“Acabar com o custo anual de R$ 21 milhões em manutenção, retirar do Congresso a função de imobiliária e destinar cerca de R$ 1 bilhão para programas habitacionais de caráter social. Estas são as motivações do projeto de lei de dois senadores que autoriza a União a vender 504 apartamentos funcionais hoje destinados a deputados e senadores. Cada apartamento, com 230 metros quadrados, boa parte com banheira de hidromassagem, tem valor de mercado em torno de R$ 2,2 milhões.
Atualmente, 330 deles estão ocupados por deputados e 31 por senadores. Outros 16 estão cedidos para ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU). Boa parte dos 432 imóveis à disposição da Câmara está em mau estado de conservação. No Senado, a maioria dos parlamentares (43) não utiliza apartamento funcional nem recebe auxílio-moradia. Na Câmara, 137 parlamentares recebem o auxílio; no Senado, apenas sete.
“Os imóveis contam com três quartos (uma suíte), escritório e uma ampla sala com cerca de 50 metros quadrados. São entregues mobiliados, com dois jogos de sofás, mesa grande na sala, fogão, geladeira, eletrodomésticos, camas, armários, cortinas, espelhos, lustres, enfim, tudo. A manutenção dos móveis e cortinas é feita pela Câmara e pelo Senado, que também cuidam da segurança, limpeza, portaria.
O blog visitou nesta semana um apartamento funcional ocupado por um senador. A maior parte dos móveis foi colocada pelo próprio ocupante. Registros em foto e vídeo (veja abaixo) mostram como são amplos os imóveis oferecidos aos parlamentares. O senador afirma ser favorável à venda de todos os imóveis.
Nem todos os apartamentos, porém, estão bem conservados. Um dos blocos da Câmara, com 24 unidades, está totalmente desocupado há dez anos. Muitos apartamentos estão parcialmente destruídos, como o blog registrou em vídeo (assista abaixo). Os deputados foram deixando o prédio porque não gostavam no barulho provocado pelos veículos que passam na avenida em frente, paralela ao Eixão Norte. Aguardam por reforma há uma década.
Outro bloco na mesma quadra ficou totalmente desocupado neste ano. Mesmo vazios, esses dois blocos representam uma despesa anual de cerca de R$ 1,3 milhão com o pagamento de porteiros, faxineiros, água, energia elétrica e manutenção.
“Um privilégio inaceitável. Chega!”
O projeto de lei de autoria dos senadores Márcio Bittar (MDB-AC) e Eduardo Girão (PODE-CE), dois novatos na casa, propõe a venda dos imóveis residenciais de propriedade da União destinados à ocupação por deputados, senadores, ministros e procurador-geral do TCU. O caminho será a alteração da Lei 8.025/1990, que dispõe sobre a venda de imóveis da União no Distrito Federal.
A lei foi proposta pelo então presidente e hoje senador licenciado Fernando Collor (PROS-AL). O principal argumento era que não cabia à União o papel de imobiliária. Portanto, o número de imóveis funcionais deveria ser reduzido. Mas os imóveis ocupados por parlamentares e ministros do TCU foram excluídos do corte. Os dois senadores vão apresentar o projeto na terça-feira, dia 11, na companhia de outros colegas que apoiam a proposta.
Bittar lembra que os funcionais foram construídos quando Brasília foi criada porque não havia opções de moradia para parlamentares e outras autoridades. “Passaram-se décadas, e não se justifica mais. Não tem cabimento, em 2019, o Congresso Nacional administrar 500 imóveis funcionais a um custo operacional imenso. A Câmara não foi feita para administrar imóveis”, diz.
Ele justifica a venda: “sai muito mais barato pagar o auxílio-moradia do que manter apartamentos de 270 metros quadrados, com milhares de geladeiras, fogões, eletrodomésticos, enfim, toda uma parafernália que sai muito caro aos cofres públicos. Espero que o Congresso compreenda que já passou da hora. Isso também acaba gerando privilégios inaceitáveis. Qual brasileiro tem um apartamento de graça para morar de 270 metros? Isso não é um privilégio? Isso é inaceitável, chega!”.
Reforma milionária
O senador destaca que, recentemente, foi feita a reforma dos apartamentos da Câmara na Super Quadra 302 a um custo de R$ 120 milhões. A reforma estrutural recuperou 216 apartamentos. Foram derrubadas até as paredes de alvenaria. A imagem lembrava prédios bombardeados na Síria. Houve a troca das instalações elétricas e hidráulicas, além de portas e janelas, sendo mantida apenas a estrutura de concreto.
A Câmara quer recuperar mais nove blocos com 216 apartamentos, mas o custo da reforma de cada um fica em torno de R$ 700 mil, que exigiria mais R$ 150 milhões dos cofres públicos. A reforma de cada bloco custaria R$ 16,8 milhões. O Orçamento da Câmara dispõe de R$ 14,4 milhões para essa obra neste ano, mas a decisão precisa ser tomada pela Mesa Diretora. E parece pouco provável que o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) aprove o início dessa obra em tempos de déficit fiscal crescente.
Além da reforma estrutural de tempos em tempos, a Câmara e o Senado gastam cerca de R$ 21 milhões por ano com a manutenção dos imóveis residenciais, segundo dados apurados pelos senadores que defendem a venda. Os números não são exatos porque os gastos do Senado estão em contratos que abrangem não apenas os apartamentos funcionais.
Levantamento feito pelo blog no final do ano passado mostrou que apenas a Câmara gasta R$ 21,4 milhões por ano com os serviços de limpeza, vigilância, reparos, fornecimento de gás, reforma, manutenção de elevadores, seguro contra incêndio e até serviços de chaveiro e desratização. Metade do dinheiro é investido nos serviços de limpeza e conservação, portaria, zeladoria e garagem. São R$ 10,9 milhões por ano.
Administração dos imóveis é objeto de cobiça dos partidos
Bittar e Girão afirmam, na justificativa do projeto, que “não é razoável que toda uma estrutura burocrática, de recursos financeiros, humanos e informacionais seja destinada a lidar com o gerenciamento de imóveis funcionais”. Eles acrescentam que os cargos nas estruturas administrativas das duas casas “passam a ser objeto da cobiça dos partidos políticos, transformando-se em desarrazoado recurso de poder”.
Os dois senadores também lembram que o artigo 12 da lei que determinou a alienação dos imóveis da União estabelece que o valor apurado em decorrência da alienação será convertido em renda da União, cujo produto será, obrigatoriamente, aplicado em programas habitacionais de caráter social.
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