No Ac, internauta é condenado por postagens homofóbicas contra transexual

Em sintonia com o debate que está sendo travado na mais alta Corte de Justiça do Brasil, o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) apresentou, de modo inédito, denúncia com base na Lei de Racismo, em desfavor de um internauta por prática, indução e incitação à discriminação e preconceito contra uma líder transexual do movimento LGBT.

O pedido do MP acreano foi acolhido em decisão exarada no final de 2018 pelo juiz Danniel Gustavo Bomfim A. da Silva, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco, o qual viu indícios no inquérito policial, trazido pelo MPAC, para a abertura de ação penal diante de suposta infração perpetrada pelo agora réu.

De acordo com a denúncia, assinada pelo promotor de Justiça José Ruy da Silveira Lino Filho, titular da 9ª Promotoria de Justiça Criminal, no dia 8 de maio de 2018, A.F.C proferiu palavras depreciativas e de baixo calão contra a vítima e contra a comunidade LGBT em uma rede social, quando de uma transmissão ao vivo em que ela comentava a decisão da Justiça de incluir o nome social de travestis e transexuais no título de eleitor.

Todos os xingamentos estavam associados à identidade de gênero da vítima, inclusive com ameaça de violência. Na delegacia de polícia, o acusado confirmou serem de sua autoria as mensagens com teor transfóbico e disse estar arrependido, mesmo acreditando que não era correto trocar o nome em razão da mudança de identidade de gênero.

Ineditismo

A iniciativa do MPAC e a decisão proferida pelo juízo penal vão ao encontro do debate em curso patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abrindo precedente para a criminalização da homotransfobia, pauta que tem encontrado resistência no Congresso Nacional, o que retarda a tipificação desse tipo de conduta no ordenamento jurídico.

A equiparação da homofobia ao crime de racismo vem sendo aventada no STF, que foi provocado com duas ações sobre o tema. Por ora, o julgamento foi suspenso e a criminalização da conduta discriminatória já conta com quatro votos favoráveis, aplicando para isso a Lei Federal 7.716/1989, até que o Congresso edite uma lei a respeito.

Para o juiz Danniel Gustavo Bomfim A. da Silva, é perfeitamente possível que o conceito de racismo se aplique à discriminação contra grupos sociais minoritários, não só a negros, e que essa conduta seja entendida como atentatória aos direitos e liberdades fundamentais.

“Eu entendo que o ordenamento jurídico vigente é fundado no princípio da igualdade, e da não discriminação, que além de princípio constitucional, constitui um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. E assim deve orientar toda a política criminal existente e toda a hermenêutica constitucional”, declarou o juiz.

O promotor José Ruy da Silveira Lino Filho, autor da denúncia, destaca que juristas renomados compreendem que precisa ser feita uma interpretação conforme a Constituição.  “A definição de racismo não é mais no sentido meramente antropológico e biológico, e sim social, cultural. Então, se a intenção é discriminar por religião, orientação sexual, é racismo. Você não pode ficar menosprezando as pessoas só por serem diferentes.”

De acordo com a Lei Federal 7.716/1989, o crime de racismo é imprescritível e inafiançável. Aceita a denúncia do MP acreano, agora a ação terá prosseguimento, com a citação do réu para apresentar defesa prévia e o agendamento da audiência de instrução e julgamento, momento em que as testemunhas serão ouvidas, o réu interrogado e, depois de feitas as alegações finais pelas partes, a sentença proferida. “O MP está agindo conforme suas atribuições constitucionais”, reiterou o promotor de Justiça.

Apoio do CAV foi fundamental

O caso foi identificado nas redes sociais pelo Centro de Atendimento à Vítima (CAV), órgão auxiliar do MPAC, que prestou toda a assistência à vítima, encaminhou a denúncia à autoridade policial e acompanhou todo o desdobramento da apuração.

Instalado no âmbito do MPAC em 2016, o órgão foi criado com o objetivo de prestar orientação jurídica e apoio psicossocial a vítimas de crime contra a dignidade sexual, violência doméstica e familiar e de homofobia.  Para tal, atende pessoas que procuram o serviço, aquelas que são encaminhadas por outros canais de atendimento, bem como os casos de busca ativa através da localização de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Segundo a coordenadora, procuradora de Justiça Patrícia de Amorim Rêgo, desde sua criação o CAV tem requerido a instauração de inquérito policial e o indiciamento nesses casos à luz da Lei de Racismo. “Foi a primeira denúncia oferecida e o primeiro recebimento da Justiça. Mas a gente já vinha batendo nessa tecla há muito tempo”, disse.

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