstenham de promover ou tomar parte em manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ao golpe de 1964, adotando as medidas para identificação de eventuais atos e seus participantes, para aplicação de punições disciplinares, bem como para comunicar ao Ministério Público Federal, para adoção das providências cabíveis. Os destinatários das recomendações têm 24 horas para responder se acatam os pedidos da recomendação.