Os pesquisadores não procuravam chifres em cabeças de cavalo, como se diz no popular. Muito menos em jacarés. Mas os encontraram. Pelo menos é o que mostra um crânio e mandíbula de pelo menos 60 centímetros de comprimento – o que permite a avaliação de que se tratava de um animal com pelo menos 15 metros, do rabo à cabeça – com protuberâncias assemelhadas à chifres, parecidos – embora menores – com os cornos bovinos.
O anuncio da descoberta, feito pela publicação científica norte-americana “Journal of Vertebrate Paleontology”, nos Estados Unidos, cuja notícia se espalhou ao redor do mundo, anunciando o que há muito já se sabia por aqui: o Acre – ou esta parte da Amazônia onde hoje se localiza o territorial acreano – já foi um lago gigantesco que servia como uma espécie de paraíso dos jacarés, “com uma abundância e diversidade como nunca houve em qualquer outro lugar do planeta e em outro tempo”, nas palavras do pesquisador que dirigiu às operações de escavações para encontrar o fóssil de jacaré com chifres, o professor doutor Jonas Filho, chefe do laboratório de paleontologia da Universidade Federal do Acre (Ufac).
De acordo com o professor, o jacaré de chifre viveu durante o Mioceno, entre 12 e 7 milhões de anos atrás, quando o que é hoje a Amazônia era uma espécie de megapantanal, na expressão de Jonas Filho, abrigando uma grande comunidade de crocodilos, com três famílias cujos remanescentes chegaram aos dias atuais – o Gavialidae, Crocodylidae e Alligatoridae). Entre todos, o que mais se destacava, principalmente pelo tamanho descomunal, era Purussaurus brasiliensis, cujo nome é uma referência ao lugar onde seus fósseis foram encontrados, a região do Purus, interior do Acre, com dimensões em torno de 12,50 metros de comprimento, que também viveu no período do Mioceno e habitava exclusivamente a região amazônica do Acre, no Brasil, e em territórios onde hoje se localizam a Bolívia, o Peru, a Colômbia e a Venezuela. Dizem os pesquisadores que alimentava-se de enormes mamíferos herbívoros que se aproximavam dos rios, porém sua dieta era composta em sua maioria de peixes e outros crocodiliformes. Os mesmos pesquisadores (o paleontólogo aposentado Alceu Ranzi era companheiro de Jonas Filho nas pesquisas) estimaram que a mordida do animal teria, em média, 69.000 N de força, o que significaria aproximadamente 7 toneladas-força), sendo pelo menos duas vezes maior que a do famoso Tyrannosaurus rex.
Esta forte mordida, somado às adaptações de seu crânio massivo e dentes resistentes, garantiu ao Purussauro que se alimentasse de uma ampla cadeia de alimentos. Nesse mundo de monstruosidades, onde a presença humana nem sonhava existir (“o homem não havia aparecido em nenhuma forma”, no dizer de Jonas Filho), o futuro acreaníssimo Acresuchus pachytemporalis – cujo nome, numa tradução livre, seria Lagarto com Chifre do Acre, reinava absoluto. “A regra exige que os nomes têm que ser grafados em latim e de acordo com os locais onde os fósseis foram encontrados”, disse o professor.
O Acresuchus pachytemporalis foi encontrado às margens do rio Acre, em 1996, nos fundos da Fazenda Niterói, em Senador Guiomard, há menos de 30 quilômetros de Rio Branco, a capital. Desde que foi encontrada, a cabeça do animal vem sendo pesquisada e só agora os primeiros resultados estão sendo divulgados nas revistas científicas especializadas.
Jonas Filho disse que, ao encontrar o jacaré chifrudo, o que mais o chamou a atenção foi o estado de conservação dos fósseis, praticamente inteiros. “Nesta região, embora bem conservados, dificilmente vamos encontrar fósseis inteiros”, disse o professor. Uma das teorias para a fossilização aos pedaços dá conta de que, como a região era uma espécie de lago que servia de habitat natural a esses bichos, no período em que o lago se rompeu, tudo que havia ali dentro foi arrastado rumo aos rios e os que foram morrendo foram deixando ossos – agora transformados em fósseis – ao longo da correnteza.
Aliás, segundo o professor, foi esse rompimento do chamado megapantanal, pressionado pela formação das cordilheiras dos Andes, que estavam se formando, num período de 12 a 7 milhões de anos atrás, que causou o fim dessas espécies que hoje têm seus ossos encontrados dos barrancos de rio do Acre. “Era uma época em que o que seria o rio Amazonas ainda corria para o Pacífico. Com o soerguimento dos Andes e o estabelecimento do rio Amazonas e seu curso, as águas que formavam o megapanatanl onde hoje é o Acre sofreram uma espécie de canalização e a fauna desses grandes bichos que haviam aqui, acabaram por extintos”, disse Filho.
Mas, enquanto viveu, o Acresuchus pachytemporalis utilizava seu par de chifres para combates com outras feras, inclusive de sua espécie, ou para exibir-se às fêmeas, em busca de acasalamento, destacou o professor. O fato é que o jacaré chifrudo não deixou remanescentes.