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O escárnio da polarização política é maior que as tragédias ambientais

Por POR ANTONIO ALVES

Rir nem sempre é possível

Estou reaprendendo a rir da política, essa mesquinharia disfarçada de virtude. Da aldeia mundo, passando pela província Brasil até chegar aos cafundós do Acre, a encrenca torrou minha paciência e perdeu a graça. Mas para conversar, trabalhar, principalmente escrever, é inevitável encarar a pandemia psicótica desse fim dos tempos em que temos vivido. É necessário encontrar reservas ocultas de paciência e bom humor. Mas tem horas em que a realidade densa e dramática de um mundo em crise torna o histrionismo estúpido das autoridades constituídas ou destituídas um anti-espetáculo tão triste e ridículo que impossibilita o riso e só provoca entojo.

Ontem li as notícias e vi as imagens das tragédias provocadas pela chuva em São Paulo. Um jornalista, comentando a situação, disse que todo mundo sabe que a chuva vai provocar prejuízos e mortes, só quem não sabe são as autoridades que estão legalmente encarregadas de cuidar do problema.

Minha memória transportou-me para agosto de 2010, quando Marina Silva foi candidata a Presidente pela primeira vez. Deixei o ceticismo em que já tinha me instalado e fui a São Paulo participar da campanha. Na véspera de uma entrevista importante, estávamos prevendo as perguntas que seriam feitas e reunindo informações para subsidiar suas respostas. Alguém lembrou, então, da pergunta que sempre era feita aos candidatos: qual serão as suas primeiras decisões, ao assumir o governo? A maioria dos candidatos falava em coisas da economia e havia quem lembrasse das urgências na saúde ou na segurança pública. É claro que todos diziam alguma coisa sobre as tais “reformas estruturais”: tributária, trabalhista, política… Mas ninguém, a não ser a candidata “ambientalista”, falava na reforma urbana e na prevenção das tragédias que já se repetiam e que as mudanças climáticas certamente iriam intensificar.

Lembro que alguém comentou, na época, a dificuldade de chamar a atenção da população para esse assunto, pois o trabalho de prevenção das chuvas tem que ser feito no período da seca e vice-versa, ou seja, as decisões sobre um problema tinham que ser tomadas pelo governo justamente no momento em que a sociedade vivia o problema oposto. Falar em chuva durante a seca ou falar em seca durante as chuvas é coisa para cientistas, não para políticos em busca de votos, que devem ater-se às dores do momento e às questões imediatas.

Mas não é só isso. Falar sobre as mudanças ambientais nas cidades também pode afastar os financiadores das campanhas eleitorais, justamente aqueles que ganham muito dinheiro com a produção dos desastres e a venda de edifícios, barragens, combustíveis fósseis, agrotóxicos, plástico e todos os materiais que erguem a fantástica civilização do carbono queimado. Raríssimos são os que tem coragem de recusar “apoio” e contrariar os donos da terra, das máquinas, do mercado, do estado. Eis, então, que a mãe das tragédias é a política feita tal como vimos a vida inteira e estamos vendo agora: a briga irresponsável sobre qualquer coisa inexistente ou irrelevante e o esquecimento do que é real e importante, às vezes emergencial.

A obrigação mínima de quem deixou os cargos públicos é fazer um balanço honesto do que não conseguiu ou não soube fazer, reconhecendo suas insuficiências diante da complexidade dos problemas que enfrentou, colocando com humildade sua experiência a serviço da geração atual e das futuras. Em caso de desastres, jamais dizer “bem feito, quem mandou votar neles”.

A obrigação mínima de um governante eleito é checar o orçamento da Defesa Civil, revisar os planos de contingenciamento, verificar as obras contratadas ou em execução, conhecer as áreas de risco. Se fizer isso em outubro, não terá que sobrevoar a tragédia e soltar nota de lamentação em março. Até hoje, infelizmente, todos preferiram o helicóptero.

E continuam todos, derrotados e vencedores, numa campanha interminável de escárnio que, a pretexto de ser uns contra os outros, é contra todos, especialmente contra as vítimas.

Crianças na sala

Meu filho de cinco anos, muito atento às definições, me coloca contra a parede: pai, me conta uma coisa triste. Não, meu filho, vamos pensar em coisas alegres, coisas boas. Ele insiste, pois não entende como eu e a mãe dele podemos ficar “tristes” quando ele quebra um brinquedo ou faz uma traquinagem. Pai, eu quero que você me diga uma coisa que é triste. E eu tinha acabado de ver -ainda estava com a tela do computador aberta na minha frente- a imagem de uma mãe chorando abraçada com seu filho de apenas dois anos que tinha morrido afogado. Falei que uma coisa triste era… nem me lembro o que falei.

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