Psicólogos descrevem personalidades de mulheres acreanas que mataram criança no DF

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Rhuan Maicon da Silva Castro, 9, foi assassinado pela mãe no Distrito Federal/Foto: Reprodução

Comportamento antissocial, fuga por diferentes estados, tortura e cárcere privado de menores. Esta foi a vida de Rosana da Silva Candido, 27, e Kacyla Damasceno Pessoa, 28, acusadas de matar o pequeno Rhuan Maycon, 9, filho de Rosana, na última sexta-feira (31), nos últimos cinco anos.

O casal havia sumido do Acre, onde moravam, em 2014. Sem dar notícias a nenhuma das famílias, levaram Rhuan e uma filha de Kacyla, hoje com 8 anos. O primeiro ponto de parada conhecido foi Palmas (TO). Mas Maycon de Castro, pai do menino, não sabia disso. Com a Justiça a seu lado, ele só voltou a ter notícias do filho no último sábado, depois que seu corpo foi encontrado em pedaços, dentro de uma mala, em um bueiro próximo a uma quadra de futebol em Samambaia (DF).

Jovens que jogavam futebol no local por volta da 1h30 chamaram a Polícia Militar. Testemunhas levaram os policiais à casa das duas, próxima à quadra, onde também foram encontradas mochilas que supostamente guardaram partes de Rhuan. O menino havia sido esquartejado e queimado na noite da sexta. Na delegacia, Rosana e Kacyla confessaram o crime.

Especialistas em psicologia forense ouvidos pelo UOL dizem ser impossível dar uma resposta exata ou fazer um diagnóstico do casal sem uma avaliação próxima e detalhada. Eles avaliam, no entanto, que este tipo de crime indica a autoria de pessoas com comportamento antissocial e, por causa de maus-tratos cometidos anteriormente, certa rejeição à figura masculina, sem ligação, por outro lado, com a orientação sexual das envolvidas.

Maus-tratos de menores e comportamento antissocial: um casal anormal

Rosana fugiu de Rio Branco (AC) com Kacyla, sua filha e Rhuan, então com quatro anos, em 2014, sem deixar rastros ou entrar em contato com familiares. Preocupado, o pai do menino acionou a Vara da Infância e Juventude e conseguiu oficialmente a guarda do filho em novembro de 2015. Desde então, Rhuan passou a ser considerado sequestrado, e Rosana, foragida. Maycon nunca mais viu o filho.

Em cinco anos, as duas moraram em diferentes endereços com uma vida reclusa. Até então, a polícia rastreou passagens por Palmas (TO), Aracaju (SE), Trindade e Goiânia (GO), até desembarcarem no Distrito Federal. Segundo relatos, estavam em Samambaia (cidade satélite do Distrito Federal) há cerca de dois meses. Para que o menino não fosse encontrado pela Justiça, Rhuan e a irmã de criação não iam à escola e pouco saiam de casa.

Esta dinâmica do relacionamento, em um comportamento antissocial que resultaria em diferentes crimes de maus-tratos, chama a atenção dos especialistas. Eles explicam que, quando um casal comete um crime deste tipo, o mais comum é que haja uma personalidade dominante, doente ou não, que influencia a outra.

“Casais têm características muito complexas, com constituições psicológicas próprias. Pensando nesse formato, é mais provável que um dos pares tenha características de personalidade mais grave, com capacidade de domínio e manipulação”, pondera Antonio de Pádua Serafim, coordenador de Psicologia do Núcleo Forense do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo).

Divulgação/Polícia Civil

Mãe (à dir.) é suspeita de matar Rhuan; ela teria castrado o filho há um ano/Foto: Reprodução

Segundo ele, pessoas com este padrão apresentam comportamento antissocial e altos níveis de insensibilidade e de egocentrismo. Do outro lado, diz ele, estão pessoas com características opostas, de inferioridade e dependência. “Se há um sádico e um passivo, alguém sedento de ser dominado e outro sedento para dominar, vira uma dupla explosiva”, afirma.

Para o psiquiatra forense Guido Palomba, é o que a psiquiatria chama de folie à deux (“loucura a dois”, em francês). “É contaminado: um dos dois é o fraco, suscetível, induzido. Enquanto o outro é o indutor, dominante”, diz. “[Casais assim] apresentam sempre um alto grau de dependência.”

Relatos feitos à imprensa pelo pai de Rhuan e pela irmã de Rosana, Natalícia Barbosa, indicam que ela mudou de comportamento depois de conhecer Kacyla. Ao UOL, Maycon contou que ficou cerca de dois anos com a namorada até ela decidir se separar para ficar com a nova parceira e, pouco depois, fugir do Acre.

“Pode-se falar em anormalidade porque o casal criou uma dinâmica familiar que permitiu que, de alguma forma, esta proposição [assassinar uma criança] possa ser hipotetizada, falada”, diz Eduardo Fraga, professor de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Algo da internalização teve de ser deficitária nessas mulheres, pois, se você tem os valores criados e impostos pela nossa cultura e sociedade e alguém sugere assassinato, você rejeita.

Só desta intenção chegar a ser comunicada, ela já não pode ser considerada hedionda por nenhuma das duas.”

Premeditação fria ou um ato impulsivo de loucura?

Este comportamento anormal pode significar que uma delas (ou as duas) sofra de alguma doença psicológica, que as faria cometer um crime tão violento contra o próprio filho ou enteado, ou indica uma frieza por parte das acusadas? Os especialistas discordam na resposta. Sem instrumentos para analisar o caso em específico, eles tratam de crimes como este de uma forma geral.

