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Opinião: “Liberdade de expressão não é uma concessão estatal”

Por POR LUCAS RODRIGUES

O caso da decretação de prisão contra Danilo Gentili em razão de uma ação movida pela deputada Maria do Rosário é um caso extremo, porém representativo da frágil situação que a liberdade de expressão e outros direitos têm no Brasil.

O Brasil aparece como “parcialmente livre” nos rankings de liberdade de imprensa e liberdade na internet da Freedom House, sendo um dos países mais perigosos para se exercer o jornalismo. A Freedom House ainda afirma que a principal forma de censura são ações judiciais, o que é corroborado pelo Relatório de Transparência da Google que mostra que o Brasil está entre os países que mais enviaram ordens judiciais para retirada de conteúdo das plataformas dessa empresa. Os meios mais comuns de cerceamento da liberdade de expressão são jurídicos através dos chamados crimes contra honra. Nesse sentido, tal como afirma a Human Rights Watch a respeito do caso de Gentili, “leis que estabelecem sanções penais contra a injúria, a difamação e a calúnia são incompatíveis com a obrigação internacional de proteger a liberdade de expressão”.

Mas qual é a origem dessas formas de cerceamento da liberdade expressão?

A resposta passa por entender como leis e direitos são formulados e aplicados de forma personalista em países patrimonialistas como o Brasil. Isso quer dizer que direitos e liberdades não são considerados como universais a todos indivíduos, mas como concessões do Estado a serem distribuídas desigualmente entre diferentes grupos de status, e para regular a sociedade. Por exemplo, enquanto políticos contam com “imunidade parlamentar” para dizerem o que quiserem, o cidadão comum tem sua liberdade de expressão restringida sob o pretexto dos crimes contra honra. Ou como disse Voltaire: “Para saber quem controla sua vida, simplesmente descubra quem você não tem permissão de criticar”.

Não existe meia liberdade de expressão, ou você tem liberdade de falar ou não tem.

Nessa lógica, a liberdade de expressão depende de quem fala, o que fala e para quem fala. Temos até uma expressão cotidiana que reflete essa condição: “Você sabe com quem está falando?” Ou seja, nem mesmo fora dos meios de comunicação, a liberdade de expressão pode ser exercida por todos de forma igual, por exemplo, o caso de uma agente de trânsito que, numa blitz em 2011, rebocando um carro sem documentos e placa, o proprietário se identificou como juiz e a agente, interpretando isso como uma “carteirada”, disse “é juiz, mas não Deus”, por causa disso ela foi condenada por crime de abuso de poder e ofensa contra o juiz. Ou, então, o advogado que foi parar na delegacia, após criticar um ministro do STF durante um voo. Casos como estes não são raros e mostram como a liberdade de expressão depende de “quem é você” na hierarquia do poder na sociedade. As leis de injúria, difamação e calúnia nesse contexto existem exatamente para garantir que a liberdade de expressão seja uma concessão desigualmente concedida pelos “donos do poder”.

A pergunta que fica é: será mesmo que Danilo Gentili teria sido condenado se tivesse protestado e criticado outra pessoa que não uma deputada? Acho que todos sabemos a resposta para essa pergunta.

Não existe meia liberdade de expressão, ou você tem liberdade de falar ou não tem. A liberdade de expressão inclui dizer qualquer coisa para qualquer pessoa, incluso criticar e debochar de qualquer coisa a respeito de qualquer pessoa. Na verdade, ela existe exatamente para poder dizer coisas incomodas. Ou seja, todos têm o mesmo direito: provocador e provocado; debochador e debochado; caluniador e caluniado; ofensor e ofendido; governante e governado; maioria e minorias. O direito de liberdade de expressão deve ser um limite ao poder dos governantes, nunca um limite aos governados. J. S. Mill já mostrou que a liberdade de expressão é extremamente útil para poder discernir entre bons argumentos e argumentos ruins. Existem opiniões e falas incomodas e ofensivas mesmo, mas como já escreveu Lysander Spooner “vícios não são crime”.

Lucas Rodrigues Azambuja, sociólogo e professor no IBMEC BH. Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais no IBMEC BH.

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