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“Queimar a floresta pra disfarçar o esgoto”

Por ANTÔNIO ALVES, PARA CONTILNET

Falta de assunto

Deixei passar duas semanas sem escrever. Tive outros compromissos, a inspiração me fugiu, não estava com a saúde ótima… poderia dar qualquer explicação -todas absolutamente verdadeiras- mas a mais simples é que não achei nenhum assunto interessante. Teve um, que quase me fez encarar a tela em branco, que foi a visita do ministro do mau ambiente ao Acre e as besteiras que andou dizendo, mas faltou-me a paciência. Agora, passada a contrariedade, resolvi fazer um breve comentário.

O sujeito vai passear nas margens do Canal da Maternidade, obra urbanística que todo morador da capital acreana saber ter nota dez em paisagismo e zero em saneamento. O antigo igarapé virou esgoto e o governo do Jorge Viana, quase vinte anos atrás, fez uma canalização, abriu ruas, construiu pontes e instalou um parque com, praças e árvores, tudo muito bonito, mas não fez o tratamento dos dejetos, que caem diretamente no rio Acre.

O tal ministro riu, gostou e repetiu a expressão do Senador Petecão, que disse ter suportado por muitos anos aquele “cheiro de merda”. Não seria nada de mais, se ele não tivesse atribuído a falta de saneamento à ex-ministra Marina Silva que, como todo acreano sabe, não foi prefeita, nem governadora, nem secretária e não tem nada a ver com o Canal. Mas o ministro precisava, de alguma forma, chamar a atenção e “atrair a marcação” para si, para ajudar seu presidente-capitão que estava passando vergonha internacional na reunião do G20, no Japão, por ter abandonado -na prática- os acordos internacionais de combate aos efeitos da mudança climática, permitindo e até incentivando o desmatamento na Amazônia.

O principal problema, entretanto, é que o ministro do mau ambiente é a pessoa menos indicada para falar de saneamento e contaminação dos córregos no Brasil. Quando era Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, ao invés de despoluir o rio Tietê, um dos maiores esgotos a céu aberto do mundo, tudo o que fez foi piorar a situação: adulterou mapas de zoneamento e do decreto que institui o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental Várzea do Tietê -para favorecer atividades danosas ao meio ambiente- e, por isso, foi condenado pela Justiça por improbidade administrativa. Isso certamente contou pontos a seu favor para ser nomeado garoto de recados dos ruralistas e das mineradoras, o ministro ideal para o governo do capitão.

Durante anos escrevi sobre esse assunto, que ficou mal conhecido como “meio ambiente” e virou uma encrenca no Brasil e no mundo. Por aqui, neste cantinho da Amazônia, até ensaiamos algumas soluções, com projetos inteligentes nascidos nas comunidades indígenas e seringueiras que, infelizmente, não foram devidamente apoiados e ampliados pelos governos. E incluo os governos dos quais participei, pois avalio que poderiam ter feito muito mais. Mas reconheço que a deficiência não é apenas dos governos”, é uma mentalidade dominante na sociedade “de consumo”. Por isso também perdi a vontade de escrever para quem não sabe, não gosta e não quer. Ainda faço algum comentário, mas só por teimosia.

O assunto é importante, malgrado as desinformações e o sofrível enquadramento conceitual já embutido na própria expressão, meio ambiente, que substituiu na linguagem moderna as antigas idéias de natureza e vida. Quando o ministro fala que a prioridade é cuidar do meio ambiente urbano, está apoiando os projetos de devastação das florestas e rios e, claro, sendo ele mesmo, que se candidatou a deputado usando o número de uma arma usada pelos fazendeiros para matar queixadas e “defender a propriedade”. O debate, antes econômico-político-social, agora foi empurrado para um nível abaixo da cintura. O Canal talvez seja a metáfora apropriada.

Daí que a teimosia não adianta, muito menos de um cronista da província, mero seringueiro das palavras. Na prática, o jogo está em andamento e as utopias da sustentabilidade estão perdendo de 7 a 1. O anúncio da irrelevância da floresta já foi feito e a licença para sua destruição já está dada, mesmo porque as leis não “pegam” quando ninguém defende sua aplicação. E a quem vamos nos queixar, ao Chapolin Colorado?

Mas ainda quero registrar uma lembrança para fazer um esclarecimento importante. É sobre essa tese, que dizem ser “da direita”, de que o ambientalismo -com seus anúncios de destruição da floresta e mudanças climáticas- não passa de uma tramóia internacional para atrapalhar o progresso do Brasil. Crianças, a direita não inventou isso sozinha, foi uma parceria com a “esquerda”. Quem não lembra do vovô Plínio, candidato do PSOL em 2010 chamando a Marina de “eco-capitalista”? Era a repetição de uma acusação antiga, que alguns companheiros faziam contra o Chico Mendes, a velha visão de que a defesa do meio ambiente desviava os trabalhadores da luta de classes. A desconfiança contra as Ongs estrangeiras que espionavam para o imperialismo e queriam criar áreas de proteção ambiental para controlar territórios e apropriar-se de riquezas na Amazônia. Lembram do Aldo Rebelo, presidente do PCdoB sendo contra a demarcação de Raposa Serra do Sol e outras terras indígenas?

Demorou até que os partidos da esquerda se dispusessem a aceitar as ongs e movimentos ambientalistas -e começassem o seu aparelhamento, é claro. A esquerda do Acre só começou a ganhar um certo charme para a esquerda brasileira depois do assassinato do Chico. A economista Maria da Conceição Tavares dizia que o Acre não era um estado, mas uma ong. E até hoje tem catedráticos da esquerda que são contra o desenvolvimento sustentável porque acham que é uma estratégia do capitalismo. O nacionalismo não é uma exclusividade da direita e até mesmo a superficialidade, a desinformação e a linguagem chula que ela usa tem, na sua origem, uma grande colaboração da esquerda.

Pronto, era isso, acabou o assunto. Chato, né? Vamos ver se daqui a alguns dias me lembro de alguma história mais interessante pra contar. Beijo, me liga.

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