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Preservação e meio ambiente na agenda do agronegócio do governo do Estado

Por TIÃO MAIA, DO CONTILNET

Não foi por acaso que o governador Gladson Cameli e seus líderes na Assembleia Legislativa voltaram atrás na reforma administrativa e recriaram um órgão que havia sido extinto ainda em dezembro de 2018, por iniciativa do futuro governo dias antes de tomar posse. Trata-se do IMC – sigla do Instituo de Mudanças Climáticas, dirigido pelo economista Francisco Carlos Cavalcante, professor doutor e ex-reitor da Universidade Federal do Acre (Ufac), um dos formuladores do plano de governo de Gladson Cameli.

Professor Carlos Cavalcante preside o Instituto de Mudanças Climáticas/Foto: reprodução

Acreano de Rio Branco e com pendores à esquerda e influência de grupos políticos e intelectuais que, paradoxalmente, nada têm a ver com as políticas de desenvolvimento pregadas pelo atual Governo, que tem o agronegócio como meta de desenvolvimento, o professor Carlos Cavalcante, conhecido pelo diminutivo “Carlitinho”, é, ao mesmo tempo, um grande defensor dos planos de Gladson Cameli e da ideia de que é possível desenvolver o Estado, gerando riquezas a seu povo, com a floresta em pé.

Afinal, é assim que sonham os financiadores e a razão da existência e da ressureição do IMC na estrutura de Governo: os dólares e euros enviados ao Acre, a fundo perdido, apenas para que o Estado contribua para a redução de emissão de gases na atmosfera. Isso significa que, quanto menos desmatar, menos gases poluentes iriam para a natureza e o Estado passaria a ser remunerado por isso, pelos dólares americanos e os euros de bancos e governos da Alemanha e da Inglaterra.

O Estado recebe a média de US$ 5 por cada tonelada de gás que deixa de ir para atmosfera. Desses recursos, já recebeu mais de 25 de euros e há ainda muito dinheiro para vir. E melhor: a fundo perdido.

É sobre esses e outros assuntos que fala na entrevista a seguir o professor doutor Carlos Cavalcante. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O órgão que o senhor dirige parece ter de fato uma importância muito grande e estratégica para o Estado. Tanto é que o atual governo, ao assumir, o extinguiu e teve que recriá-lo na sua mais recente reforma administrativa. É isso mesmo?

Francisco Carlos Cavalcante – O Instituto de Mudanças Climáticas (IMC) é responsável pela execução da lei 2308, de 2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos aos Serviços Ambientais, o Sesa. Isso significa que é responsável pela política ambiental desenvolvida pelo Governo do Estado do Acre. Foi criado como coordenador e executor do Sesa, este conjunto de leis e instituições que têm a ver com a regulação da nossa política e dos ativos ambientais.

Então, se o órgão não fosse recriado acabaria, portanto, políticas ambientais para o Estado?

Um pouco. Seria correto pensar assim porque, se tirássemos isso (da estrutura administrativa do Estado), acabaríamos com algo muito importante, que é todas as políticas voltadas aos ribeirinhos, aos pequenos produtores, aos extrativistas e índios – ou seja, toda uma população fragilizada – digamos assim – e que é atendida no âmbito do Sesa e que tem o atributo de, pelo seu modo de vida, ser uma forma que protege a floresta.

A recriação desse órgão e a definição que o senhor está fazendo agora não se contradiz com a política de desenvolvimento proposta pelo próprio governo do Estado, que se baseia no Agronegócio como a principal bandeira para desenvolver o Acre?

