A falência da Avianca, que já vinha mal das pernas havia vários meses, desnuda a falta total de eficácia dos órgãos reguladores. Todos, sem exceção, estão perdendo com a situação. Os clientes da empresa estão sendo penalizados com o cancelamento dos seus voos de última hora, e também porque a empresa não tem recursos para transferir as passagens a outras companhias – que, por sua vez, obviamente não têm espaço para o atendimento desta demanda. Ou seja, o consumidor é integralmente prejudicado. Sem falar das demissões em massa que vêm ocorrendo já algum tempo; mais recentemente, 1,5 mil famílias sofreram com essa realidade.
Tudo isso poderia ser evitado se a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) fosse eficiente em sua função de agência reguladora. Na prática, o que temos é a omissão total da mesma. A função de uma agência reguladora, entre várias questões, é regular o mercado para evitar distorções, algo que não tem ocorrido, muito menos neste caso. Os problemas estruturais e econômicos da Avianca não são recentes e seu agravamento poderia ter sido evitado se a agência reguladora tivesse feito uma intervenção na empresa, algo que já ocorreu em outros casos, envolvendo outras agências reguladoras no país, para evitar o pior, como a falência e o prejuízo integral aos consumidores.
Quando a Anac quer, ela faz as intervenções. Um exemplo foi a autorização para a cobrança por bagagem despachada, com a alegação econômica – falaciosa – de que os preços deveriam abaixar. Isso não aconteceu; pelo contrário, houve aumento, comprovado por várias pesquisas. Todo esse processo foi feito sem critérios econômicos de mercado, demonstrando que a agência trabalha apenas em benefício das empresas; seu histórico é de atitudes contrárias aos consumidores e à concorrência.
O fato de os consumidores voltarem a ter uma franquia de bagagem não deve significar aumento de preço.
Muito se fala que os custos do transporte aéreo no Brasil são altos, o que é incontestável. Mas, quando a agência reguladora mais confunde que harmoniza o sistema – como no caso das malas –, dificulta a concorrência, prioriza o oligopólio de algumas empresas no país e deixa uma empresa como a Avianca quebrar, sem intervir, deixa o mercado oligopolizado e com preços estratosféricos. Ter atuado preventivamente na Avianca significaria atuar em prol da concorrência.
A função da Anac deveria ser criar um ambiente saudável de mercado aéreo competitivo, para baratear as passagens, beneficiar os consumidores e o país como um todo, não apenas as empresas. Como exemplo emblemático, ela deveria estimular a criação de empresas low cost, que cobram muito menos que outras companhias, mas não oferecem regalias. No universo das low cost, o atendimento é padronizado, não há diferença de classe (executiva ou econômica, por exemplo) e os serviços são simplificados. O serviço de bordo não contempla bebidas, guloseimas e alimentos, como pratos quentes, e nem franquia de bagagem. Tudo deve ser pago à parte, de acordo com a necessidade do cliente.
Esta prática funciona no mundo há pelo menos 40 anos, oferecendo preços baixíssimos. Ou seja: estamos com um atraso de pelo menos algumas décadas. Há alguns ensaios de companhias aéreas low cost que têm voado para o exterior, com êxito. Mas, no mercado interno, isso não existe, e tampouco vemos a Anac se movimentando, estimulando e criando condições para que as empresas venham atuar nesta modalidade tão importante e eficaz. Prova disso é que a dinâmica atual dos voos internos leva a preços proibitivos, principalmente quando se compra o bilhete a poucos dias do embarque. Com ou sem bagagem incluída, as tarifas são dignas de voos para o exterior, o que comprova, de forma cabal, a ineficácia das políticas atuais da agência reguladora.
Nem precisaríamos de grandes mudanças legais para que este tipo de operação exista no mercado doméstico; apenas com um pouco de vontade de trabalhar, usando as ferramentas atuais, já conseguiríamos bons resultados. Os órgãos governamentais, no entanto, têm um péssimo habito de sempre transferir responsabilidades para justificar sua incompetência – no caso, alegando que, para estimular a vinda de companhias de baixo custo, precisaríamos mudar a legislação.
Pois a legislação mudou. A Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram, no mesmo dia, a medida provisória do então presidente Michel Temer que autoriza 100% do capital estrangeiro em companhias aéreas. Os parlamentares ainda proibiram a cobrança de bagagem até 23 kg, em voos domésticos, o que não existia no texto original.
A nova regra é excelente para o mercado, pois abre mais possibilidades de concorrência. O fato de os consumidores voltarem a ter uma franquia de bagagem não deve significar aumento de preço, pelos motivos já expostos. No que tange à concorrência, as regras sobre participação de capital estrangeiro abrem de forma definitiva o mercado para companhias que poderão funcionar no sistema low cost e estão ávidas para operar no país, resolvendo definitivamente o problema dos altos preços no mercado interno e quebrando o atual oligopólio.
Não podemos, no entanto, ser ingênuos e achar que a abertura do capital estrangeiro será a solução para a falta de concorrência do setor aéreo brasileiro interno. Ela é, no entanto, um grande avanço que precisa ser comemorado – afinal, antes tarde do que nunca. Abriremos grandes possibilidades, mas, se a Anac não fizer a lição de casa, se ela continuar confundindo em vez de trabalhar, com certeza não veremos grandes melhorias. Está na hora de darmos um salto qualitativo e quantitativo no transporte aéreo doméstico, democratizando de fato e de direito a possibilidade de voar em uma low cost, ampliando-a para toda a população, como já é realidade na Europa e nos Estados Unidos.
Màrcello Bezerra é professor e economista.