O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou na noite desta quarta (22) a sessão de votação da medida provisória do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que reestrutura o governo, o que coloca em risco novamente a validade da proposta que reduziu de 29 para 22 o número de ministérios e distribuiu algumas funções de uma pasta para outra.
Maia decidiu interromper a discussão após um embate da bancada do PSL com os partidos do chamado centrão, que reúne legendas como PP, DEM, PR, PRB, MDB e Solidariedade. “Com esse clima, tinha que encerrar a sessão. O clima ficou pesado. Melhor encerrar. Amanhã a gente retoma”, afirmou o presidente da Câmara, ao deixar o plenário.
Não há, porém, garantias de que a votação será retomada nesta quinta-feira (23). A apreciação do texto na Câmara pode ficar apenas para terça-feira (28), na última semana antes de a medida perder validade, no dia 3 de junho. Para não caducar, ela ainda precisa passar pelo Senado.
Os parlamentares do centrão se irritaram depois que o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, passou a atacá-los por causa de um destaque da MP que trata da atuação de auditores da Receita Federal como uma medida importante no combate à corrupção.
O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), defendeu derrubar o artigo, que foi incluído no texto pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), com a anuência do Planalto.
O destaque proíbe que auditores da Receita Federal façam comunicação ao Ministério Público de situações que considerem suspeita. Pelo texto, o auditor só poderá fazer esse comunicado caso haja autorização judicial.
O líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), subiu à tribuna para reagir às acusações dos aliados de Bolsonaro: “Aqui não se trata de corrupção, tenho 26 anos de vida pública, não aponto o dedo para ninguém. Não tenho um processo, um inquérito, não tenho uma investigação”, afirmou.
“Puxa a ficha de vocês, a folha corrida de vocês [do PSL]. Eu não mexo com laranja, eu não tenho plantação de laranja, eu não me escondo de Justiça. Eu não devo contas”, continuou, numa referência às investigações de candidaturas laranjas no PSL, caso relevado pela Folha.
O líder do DEM acusou a bancada do PSL de usar um “procedimento canalha”.
“O procedimento que está havendo pelo governo nesta Casa é um procedimento canalha, é um procedimento de quem não tem lealdade. De quem não tem compromisso com atividade parlamentar… isso não é procedimento de gente de bem”, disse.
Elmar afirmou que o destaque sobre a atuação dos auditores foi feita pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), com a “aquiescência” de Bolsonaro. “Se ele não fez com a aquiescência do presidente, tinha que ser demitido no outro dia”, ironizou.
Antes do embate com o PSL, líderes do centrão já demonstravam irritação com as traições ao grupo na votação que tirou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) das mãos do ministro Sergio Moro (Justiça).
A previsão do grupo era de uma vitória com folga. O centrão calculava ter de 260 a 280 votos. O placar foi apertado: por 228 votos a 210, o plenário decidiu transferir o Coaf para o Ministério da Economia.
Líderes do grupo afirmaram que a pressão da bancada do PSL nas redes sociais foi fundamental para a virada de votos. Assim que foi aberta a votação nominal sobre o destino do Coaf, deputados do partido do presidente Bolsonaro iniciaram transmissões ao vivo para seus seguidores. Os parlamentares faziam um apelo para a “pressão social” mantivesse o órgão nas mãos de Moro.
VEJA O QUE FAZ O COAF
O que é o Coaf?
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é um órgão de inteligência financeira criado em 1998. Ele recebe informações de setores obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras, e encaminha os casos ao Ministério Público. O órgão tem trabalhado em conjunto com a Polícia Federal
A que pasta está submetido?
Foi criado no âmbito do Ministério da Fazenda, mas, desde 1º de janeiro de 2019, está sob o guarda-chuva da Justiça. No Congresso, avança uma articulação para levá-lo para pasta da Economia
Quem é alvo do órgão?
Pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens móveis de luxo ou alto valor (igual ou superior a R$ 10 mil), intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie
O que já fez o Coaf
- No Mensalão, ofícios entregues à CPI dos Correios indicaram saques do esquema de pagamentos à base do governo petista
- Em 2018, identificou movimentações bancárias atípicas de mais de R$ 1,2 milhão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonara
- Desde 2011, produziu relatórios que serviram de base para investigações como Lava Jato, Cui Bono, Greenfield e Cadeia Velha
- De janeiro a novembro de 2018, produziu 6.786 relatórios de inteligência financeira, relacionaram 348.984 pessoas físicas ou jurídicas. Foram consolidadas 302.648 comunicações de operações financeiras
- A atuação do Coaf com o Ministério Público e autoridades policiais resultou, de janeiro a novembro de 2018, no bloqueio judicial de R$125 milhões no Brasil e no exterior.