Não há tijolo nem asfalto suficiente para os grandes buracos da política

Desafios da lógica

Ainda estou tentando entender a política, mas a minha paciência é pequena. Vejo os deputados aos berros para a instalação de uma Comissão de Investigação sobre a tarifa de energia elétrica e acho estranho que uns façam de tudo para não investigar o que até um dia desses denunciavam e outros clamem aos céus sobre o que, até um dia desses, mantinham obsequioso silêncio. Há quem diga que a culpa é do governo passado… não, do retrasado – mas acho que já teria dado tempo de consertar. Preciso mesmo é que alguém me explique como é feita a “conta de luz” e quais os elementos que entram na sua composição. Talvez algum deputado possa dar uma explicação bem simples para que a minha pouca inteligência possa acompanhar.

Também fico intrigado com os parlamentares federais que espumam e cospem protestos contra os capas-pretas do Poder Judiciário, mas se recusam a fazer uma Comissão para investigar e não mandam logo aquele jipe com o cabo e o soldado para fechar o TSE, possibilidade democraticamente levantada pelo filho presidencial 02 ou 03, não sei ao certo. Talvez temam que se perca algo mais que o foro privilegiado, benefício requerido até por quem fez, em passado recente, discursos inflamados contra o mesmo benfíco aplicado a outros. Ou ainda talvez o resumo da situação seja a frase de um chargista (há sempre um chargista para resumir a situação no país da piada pronta): “manda quem toffoli, odebrecht quem tem juízes”.

Mas a Odebrecht está perdendo mais que seus juízes, como mostra o trágico final que o ex-presidente peruano Alan Garcia deu à sua própria vida ao receber voz de prisão da polícia. Outros três ex-presidentes de nossos hermanos vizinhos estão presos ou quase isso, todos acusados de receber dinheiro ilegal da poderosa empreiteira brasileña. Não é à toa que o capitão atualmente de plantão na presidência do Brasil bate continência para a bandeira norte-americana, ele percebeu que para vencer a Odebrecht só mesmo a CIA, com sua expertise em colocar e tirar presidentes na América Latina.

Ora, se a política no Continente americano está uma barafunda e não há notícia de que na Europa ou na Ásia a confusão seja menor, por que deveria eu me lastimar de não conseguir entender as contradições provincianas em torno da minha conta de luz? Paga e não bufa, diria meu pai se ainda estivesse neste mundo cheio de sombras. Como disse o poeta Caetano, política é o fim -e, na mesma canção, mostrou a saída: “a mim bastava que um prefeito desse um jeito na cidade da Bahia”.

Concluo, então, que a notícia mais relevante é a da “operação verão” que a prefeitura vai iniciar na próxima semana, com o anúncio de que a prefeita conseguiu juntar 50 milhões de reais para tapar os incontáveis buracos que as chuvas deixaram nas ruas da cidade. Desde os tempos de um antigo governador, o já falecido tio do governador atual, os habitantes da província se espantam com o custo estimado de um milhão para cada quilômetro de asfalto na rodovia federal que junta as pontas deste distante rincão amazônico. Portanto, 50 milhões, se não dá pra tapar todos os buracos, há de ser possível deixá-los em quantidade menos incontável inclusive na estrada que passa em frente à minha modesta morada, o que torna ao menos a política municipal mais facilmente compreensível à minha pobre inteligência.

Alguns cronistas das redes sociais (todo mundo é comunicador depois do advento da internet), certamente mais inteligentes e bem-informados que eu, já se perguntam se os recursos serão suficientes para que a prefeita consiga tapar também a boca dos críticos e dos que gritam seu nome -Socorro!- tão propício ao que a linguagem política chama de “clamor das ruas” e que, desse modo, poderia tornar-se, mais que vocativo, afirmativamente viável nas eleições do próximo ano. Disso também entendo pouco, mas imagino que a concorrência tratará de transformar as possíveis expressões de satisfação em alguns resmungos amuados do tipo “não fez mais que sua obrigação”.

Uma coisa ao menos consigo entender, na complexa linguagem dos políticos: para quê vamos resolver um problema se podemos usá-lo ao nosso favor? Se puder aumentar minha atenção, meu grau de informação e minha paciência, tenho certeza de que entenderei muitas outros postulados da lógica que rege esse mundo, que então deixará de ser entediante e passará a ser fascinante.

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