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Pra quem não engole o Brasil com catchup resta a velha baixaria acreana

Por ANTÔNIO ALVES, PARA CONTILNET

O bolo alimentar

Minha caçulinha não queria almoçar, empurrava o prato e virava o rosto. Resolvi botar farinha e fazer “capitão”. Ela gostou da brincadeira de comer com as mãos e acabou se alimentando o suficiente para os padrões maternos, que, como todos sabemos, são mais severos que os dos pais. Então imaginei que, afinal, o Brasil pode ter feito exatamente isso: sentindo dificuldade de engolir a gororoba, com o molho vermelho muito ácido de tanta corrupção, botou farinha e fez esse capitão aí, retrocedendo a um estado infantil em que se come com as mãos e se recusa a etiqueta politicamente correta. Mas há um problema: se estiver seco demais, o capitão também fica difícil de engolir e precisa ser empurrado com grandes goles de água ou suco, enfim, algum líquido. Que ao menos não seja sangue, porque aí não dá pra brincar.

Cautela e caldo de galinha…

Depois da derrapada inicial de botar o Instituto de Mudanças Climáticas no liquidificador da reforma administrativa, o governo estadual voltou ao caminho, reconhecendo a importância do órgão e da grana que ele traz do mercado internacional do carbono. O novo diretor, o ex-reitor da UFAC, Carlito Cavalcante, tem conhecimentos e experiência para tocar o barco administrativo e dialogar com as comunidades e parceiros. E o melhor é ver o governo deixando para trás o discurso fácil de campanha, de que a floresta atrapalha o progresso e até amaciando o seu projeto de agronegócio com uma linguagem mais técnica para mostrá-lo compatível com a conservação ambiental. O mais provável é que tudo seja apenas retórica e vaselina, mas também pode ser um sinal positivo de “cair na real”. O discurso radical que ganha eleição não serve pra governar. No plano federal, estamos vendo os pragmáticos do “núcleo militar” tentando desfazer as bobagens dos “ideológicos”, que colocaram em risco o comércio com a China e com os países árabes, entre outros problemas. E vai ter mais problemas com suas evidentes más intenções nas questões ambientais. Relações internacionais todo mundo quer ter. Mas sem clima, não dá.

Batatas nossas de cada dia

Os antigos contam que o Mestre Irineu anunciava que ia chegar um tempo em que só seria possível comer batatas, que crescem debaixo da terra; o que crescesse na superfície estaria envenenado. O tempo chegou. Só agora, nos primeiros dois meses do governo do capitão, foram liberados 86 novos agrotóxicos. E esse é apenas um dos fatores para que o Brasil esteja cada vez mais intragável. Bons tempos eram aqueles em que apenas o técnico da seleção de futebol dizia “vão ter que me engolir”, os boleiros hão de lembrar.

Por isso, volto a olhar com maior tolerância e condescendência a terrinha distante em que vivo. Já não exijo que o governo que agora se inicia seja bom, pra mim basta que seja normal. Governos bons tivemos alguns, governos ruins tivemos muitos, mas não fomos para o céu nem para o inferno por causa disso. Aliás, algumas vezes e em alguns setores, conquistamos várias coisas boas em governos ruins e tivemos graves prejuízos em governos bons.

Agora precisamos aprender a viver com menos governo. Não digo com menos Estado, pra não me chamarem de neoliberal, adepto do estado mínimo, favorável às privatizações, contrário aos direitos dos trabalhadores etc. etc. Digo assim, com menos governo, porque dá pra entender que é possível -e urgentemente necessário- que as comunidades se reencontrem e voltem a ter alguma autonomia. Acabou a esperança de emprego público para a maioria. Os concursos geram uma ampla indústria pelo número de candidatos, que é sempre muito grande para poucas vagas. Emprego, então, é fornecer comida, cursos, apostila, passagem e hospedagem para concurseiros. As oportunidades estão na economia informal, que o nosso povo véve mesmo é de quêbe.

Se o governo não ajuda, que ao menos não atrapalhe. Plante sua soja, mas deixe uma colocaçãozinha pra quem quer plantar batatas.

Sinais trocados

Foi, sem dúvida, um sinal positivo o anúncio da nomeação do jornalista Altino Machado como diretor na Secretaria de Comunicação. Demonstra disposição para uma comunicação democrática e de boa qualidade. Afinal, não dá pra imaginar o Altino fazendo jornalismo chapa branca, puxando o saco do chefe e perseguindo a oposição. Seu histórico é de um jornalista chato, encrenqueiro, criador de problemas… ou seja, um jornalista mesmo, que dá valor à liberdade de expressão. Não é o tipo de “profissional” que passou a predominar desde quando a imprensa da província foi estatizada e quem ganha o governo leva a imprensa de lambuja. Além do mais, Altino trabalha bem com as várias linguagens e mídias: texto, fala, fotografia, vídeo, faz tudo com excelente qualidade. Investiga, pergunta, procura na internet, sempre encontra detalhes relevantes em cada assunto. Sua presença pode elevar o desempenho de qualquer equipe.

Infelizmente, o sinal positivo coincide com outro, nem tanto, dado pela exoneração do “porta-voz” do governo, Rogério Venceslau, que saiu cuspindo fogo e qualificando o ambiente do governo como “caótico e moralmente insalubre”. Sem querer julgar o comportamento do demitido (cada um sabe onde o sapato aperta), fica uma expectativa tensa pra ver como será o governo, que está ainda começando, não apenas na comunicação, mas em todos os setores. É claro que a oposição (boa parte dela é ex-situação) já antecipa o desastre. Mas o cidadão comum não condena antes de ver a continuação da história. Os jornalistas que não tem carteirinha em nenhum clube político (são poucos, mas existem) ou que tem suas preferências mas mantém alguma isenção em seu trabalho, também ficam aguardando os próximos capítulos.

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