Não vejo assim porque essas políticas elas não são conflituosas. Pelo contrário. Elas se complementam. O Sesa tem que ser entendido como uma política setorial, que não é uma política desenvolvimentista no sentido clássico, aquela que gera renda e emprego direto, como a política industrial e do agronegócio, por exemplo. O que ficou definido pelo atual governo? O governo tem o agronegócio como a política de geração de riqueza, de geração de renda e emprego e tem também as outras políticas, como a industrial, a agrícola e esta do Sesa, de incentivos ambientais, como políticas que se complementam entre si e, portanto, não são conflituosas. São importantes porque, a partir delas, temos um conjunto de leis, de estruturas e instituições que podem e devem ser voltadas a fomentar o desenvolvimento da região. É neste sentido que não há contradição e é nisso, do meu ponto de vista, que consiste o maior acerto da política de desenvolvimento do governador Gladson Cameli. Ele percebeu que, além da prudência ecológica, isto não é suficiente para manter a floresta em pé. O que está em jogo é manter a floresta em pé, mas também os serviços ambientais e valorizar os ativos ambientais mas, sobretudo, valorizar o homem amazônida, o homem acreano. Este é o grande princípio deste programa, com uma grande sagacidade porque, ao se colocar assim, você tem uma política ambiental correta, que vai proteger o homem – o índio, o extrativista, o ribeirinho e o pequeno produtor. O programa protege essas pessoas e, ao mesmo tempo, também protege os recursos naturais. Isso é fundamental.

Há quem diga, a oposição principalmente, que o governador Gladson Cameli voltou atrás em relação a esta lei, ao programa ambiental e ao próprio IMC como órgão por causa do dinheiro envolvido, que chegaria ao estado financiado a fundo perdido por agências internacionais de financiamento. Isso é verdade? Quanto já veio e quanto o Estado teria a receber ainda desses órgãos internacionais?

Não é exatamente esta a lógica. Mas há, sim, dinheiro envolvido, algo em torno de R$ 230 milhões, entre o que já veio e o que ainda vai sair. O que recebemos é algo em torno de 5 dólares por tonelada de carbono. Na fase 1 do programas REM (REED CARLY PIONNERS), exatamente por o Acre ser um dos pioneiros nesta matéria. Foram remuneradas 6.572.000 com valor correspondente a 25 milhões de euros, do período 2005 a 2015.  Temos então um saldo de 50.966.034, 54 de toneladas de carbono equivalente a receber. Estamos executando R$ 47 milhões.

Esta execução vai até quando?

Vai até julho dom próximo ano. As contas são as seguintes: já vieram R$ 70 milhões, estão sendo executados mais R$ 47 milhões e ainda está por vir o restante dos R$ 230 milhões.

Se o órgão deixasse de existir, o Estado perderia esse dinheiro então?

Eu não diria que perderia diretamente, mas teria muitos problemas. Como é que você vai negociar recursos tirando o órgão que é o coordenador e técnico do projeto? Ficaria difícil para quem está desembolsando e para quem está recebendo, principalmente em se tratando de dinheiro não reembolsável. Seria um contrassenso. E vou falar de uma especulação minha: quem garante se, com o Estado se ausentando das negociações, eles não procurassem, por exemplo, fazer a mesma ação através de ONGs?

Quando o senhor diz “eles” é lógico que a pergunta que vem à cabeça é saber quem são “eles”? Quem é que está desembolsando este dinheiro, e a fundo perdido, e por que?   

 Esses recursos têm origem alemã e britânica, através de bancos sociais dos dois países. No projeto, o que é negociado, na verdade, é o pagamento dos resultados de não emissão de gás na atmosfera. Na medida em que o Acre não ultrapassa, digamos assim, uma determinada linha estipulada de emissão de gases, adquire a performance necessária e garante a continuidade do programa, que é baseado em resultados.

Esses recursos traze ajuda concreta ao Acre?

Trazem, sim. O problema do nosso Acre é a miséria crescente. Nós temos um conjunto de problemas que nos colocam na condição de um dos estados mais pobres da federação.

Isso é realmente fato e por isso cabe uma nova pergunta: como é que somos tão pobres e fala-se tanto em tanta riquezas naturais ao ponto de governos do exterior propor dinheiro a fundo perdido para a manutenção dessas riquezas e eles não chegam à população que realmente precisa?