Segundo Serafim, há uma infinidade de questões que precisam ser levadas em consideração na hora de se fazer uma análise como esta. Ele diz que pessoas que sofrem de quadros psicóticos graves, como experiências alucinatórias e delírio de perseguição, podem cometer crimes infrafamiliares que envolvam mutilação, por exemplo, em meio a uma crise. Mas geralmente estes casos são causados por um precipitador, que desorganiza mentalmente o doente e cria o quadro.

“Mas uma pessoa sem transtorno nenhum poderia cometer este tipo de crime contra o próprio filho, por exemplo? Sim. Claro que é mais gritante de entender, mas pode acontecer”, afirma Serafim.

Palomba acredita que, em um caso como este, pelo menos uma das duas sofre com algum distúrbio mental. “É um casal com anormalidade, não dá para tirar isso”, afirma o médico. “Uma mãe fazer isso com o filho sem um motivo plausível admite um transtorno mental. Tem de ter a doença.”

O caso é investigado pela 26ª Delegacia da Polícia Civil do Distrito Federal. O delegado Guilherme Melo deve ir ao Acre nesta quarta-feira (5) para averiguar se a violência contra a criança era algo antigo. Na última terça (4), a polícia começou a trabalhar com a possibilidade de que o menino tenha sido morto por uma questão monetária, para diminuir as despesas da casa, depois que a Justiça do Acre cortou a pensão que Kacyla recebia pela filha.

“Caso comprovado, isso mostra uma personalidade totalmente antissocial, pois a mãe não se vincula nem com o filho”, avalia Fraga.

A sucessão de atos após o assassinato também foi ressaltada pelos especialistas. Segundo os depoimentos, Rhuan foi morto pela mãe e depois esquartejado para que fosse queimado em uma churrasqueira comum no quintal da casa. Como a tentativa gerou muita fumaça e cheiro forte, elas decidiram colocar os restos em uma mala, despejada na madrugada do sábado (1).

“Há claras características [de comportamento de pessoas] antissociais, em uma mistura de antecipação com improviso. A sucessão dos atos ia modulando: e agora, o que fazemos? Queima? Esquarteja? Isso mostra um despreparo, mas pode fazer a leitura de que [o que importava] era o descarte [do corpo], não o forma como era feito”, avalia Serafim. Para ele, esta hipótese aponta para que o assassinato não tenha sido “uma ação tão impulsiva assim”.

Palomba diz que a possível premeditação não exclui a condição psicológica. “A loucura não é apenas aqueles atos cometidos impulsivamente. Existem doentes mentais que premeditam, e muito. São atos doentios na origem”, afirma o psiquiatra. “A loucura não é apenas explosão momentânea.”

Por outro lado, Fraga argumenta que a preocupação em se livrar do corpo indica ações atípicas de pessoas que não sabem o que estão fazendo. “Quando eu quero me livrar do corpo, estou preocupado comigo, não quero ser preso, quero esconder a prova e vou tentar fazer de tudo para isso: mutilar, queimar… São critérios racionais, de autopreservação.”

Ações do casal indicam rejeição à figura masculina

Outro ponto que chamou atenção dos especialistas e da polícia foi um crime cometido pelo casal contra Rhuan no ano passado. Segundo o depoimento dado na delegacia, as duas haviam mutilado o pênis da criança há cerca de um ano.

“Foi uma espécie de cirurgia de mudança de sexo. Após retirarem o pênis, elas costuraram a região mutilada e improvisaram uma versão de um órgão genital feminino, fazendo um corte na virilha”, disse a conselheira tutelar Claudia Regina Carvalho, que acompanha o caso em Samambaia, em entrevista ao UOL.

Arquivo pessoal

Maycon teve última notícia do filho havia cinco anos/Foto: Reprodução

O psicólogo forense Serafim avalia que a ação mostra “uma rejeição acentuada” na figura masculina. Palomba concorda: “A emasculação é algo diretamente ligado ao sexo”. Segundo ele, não se pode avaliar as causas, mas aponta para uma questão direta com o pênis.

Esta rejeição pela figura masculina foi corroborada pela conselheira Claudia Carvalho. Segundo ela, o casal teria convencido a irmã de criação de Rhuan. “Ela contou que não gostava do irmão de criação por ser homem”, disse a profissional. A criança também estranhou quando seu pai, Rodrigo Oliveira, foi buscá-la na última terça.

“A criança não olhava diretamente para o rosto dele, só segurava a minha mão”, contou Carvalho. Ela deverá ficar por alguns dias em um abrigo para se readaptar à família do pai, que não via há 5 anos.

Os três especialistas indicam, por sua vez, que os crimes nada têm a ver com o fato de ser um casal homossexual composto por mulheres. “A emasculação pode ter certo caráter sexual, mas não é o fato de serem duas mulheres homossexuais que levou a esse tipo de comportamento. Se não fossem, e tivessem isso na sua natureza, fariam independentemente”, afirma Palomba.

“Esse tipo de crime independe dos formatos das relações interpessoais: pode ser casal homo, hétero, o que for. Crimes graves não associam do vínculo afetivo, dependem mais de características individuais”, argumenta Serafim.

“Pensar por categoria de gênero é a lógica do preconceito, de quem não está pensando. Apontar isso é fazer associação entre aspectos que não são associáveis”, conclui Fraga. “Há muitas questões, mas a orientação sexual não é uma variável.”

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