O mundo não é só tragédia. Ainda há amor a se espalhar nos corações e os sonhos hão de brilhar mais uma vez, como cantaria o poeta: cinco meses após o tiro fatal de escopeta disparado à queima roupa que matou o médico Rosaldo Firmo de França Aguiar, o “Dr Baba”, ele viverá no sonho de continuar levando atendimento médico e odontológico às comunidades mais pobres e isoladas que teimam em viver às margens dos rios Muru, Tarauacá, Jordão e Envira, no interior do Acre. Mataram o homem, jamais o sonho. O barco “Raimundo Ferreira”, usado como hospital e consultório ambulante com o qual ele viajava transportando uma equipe de médica, odontólogo e enfermeiros para atender ribeirinhos, caba de ser adquirido por um empresário de Tarauacá e O atendimento idealizado por “Baba” vai continuar.
Na manhã desde domingo, o barco, que deve mudar apenas de nome, mantendo todas as instalações e especificações, está navegando de volta de Feijó a Tarauacá, numa viagem que deve durar quatro dias. O barco deverá passar a se chamar “Lindomar Antônio Torres”, uma homenagem ao pai do novo dono da embarcação, que a adquiriu junto aos herdeiros de “Dr. Baba” por um valor que ele não quer revelar. Em anúncio divulgado nas redes sociais, o barco chegou a ser anunciado por R$ 65 mil. “Meu pai passou a vida trabalhando dentro de batelões, nos rios da região. Morreu há 20 anos e eu resolvi homenageá-lo”, disse o empresário, ao justificar o novo nome da embarcação, Gilmar Torres, de 40 anos de idade, morador de Tarauacá.
Ele é um empresário que atua no ramo de compra e venda de gêneros alimentícios, principalmente de farinha de mandioca. Irmão de um médico que atua no Recife (PE), que também é casado com uma médica, Gilmar Torres também tem sobrinhos e filhos que estão se formando em medicina na Bolívia e quando concluírem o curso, todos vão abraçar a causa de “Dr. Baba”. “Vamos pode até ampliar o trabalho que era feito pelo Dr. Baba. Meu irmão e minha cunhada virão do Recife nos ajudar. Nossa primeira viagem será agora em maio, quando ainda há água nos rios que permite a navegação”, disse Gilmar.
O sonho de “baba” foi interrompido com um tiro no ano passado. Era um sábado ensolarado, dia 27 de outubro, às vésperas da eleição em segundo turno que levaria à presidência o candidato que ele tanto defendia, Jair Bolsonaro. “Baba” foi assassinado por num amigo que se transformou em algoz e convidou comparsas para assaltarem a residência do médico, nascido em Tarauacá e que materializava o sonho de viver numa chácara aprazível com o sugestivo nome de Holllywood, nas margens do rio Envira e nos arredores de Feijó, município distante a 362 quilômetros da Capital Rio Branco. O nome do sítio era uma homenagem à sua segunda paixão depois da medicina, as artes cênicas, o teatro e cinema. Se não conseguiu realizar o sonho de ganhar a vida sobre os palcos, ele foi bem mais longe na arte de fazer bem ao seu semelhante: tornou-se médico, mesmo oriundo de uma família tão pobre da qual ele foi o único dos irmãos envergar um diploma de curso superior, logo o de médico, título que conseguiu através de um empresário da cidade, Raimundo Damasceno.
Contratado como ajudante de serviços gerais do hospital de Tarauacá, em 1988, pouco tempo depois, ele já ajudava o serviço de enfermagem aplicando injeções, fazendo pequenos curativos – enfim, ajudando o serviço médico. Isso chamou a atenção dos amigos e da própria cidade, que o incentivavam a estudar medicina mas o sonho esbarrava na falta de recursos para custear os estudos. Foi quando surgiu o empresário Raimundo Damasceno. Eles fizeram um acordo: as empresas Damasceno bancariam seu curso na Bolívia e, em troca, quando se formasse, ele viria atender a região – Feijó e Tarauacá – como médico por no mínimo dez anos.
‘Baba” cumpriu o acordo e quando se preparava para, enfim, aprofundar o atendimento nos grotões do Acre, levando o atendimento às comunidades isoladas e que mais precisavam de médico, foi parado por aquele tiro. O deputado estadual e médico Jenilson Leite (PC do B), amigo de “Baba” chegou a participar de uma dessas viagens, a última delas. “Ali eu pude ver o quanto havia de humanismo no Dr. Baba. Muitas daquelas pessoas que atendemos jamais haviam estado de um médico”, contou Jenilson Leite. “Ele estava realizando o sonho de todo médico humanitário”, disse.
Aquele tiro só interrompeu o atendimento humanitário. O sonho de “Baba” vai continuar.