Nilson Mourão, o amigo pessoal de Lula, diz que ele voltará a ser presidente

Ele era o dono do fusca vermelho que ficou famoso no país inteiro porque era nesse veículo que se deslocavam no estado, no final da década de 1970 e começo da 1980, as pessoas que se movimentavam para a fundação do PT como o maior partido de massas de que se tem notícia no Brasil, cujas raízes saíram do Acre e se aprofundaram de tal forma que foi por aqui que a sigla viveu sua experiência de governo mais longeva, duas décadas de poder. Lula, Zé Dirceu, José Genoíno, Frei Beto, Marina Silva, Chico Mendes e outros vultos do que seria o petismo no Brasil pegaram carona no carrinho num tempo em que o Partido, como acusava seus adversários, cabia literalmente num Fusca.

Nilson Moruão ao lado de Lula em um dos comícios no Acre/Foto: arquivo pessoal

Hoje, aos 67 anos de idade, aposentado como professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), ex-deputado estadual e federal, o sociólogo Nilson Mourão, que já não possui mais o carrinho de tantas idas e vindas por estradas e ruas de terras batidas para a criação dos movimentos sociais que iriam culminar na criação do PT, continua um otimista. O dono do fusca foi também o primeiro candidato petista ao governo do Estado, em 1982, concorrendo com ninguém menos que Nabor Júnior, seu primo, e o velho cacique Jorge Kalume, e4x-govrernador, ex-senador e prócer da Arena no Estado. Deu Nabor, eleito pelo então MDB, mas, a partir dali estava plantada uma semente que germinou, cresceu e cuja planta só veio ser aparada nos últimos anos – primeiro, com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em seguida com a prisões de suas principais lideranças, incluindo a do próprio ex-presidente Lula, e mais recentemente, em nível local, com a derrocada do partido na disputa eleitoral de 2018.

Mesmo abatido pela idade e problemas de saúde, Nilson Mourão defende que Lula não só sairá da cadeia como também deve recuperar os direitos políticos e voltar a ser eleito presidente. A seguir, os principais trechos de uma entrevista com o velho petista:

Como poucas pessoas você carrega em si mesmo, a história do PT, do PT regional. Te pergunto: como é que você ver hoje o PT na situação em que está?

Nilson Mourão – Tanto na vida da gente como na vida dos partidos políticos há momentos de grandes tensões, de crises e conflagrações, que levam, muitas vezes, a situações de dilaceramento. O PT vive hoje uma crise. Uma crise de grandes dimensões e está em busca de se reencontrar consigo mesmo. É claro que um grupo de pessoas irá entender que não há mais nada que se possa fazer, que pedem desfiliação do partido, e há também outro grupo que reforça ainda mais sua convicção, necessitando das mudanças que devem ser feitas.

 Em nível nacional, em que e onde você acha que o PT errou?

Acho que os governos do Lula e da Dilma cometeram erros estratégicos. Tinham todas as possibilidades de terem enquadrado e regulamentado os meios de comunicação e não fizeram. Isso foi um erro, como eu diria, de grandes proporções.

Mas não seria um ato de censura contra a imprensa, como se alegou quando o José Dirceu tentou a primeira vez criar uma espécie de conselho para regular a imprensa?

De forma nenhuma. Todos os países têm leis que regulamentam a mídia. O que não pode ocorrer é o que ocorre no Brasil. Isso não existe em lugar nenhum do mundo, uma mesma empresa ser proprietária de televisão, de rádios em cadeia espalhada no Brasil inteiro e ser dona de jornal. O mundo inteiro disciplina isso. Se você é empresário e quer ser empresário de mídia, tem que saber para onde você vai. Se você vai para a televisão, você não pode ter jornal nem rádio. Se não vira monopólio.

Então você acha que o PT foi derrotado por esse monopólio da mídia? 

Não o PT não foi derrotado pela mídia. O PT procurou manter um bom relacionamento, mantendo as estruturas que estão aí para evitar confrontos, mantendo a regulação atual, de forma livre para as pessoas colocarem suas ideias conforme entenderam. Na verdade, esses meios de comunicação são, antes tudo, empresas, que querem vender seus produtores e querem, portanto, lucros. Não são fontes de caridade prestando serviço ao povo. Querem ganhar dinheiro e, para isso, fazem tudo o que é possível. Não é mais possível manter na vida dos brasileiros a influência da mídia como ocorre hoje.