Penso que essas riquezas elas precisam ser exploradas. Não podem ser apenas contemplativas. É como termos uma fruteira no quintal. Não podemos esperar que a fruta caia amadurecida porque, na queda, ela pode até estragar. Então nós temos que explorar. Então, essas riquezas, em produto final, é tudo fruto de uma cadeia de produção, uma cadeia de valores em que você tem, desde a coleta, o armazenamento até a colocação no mercado, o que não é uma coisa trivial. Discutir o porquê de sermos pobres é discutir também um pouco da nossa própria história, discutir toda a geração de riqueza durante o extrativismo. Toda a nossa riqueza, desde aquela época, ela não foi direcionada aos investimentos coletivos. Um bom exemplo do desenvolvimento a partir do contrário do que ocorreu aqui é que existem países produtores de petróleo cuja fonte de riquezas já não é mais o petróleo. O petróleo continua sendo importante mas eles têm outro tipo de atividade, como o turismo, o mercado financeiro. É o caso de Dubai, por exemplo. Dubai viveu de petróleo e hoje não precisa mais só do petróleo. No caso do Acre, o extrativismo não deixou nada aqui. Era como uma bomba de sucção jogando nossas riquezas para a Inglaterra, para os Estados Unidos, etc. Esse modelo não permitia que as riquezas fossem reinvestidas em favor do nosso povo. O resultado disso foi flagelo nos seringais, os seringalistas envidados junto ao Banco da Amazônia, a perda de tudo. São esses os elementos da tragédia acreana.

E o que foi feito para reverter isso?

Sinceramente, eu diria que praticamente nada. Os governos não foram capazes de gerar políticas que fossem responsáveis pela geração de empregos e renda, para valer. Chegamos até aqui então vivendo de repasses federais e as nossas riquezas não têm recebido a importância necessária porque o modelo de desenvolvimento do Acre, do meu ponto de vista contemporâneo, sempre foi baseado no mau uso dos nossos recursos naturais. O que é o bom uso dos nossos recursos naturais?Seria aproveitar essa riqueza mantendo a floresta em pé e entrando num nicho de mercados que começam a valorizar os produtos ambientalmente corretos e saudáveis. Os mercados estão seguindo uma tendência em adquirir produtos em que os compradores começam a dizer: eu não quero mais produtos produzidos em condições de degradação ambiental. O homem moderno está começando a perceber que ele também tem que cuidar do planeta e por nisso ele não quer mais consumir algo produzido em condições não-sustentáveis. Ele prefere pagar um pouquinho mais, mas fica satisfeito e com a sensação de que ele está ajudando a cuidar do planeta. Este é um caminho e acho que estamos começando a fazer isso.

Mas, no momento em que o senhor e o próprio governo pensa assim, nós vemos sair daqui do Acre, por exemplo, caminhões e mais caminhões de tora de madeira e ao final a economia local tem que importar cabos de vassoura, palito de dente e outros produtos extraído dessa madeira que mandamos daqui. O que a ser feito para mudar isso, para que essa madeira fosse beneficiada e gerasse emprego e renda aqui?

A nossa economia tem uma tendência exportadora. A nossa economia, os nossos produtos são cobiçados lá fora. O caminho é este, de se começar a agregar valores internamente, atendendo o mercado interno para depois atender o externo e gradativamente consolidar a economia. Consolidar nossa economia implica em boas técnicas nessas boas causas. Nós tocamos aqui em alguns elementos que fazem parte desta discussão.

E qual o passo seguinte deste programa que o senhor e o IMC vão executar?

O IMC não poderá caminhar sozinho dentro do Governo. Atuamos de forma transversal.  Somos ligados a secretaria de Ciência e Tecnologia, que é responsável pela modernização e tecnológica do governo com seus projetos. Temos também os órgãos afins que vão apresentar os projetos do agronegócio conforme preconiza o nosso governador.  Além desses órgãos, a secretaria de Meio Ambiente e o IMC estão, de certa forma, alinhados nesta política do Sesa, que é, vamos dizer assim, o guarda-chuva geral da política ambiental no Acre e vamos participar dela muito ativa e estrategicamente porque somos o Instituto que é responsável pela coordenação de um sistema que tem que funcionar. O tempo que nós temos é relativamente pequeno mas já é possível avaliar que temos políticas que andaram um pouco mais e outras que andaram um pouco menos. Na minha avaliação, a concepção geral do desenvolvimento definida pelo governo é correta e está muito bem colocada. O desafio agora, como é normal, é exatamente concretizar, o que não é trivial e muito menos fácil, e fazer isso existir de fato.             

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