Mulher tem orelha e nariz arrancados a mordida pelo ex-marido: “Terror”

eu marido e eu vivíamos há dois anos juntos e morávamos com meus três filhos de 13, 10 e 8 anos até o dia 16 de novembro de 2017, data em que ele me agrediu brutalmente arrancando minha orelha e meu nariz com mordidas.

Ricardo e eu nos conhecemos por meio de amigos em comum e ele sempre se mostrou um homem amigo que gostava de estar entre seus colegas, de sair e nunca brigávamos. No primeiro ano de relacionamento, ele era muito companheiro, uma pessoa totalmente oposta do que se tornou posteriormente quando começaram as ofensas e muitas agressões psicológicas.

A primeira vez que ele me agrediu fisicamente foi depois de um surto de ciúme que, para mim, parecia mais um ator de amor, sem saber ao certo distinguir que aquilo estava errado. Nunca passou pela minha cabeça fazer uma denúncia contra o Ricardo, afinal o ciclo da violência doméstica acontece aos poucos e vamos perdendo a nossa identidade.

Eu fiquei separada dele por três dias até que vários amigos em comum me pediram para que eu desse uma chance porque ele me amava e diziam até que chorou muito pedindo por essa reconciliação. Foi aí que eu acreditei neste teatro falso dele e o perdoei. Não tinha muito conhecimento sobre a vida dele com outras mulheres, mas soube de um caso que ele havia agredido outra mulher e não dei ouvidos.

Certa vez, ele chegou em casa alterado e eu não queria mais estar naquela relação. Eu precisava daquilo. Sempre trabalhei, criei meus filhos sozinha, meu pai nunca me deu um nada e, um dia, eu disse para mim mesma ‘chega eu não preciso passar por tantas dores a troco de um tal amor. Que tipo de amor é esse?’. Acredite: Ricardo aceitou numa boa, levou tudo que era dele, mas mantinha contato comigo o tempo todo pelo celular, o que eu não tinha noção que era um controle sobre mim com aquelas mensagens.

Talita Oliveira foi agredida pelo ex-marido (Foto: Arquivo pessoal)

Quando eu já estava há duas semanas separada, começando um novo ciclo, fiz uma entrevista de emprego, passei e finalmente vi minha vida andando novamente. Que felicidade eu estava! Afinal, quem não ama ver a vida mudar assim? Contudo, bastaram apenas duas semanas de separação para que aquele homem viesse acabar com a minha vida: eram 2 horas da manhã quando ele bateu na minha janela, eu abri a porta e ele entrou vasculhando a casa toda em busca de alguém ou algo que pudesse me ‘incriminar’. Então ele me chamou para a cozinha:

– Aqui é a casa da luz vermelha [prostíbulo] porque você é uma vagabunda!
– Vai embora! Meus filhos estão dormindo eu estou com o corpo quente. Abro a porta e sou obrigada ouvir isso? Vai embora.
– Vem para fora vem ver como estou.

Ele estava com um carro emprestado naquele momento e queria mostrar o quão bem estava sem mim. Ao mesmo tempo, eu sabia que ele poderia apenas querer me tirar de dentro de casa, de perto das crianças para fazer algo contra mim. Não saí de casa ele foi embora, mas me ligava de 5 em 5 minutos. Eu atendia e ele falava ‘sua vaca, atenda e deixe ligado senão eu vou aí te matar’.

Até que eu enrolei as crianças em cobertor e fui para a casa de minha mãe que morava na mesma rua. Pedi a ela para dormir ali por estar com medo e, então, dormimos todos na mesma cama. Peguei no sono e parei de atende-lo. Às 6 horas da manhã, as vizinhas estavam gritando que o Ricardo entrava nas casas de todos à minha procura e minha mãe recomendou que eu saísse de casa para mostrar onde eu estava. Ao me encontrar, ele começou a me xingar por eu não estar em casa, olhou para minha filha e avisou: ‘se despeça de sua mãe porque daqui a três horas eu voltarei e não terei compaixão dela’.

Minha mãe me perguntou se achava prudente que ela fosse trabalhar naquele dia, eu a tranquilizei e afirmei que o Ricardo não voltaria mais depois do escândalo que ele havia feito. Ao perceber que ela saiu de casa, me lembro perfeitamente de escutar o pneu do carro que ele estava freando em alta velocidade diante do portão. Meu filho correu com muito medo para o quintal, onde tinha um barranco, e dizia que iria pular dali para pedir ajuda. Eu gritei e corri atrás dele insistindo para que ele não fizesse isso quando meu ex conseguiu me alcançar, me deu uma gravata, seguido de vários socos em minha cabeça e tentava quebrar o meu pescoço. Eu comecei a gritar por socorro o tempo todo e ninguém aparecia. Ele tentou me estrangular, minha visão começou a escurecer e eu só pensava que não aguentaria mais.