Por esse raciocínio você está dizendo então que a mídia e a comunicação jamais engoliram o Lula, a Dilma e o PT?

Jamais. Esses setores conservadores não admitem que os trabalhadores, os pobres, os estudantes e outros setores sejam sujeitos da história. Jamais admitiram isso. Nunca a classe dominante brasileira aceitou o Lula como presidente da República. Não cortaram as mãos do Lula durante seu governo por conta de seu carisma e de sua capacidade de aglutinação popular. A Dilma, que tinha um pouco menos de carisma individual, sofreu o impeachment.

Particularmente, você é amigo do Lula. Como você o vê preso e vivendo essa angústia da cadeia?

Eu sou um privilegiado de ter podido conhecer e convivido com o Lula pessoal e individualmente, em várias situações, particularmente quando ele esteve aqui no Acre e em São Paulo também. Eu fui trabalhador do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na presidência do Jair Meneguelli. Vivi um período da minha vida dentro do Sindicato sob a influência do Lula, em 83 e 84. O fato é que tive o grande privilégio de ter o Lula como um amigo, um companheiro de lutas.

E quem é o Lula, para você?

O Lula é um cara que tem ideais, que luta a vida inteira para conseguir uma sociedade melhor no Brasil, que quer acabar com a fome no país, que quer ver as pessoas escolarizadas, que quer que as pessoas tenham casa e dignidade. Tudo, para ele, é visto na ótica da justiça social. E, impressionante: ele fez isso sem confrontar a classe dominante brasileira. Nunca a indústria, o comércio, os bancos e as grandes empresas ganharam tanto dinheiro como no governo Lula. O Lula não tirou deles. Ele acrescentou do orçamento da União a fatia do bolo que cabe ao povo e por isso conseguiu essa ira e esse ódio que nós vemos hoje.

Nilson Mourão acredita que Lula voltará a comandar o país/Foto: arquivo pessoal

E, como amigo dele, como você reage às informações de que ele não passa de um ladrão vulgar?

A Lava Jato, em relação ao Lula, tinha um único projeto: tirar o Lula da disputa eleitoral. Não teve outra finalidade. A finalidade era concluir: o Lula não pode ser candidato porque se ele for candidato ele ganha às eleições, e ganharia no primeiro turno. Isso era consenso. Então se juntou a mídia, parte do Ministério Público Federal, parte do Judiciário e os grandes empresários e determinaram o que está acontecendo. Eu soube de um comentário procedente que os militares teriam dito: nós não aguentamos mais um mandato do PT, mais um mandato de Lula. Então havia também, muito provavelmente, um comando militar para ao impedimento de uma candidatura de Lula. E só tinha uma saída: prendê-lo, porque, estando preso, ele estaria fora da disputa. Todas as acusações que são feitas contra ele, não têm absolutamente nenhum fundamento. O ex-juiz Sérgio Moro fala em fundamentos indeterminados, imprevisíveis. Como é que alguém pode ser condenado por fundamentos indeterminados?

Você acha que o Lula morre na cadeia?

Não, ele sai vivo de lá. Ele não só sai como vai ser libertado nos braços do povo. O objetivo da classe dominante já foi adquirido: eles não queriam que o Lula concorresse, ele não concorreu e ganhou o Bolsonaro. Deixa o Bolsonaro governar, mas o Lula volta e vai voltar mais forte.

Você acha que ele volta para a política, que novamente terá mandatos?

Com certeza. Nós vamos trabalhar para que o Lula, libertado da cadeia, retome os seus direitos políticos e venha colocar novamente seu nome na disputa pela presidência da República e certamente ganhará de novo.

Como é que você recebeu a orientação do presidente Jair Bolsonaro de que o movimento de março e abril de 1964 é algo que tem que ser comemorado?

Vejo isso como algo completamente inapropriado. Comemorar o quê? Prisões, torturas, degredos, corrupção… Comemorar essa data é desvirtuar a história. Nós, os brasileiros, não temos nada a comemorar nesta data.  O movimento de 64 foi um movimento militar violento, de ruptura com a normalidade democrática. Aliás, em outros países, quando determinadas pessoas tocam nesse tipo de assunto, eles são imediatamente punidas por lei. Este é um episódio triste da vida brasileira e de triste memória da vida nacional.

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