“O amor carece de forma, definição e até de valor que o faça ir além do desejo e do impulso na modernidade líquida. A modernidade, segundo Bauman em Modernidade Líquida, diferente de outros períodos sócio-históricos, quando havia um conjunto de referências e regras sociais e morais a nortear o comportamento do individuo, há um carência de tais valores e regras: “São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta.”
Com essa falta de referências sólidas, o individuo tende a se reconstruir seguindo seus desejos e instintos, o que afeta todas as relações sociais e, especificamente, em respeito a relacionamentos amorosos, é notória a falta de longevidade; segundo as estatísticas do Registro Civil 2017 do IBGE, em 2007, a média de duração de um casamento civil estava estimada em 17 anos, porém, dez anos depois, o tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio caiu para 14 anos. A mesma pesquisa revela que entre 2016 e 2017 o número de uniões civis registradas diminuiu 2,3% enquanto o número de divórcios aumentou 8,3%.
Homens e mulheres se tornaram seres nitidamente hedonistas.
Vivemos em uma sociedade de consumo voraz, onde não se busca manter um produto que ainda funciona, se há a possibilidade de comprar outro melhor. A dinâmica consumista impregna a dinâmica das relações amorosas.
Embora possamos, e devamos questionar a visão de amor contida no trovadorismo (período literário português) e revisto no romantismo (escola literária difundida mundialmente), onde o sacrifício e a devoção ao outro beiram ao irreal e ao não desejado, devemos, ao menos, ver que o outro, dentro dessa literatura, não se define como meio pelo qual me satisfaço e vivo prazeres sexuais e sociais até que surja outro ainda mais desejável. A “sociedade sólida” pode ser questionada sobre o modo como definia o papel social da mulher e do homem, como também, o modo de ver a união conjugal e o sexo, contudo é inegável ver a solidez das relações de amizade e amor de outrora. Tempos onde se consertava o que estava quebrado e não simplesmente se substituía.
Homens e mulheres se tornaram seres nitidamente hedonistas. A busca pelo prazer determina seu cotidiano de tal modo que, mesmo vivendo relações amorosas sexualmente ativas e empolgantes, ainda se busca pelo próximo relacionamento, pelo próximo êxtase, pela próxima aventura. A busca incessante por novos momentos explica a razão pela qual os relacionamentos virtuais (e as assim chamadas traições virtuais) sejam cada vez mais comuns dentro da sociedade.
Bauman, em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, aponta que diferentemente dos “relacionamentos reais” é fácil entrar e sair dos “relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”, pesada, lenta e confusa daqueles, estes parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Entrevistado a respeito da crescente popularidade do namoro pela internet, em detrimento dos bares para solteiros e das seções especializadas dos jornais e revistas, um jovem de 28 anos da Universidade de Bath apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica: “Sempre se pode apertar a tecla de deletar”.
Não há relacionamento duradouro sem que ambos os indivíduos que o formam estejam preparados e inclinados a sacrifícios e entendimento. A modernidade líquida em sua clara luta contra todo o arcabouço moral e ético advindo da concepção judaico-cristã oferece a relatividade moral e ética, o hedonismo (prazer pelo prazer) e a certeza que nada é tão vivo e intenso que não possa ser substituído por algo ou alguém melhor. O indivíduo perde a empatia e a chance de ser modificado pelo outro, pois ele se nega a oportunidade de ouvir o outro. Permitir que outro ser entre em sua essência, através de palavras , escritos ou da vivência é algo que gera uma mudança, algo impensável para quem se compreende imutável em seus desejos e ações, de fato, o escritor Jordan B. Peterson estava certo quando subtitulou seu livro mais famoso como “um antídoto para o caos”.
A modernidade líquida impede que homens e mulheres compreendam suas diferenças e se somem em um relacionamento duradouro, pois, para tal, deve a voz da ciência ser ouvida e respeitada, e não a voz da ideologia.
Barbara e Allan Pease, dizem em Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?que homens e mulheres devem ser iguais no direito à oportunidade de desenvolver plenamente suas potencialidades, mas, definitivamente, não são idênticos nas capacidades inatas. Se homens e mulheres têm direitos iguais, isto é uma questão política e moral. Se são idênticos, é uma questão científica.
Devemos abraçar o outro com sua luz e sombra, qualidades e defeitos, e compreender que o prazer não é chave da felicidade. E sim, reconhecer que no outro encontramos um significado maior para nossa existência. As virtudes da mente e da alma não podem ser menos valorizadas que os atributos do corpo.
Carlos Alberto Chaves Pessoa Júnior, formado em Letras, é professor de inglês e espanhol e consultor bilíngue.