O novo capítulo da História do Acre pode ser o último antes do esquecimento

Marcando na agenda

O governador mandou derrubar o prédio antigo, numa esquina do centro da capital do Acre, porque o seu coração pediu que o local fosse transformado num estacionamento cuja renda será destinada a ajudar o Educandário Santa Margarida, orfanato que está vivendo na penúria financeira. Não ocorreu ao coração do governador que o Estado e a sociedade pudessem encontrar outros meios de ajudar o orfanato sem destruir o patrimônio público e histórico, incentivar o subemprego, degradar ainda mais a paisagem urbana… Mas, o que digo? Talvez seja um genial programa social e um novo capitulo na história,

Feliz é a província em que o governador não governa, mas reina. Não é o atual, todos os anteriores tiveram acesso a um poder personalizado. Quer derrubar um prédio, dá a ordem e as máquinas são ligadas. Não tem um ritual institucional, não consulta ninguém, não tem um parecer jurídico, um levantamento patrimonial, uma análise arquitetônica, nada. O coração do governador é quem pondera, analisa e resolve.

As justificativas são muitas. Quem vive de passado é museu e quem gosta de museu é historiador, artista, antropólogo, arquiteto, tudo gente inútil que devia deixar essas bobagens e arranjar uma lavagem de roupa, um quintal para capinar, plantar batatas, criar umas cabeças de gado, cuidar de carros num estacionamento…

O motivo é nobre, ora, o dinheiro que os flanelinhas cobrarem para pastorar carros será repartido com as criancinhas abandonadas. E além do mais, o prédio estava se acabando sem uso, ocupado pelos “drogados”, uma verdadeira cracolândia no centro da cidade. Bem, derrubar o prédio não vai tirar ninguém do vício, os noiados vão se mudar para outro lugar, mas aí a gente vai e derruba outro prédio que eles ocuparem e faz outro estacionamento.

Convencido por esse argumento, resolvi sugerir algumas demolições, sem muita esperança de ser ouvido pelo coração do governador mas cumprindo meu dever cívico e na intenção de ajudar os pobres. Vamos derribar toda a tralha velha e alguma tralha nova também. Cada um faz a sua lista. A minha inclui:

O prédio da Assembléia Legislativa, lugar onde as pessoas viciadas em política se reúnem para falar palavras de baixo calão, armar tretas e mutretas, delirar ou dormir ouvindo discursos alucinógenos. No seu lugar, construir uma pizzaria popular para alimentar os eleitores abandonados pelos candidatos depois de eleitos.

O Palácio de Justiça, Fórum, Ministério Público e coisas afins. Afinal, ninguém sabe o que o desembargador desembarga, o que o promotor promove ou o quê o procurador procura. O que se sabe é que eles falam uma língua ininteligível, derivada do latim, e vestem capas pretas em seus rituais exóticos. Recebem uma grana ainda mais preta que suas capas. No lugar desses prédios inúteis, podemos colocar tendas parfa distribuir auxílio-moradia, auxílio-roupa, auxílio-transporte e auxílio-alimentação. Para as criancinhas pobres, é claro.

O Palácio do governo. Já virou museu mesmo… Um prédio velho que só atrai quem se interessa por velharias e vive agarrado ao passado. Acho que quando mataram o governador Edmundo Pinto, os governantes seguintes tinham medo de que sua alma aparecesse como assombração e mudaram a sede do governo para o Banacre. Mas aí mataram o Mauro Braga e os governantes voltaram a ter medo de fantasmas, mudaram para o Deracre. Depois construiram a Casa Rosada-Verde-Vermelha no lugar do antigo restaurante Tapiri e passaram a conviver com o fantasma do Garibaldi Brasil. O que colocar no lugar do Palácio? Talvez um salão de festas, igual ao do Rio Branco Football Club, que já pode ser demolido para ampliar o estacionamento.

A Prefeitura de Rio Branco. Quem precisa de prefeitura? Cada associação de moradores pode cavar e tampar seus próprios buracos, com o dinheiro do Hotel Chuí, que voltaria a funcionar para abrigar candidatos dos concursos que vêm aos milhares, todos os anos.

Quartel da Polícia Militar. Policiais tem que ficar na rua, caçando bandido. A formatura pode ser na praça e as refeições no Casarão, ali pertinho. O espaço do atual quartel seria um abrigo para os noiados, que assim deixariam o centro da cidade para quem quer tomar tacacá sem ser incomodado com gente suja e esfarrapada pedindo dinheiro.

Essa é apenas uma lista preliminar. O leitor pode acrescentar os prédios de sua preferência para demolição que, como vemos, não é apenas uma destruição do passado mas uma solução para os problemas sociais contemporâneos. Podemos até fazer uma campanha na mídia, tendo como slogan frases do tipo “com os tijolos da velha ordem social ergueremos uma nova sociedade”. Ôpa, mas aí não pode, é frase marxista, coisa de esquerda, vade retro!

Ah, sei lá, eu sou meio antigo também, vocês que são jovens – e que nunca nem entraram num desses prédios velhos no tempo em que funcionavam – arranjem aí um slogan da hora.

PUBLICIDADE