Um estudo inédito publicado na “PLos Neglected Tropical Diseases” mostrou que 62% dos tatus que vivem na Amazônia brasileira (especificamente no oeste do Pará) testaram positivos para a Mycobacterium leprae — bactéria causadora da hanseníase, ou da lepra, como a doença é conhecida.
Não é de hoje que a ciência sabe que tatus podem atuar como um reservatório natural para a bactéria causadora da doença. Trata-se da 1ª vez, contudo, que a relação é demonstrada com essa precisão no Brasil, dizem os autores.
No sul dos Estados Unidos, a associação já era observada — por isso, pesquisadores acreditam que a relação de transmissão entre humanos-tatus, principalmente via consumo da carne, seja um fenômeno antigo no Brasil.
A hipótese da pesquisa também é corroborada pelas maiores taxas de hanseníase detectadas em áreas rurais do país (com Centro-Oeste e Norte apresentando os maiores índices; veja abaixo).
“Os tatus ocorrem em números muito elevados em muitas áreas rurais do Brasil e a detecção de casos em humanos tem sido considerada hiperendêmica na região amazônica por muito tempo”, escreveram os autores.
“Por isso, é extremamente provável que a interação entre tatus e seres humanos infectados não seja um caso recente”, concluíram.
Os achados do estudo:
- 62% dos tatus na Amazônia no oeste do Pará testaram positivo para a Mycobacterium leprae (bactéria causadora da lepra ou hanseníase);
- Das 146 pessoas entrevistadas no município de Belterra, 7 foram diagnosticadas com hanseníase;
- 63% (92) apresentavam sinais de anticorpos contra a lepra, o que indica contato com a bactéria;
- Aqueles que mais consumiam carne de tatu tinham maiores níveis de anticorpos contra a lepra que aqueles que não consumiam a carne;
- Levando-se em consideração as altas taxas de hanseníase na Amazônia, pesquisadores acreditam que a rota de transmissão tatu-humanos não seja um fenômeno recente na região.
Segundo os autores, o estudo mostra, pela primeira vez, que esses animais podem atuar como um reservatório para bactéria por aqui. O trabalho teve como primeiros autores Juliana Portela, Universidade Federal do Oeste do Pará, e Moises Silva, da Universidade Federal do Pará.
A pesquisa também teve a participação de cientistas dos Estados Unidos, como John Spencer, da Universidade do Estado do Colorado (EUA).
A hanseníase, ou a lepra, é uma doença contagiosa. Causada por bactéria, a condição danifica os nervos levando a sérias incapacidades físicas (pode haver dificuldades para andar ou para segurar objetos).
Manchas avermelhadas, esbranquiçadas e amarronzadas são marcas da doença. Indivíduos sentem febre, dor e “fisgadas” nos músculos.
Maior número de casos é detectado em áreas rurais
Boletim do Ministério da Saúde divulgado em fevereiro de 2018 mostra que foram notificados 25.218 casos de hanseníase no Brasil. Entre 2012 e 2016, o ministério reporta 151.764 novos casos.
Maiores taxas foram detectadas nas regiões Centro-Oeste (32,27 novos casos a cada 100 mil habitantes) e Norte (34,26 novos casos a cada 100 mil habitantes).
No Pará, onde o estudo foi realizado, a taxa de detecção registrada pelo Ministério da Saúde foi de (40,39 casos a cada 100 mil habitantes). No Brasil, a média nacional de detecção de novos casos é de 12,2 novos casos a cada 100 mil habitantes.
Lepra e consumo de carne de tatu
Além da análise dos tatus, pesquisadores também entrevistaram e testaram 146 pessoas da cidade de Belterra, no Pará. Cientistas analisaram a frequência das interações dessas pessoas com os Tatus. Também níveis de anticorpos contra a lepra também foram medidos no sangue desses indivíduos.
Da análise, cientistas diagnosticaram 7 pessoas com hanseníase. Dessas, 63% apresentavam níveis de anticorpos contra a lepra — o que sugere contato com a bactéria. Também pesquisadores encontraram que aqueles que consumiam a carne mais frequentemente apresentaram maiores níveis de anticorpos.
“Esses animais [os tatus] vivem na Amazônia brasileira e alguns moradores caçam e matam tatus como fonte alimentar de proteína”, diz nota sobre a pesquisa.