Cenas de terror

Quando viu que eu não perdia os sentidos, ele me deu a primeira mordida e arrancou minha orelha por completo. Eu coloquei a mão e gritava desesperadamente. Em seguida, ele me olhou de frente e arrancou o meu nariz por completo, então gritava ‘olha o que você fez’ e ele se mantinha em um silêncio tenebroso. Só parou quando meu primo chegou dizendo ‘você vai mata-la’, o tirou de cima de mim e o Ricardo saiu correndo. A imagem daquele homem com meu sangue nos dentes e na boca não vai sair nunca mais da minha mente. ‘Por que ele fez isso comigo?’, essa é pergunta que ainda me faço.

Peguei o nariz e a orelha do chão, coloquei no gelo e fui para a rua na tentativa de socorro. As pessoas me olhavam e ninguém me ajudava. Como podem ser tão frias ao ver alguém sangrando e não ajudar? Tudo foi muito rápido e, enquanto minha mãe estava chegando ao trabalho, que era no mesmo bairro, eu já dava entrada no hospital.

Entreguei os meus membros dentro de um saquinho com gelo, mas de nada adiantou porque eles necrosaram em contato com o frio intenso. Fiquei por quatro dias internada no hospital, o médico veio me avaliar e disse que eu teria de fazer uma cirurgia. Acredite: tive de enfrentar tudo sozinha porque minha família não tinha forças naquele momento. Eram só os médicos, eu e Deus acima de tudo. Estava em transe, anestesiada, talvez até dopada, sempre com muita calma. No total, o médico me disse que terei de fazer 15 cirurgias ou mais. Por enquanto, já fiz cinco.

Me lembro quando fui ao banheiro e precisei olhar para o espelho pela primeira vez… eu repetia pra mim mesma ‘ei, vai ficar tudo bem’. Eles tiraram um pedaço da minha testa e outro perto da boca para fazer a reconstrução do meu rosto. Eu era a pessoa mais horrível desde mundo, parecia um monstro e, quando o médico precisou ensinar alguém a fazer o curativo, minha mãe não teve condições psicológicas, nem mesmo meus familiares, então ele me ensinou a fazer o curativo com a câmera frontal do celular. Mais uma vez, mesmo com tantas pessoas ao meu lado, tive de aprender a tratar dos meus ferimentos.

Ricardo se manteve foragido por nove meses, as pessoas se afastaram de mim enquanto ele estava solto e, ao me encontrar na rua, só sabiam me perguntar ‘você não tem medo que ele apareça e te mate?’. A minha resposta era sempre a mesma ‘não tenho dinheiro para fugir, meus tratamentos são aqui na minha cidade, meus filhos precisam ir para a escola e eu preciso enfrenta o meu medo’. Nunca mais consegui dormi bem até eu começar a fazer um tratamento psicológico. Eu tinha flashs imaginando que esse homem invadiria a minha casa e tentaria me matar, mas precisava achar maneiras de cuidar e proteger os meus filhos.

Justiça

Meu ex foi preso na cidade de Pirapora, a 600 km de Belo Horizonte, e está atrás das grades há sete meses. A última vez em que tive contato com ele foi exatamente no dia em que ele fez isso depois nunca mais tive contato. Meu medo é que seja solto logo, pois ele foi para júri popular então eu depondo daqueles jurados para que façam um excelente trabalho e não soltem esse homem. Tento não pensar em tudo isso porque não posso parar. Tenho três vidas que dependem da minha, é uma defesa de sobrevivência não pensar nesse homem.

Nunca fomos ameaçados, pois eu tinha medidas protetivas e o trabalho das guardiãs da lei Maria da Penha foi fundamental. Elas ainda vêm na minha casa todos os dias, então se aquele homem pensou em aparecer esse trabalho dificultou.

Perdoar esses homens é como dar um tiro na própria cabeça. A importância da denúncia é exatamente as nossas vidas. Não é só uma questão de empoderamento, mas de se manter viva e não virar mais um número de estatística. Denunciar é um grito de socorro que temos que acreditar que irá funcionar porque precisamos nos libertar desse tal amor que mata uma mulher por minuto.”

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