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Como fazer um salário baixo render muito? 8 dicas de quem sabe viver com pouco

Por VALOR ECONÔMICO

Dois salários mínimos por mês. Foi com essa quantia que a profissional de serviços gerais, Maria José dos Santos, 56, conseguiu comprar terreno, construir a casa e mobiliá-la. Formou dois filhos em universidade particular e ainda ajudou cada um deles a comprar o primeiro carro.

Não aconteceu do dia para a noite. Mas a lista de conquistas é de dar inveja. Ela saiu de Alagoas para São Paulo aos 14 anos com a ideia fixa de melhorar de vida e realizar uma série sonhos. E não é que vem dando certo? Nos mais de 30 anos trabalhando na grande metrópole, conseguiu não só a casa própria, mas comprar um segundo imóvel.

Maria também viaja todo ano nas férias, empresta dinheiro para pessoas próximas e não deixa aniversário nem Natal passar em branco. Tem presentinho, sim. Já deu até uma máquina de lavar de presente. E nos dias em que não está de bem com a vida, se permite um mimo, uma blusinha, uma comida gostosa mais cara.

Claro que ganhar dinheiro é importante na hora de organizar as contas, viver sem dívidas e investir. Mas há pessoas, como a Maria José, que fazem pouco dinheiro render muito e mostram que ter uma vida financeira saudável e equilibrada vai muito além de um salário alto.

Não são acadêmicos ou palestrantes, mas gente comum que usa estratégias que dão certo e consegue viver com o nome limpo na praça. Mesmo com renda familiar de até dois salários mínimos por pessoa, eles saem com o saldo positivo todo mês. Não caem na lista de inadimplentes e nem recorrem a empréstimo. Tudo isso sem aplicações rentáveis ou milagrosas, apenas com o salário.

Henry, o ex-gastador convertido

Você está no vermelho e não sabe por onde começar? Num passado nem tão distante, o motorista de aplicativo Henry Costa, de 32 anos, estava com o nome sujo na praça.

Ele caiu na armadilha do rotativo do cartão de crédito, um dos juros mais caros do Brasil. As ligações do banco, de cobrança, eram constantes. Mas Henry se planejou e, em um desses contatos, abriu uma negociação para quitar a dívida. Sem “descobrir um santo para cobrir o outro”.

A estratégia foi juntar, aos poucos, o dinheiro necessário para pagar tudo de uma vez só e negociar o melhor desconto nas multas.

“Eu era mais jovem e achava que tudo podia passar no cartão de crédito e a fatura nunca ia chegar. Passei uma temporada morando com meus tios e meu tio me ensinou que para viver não precisa ganhar rios de dinheiro, mas precisa aprender a viver com o que se ganha”, lembra.

Depois disso, nunca mais se enrolou. Hoje paga pensão para um filho e sustenta os dois enteados e a esposa, que está em processo de mudança de carreira. Tudo isso ganhando de R$ 2 mil a R$ 3 mil por mês. A renda familiar não chega a um salário mínimo por pessoa.

“Quando entrei na Uber, entrei com carro alugado e o nome sujo. Quitei a conta que tinha pendente e comprei o carro. Tenho 48 meses pra pagar, mas vou quitar em 24 meses. Já consegui adiantar as parcelas. Eu sei que pagando adiantado, eu vou cortar muito juros”, afirma.

Com o trabalho no aplicativo, ele não tem as benesses do trabalhador CLT, como férias pagas e 13º salário. Mesmo assim, garante que, com planejamento, vai conseguir ficar longe do trabalho uns dias para viajar com a família ainda este ano.

Para Monique, menos é mais

O consumismo passa longe da casa da empregada doméstica Monique Rosa de Souza, de 30 anos. Ela adota um estilo minimalista e segue o lema do não deixar faltar nem sobrar. O guarda-roupas e a sapateira são enxutos. Só o essencial, sem acúmulos.

“Eu compro um par de tênis, quando acaba, compro outro. Só o básico mesmo. Não temos a vida social de sair todo fim de semana, comprar tudo que vemos ou gastar sem necessidade. Mas também não perco uma noite de sono com dívida. Me preocupo com relação à saúde dos meus filhos, mas dívida não”, conta.

Os dois filhos de Monique ainda estão em idade escolar e moram com o casal. Ela tem emprego fixo e conta com pouco menos de dois salários mínimos por mês. O marido é azulejista autônomo e alguns meses ganha até mais que ela. Em outros, nada.

Por isso, o controle mês a mês é fundamental para nunca precisar pedir empréstimo. Ela paga as contas fixas e ele, quando recebe, guarda para os momentos de instabilidade.

Quando Monique diz que tem o básico, não é viver necessitado. É ficar longe das tentações. A família tem carro, mora em casa alugada de dois quartos, com duas televisões, geladeira novinha e até uma máquina de lavar de 17kg (essas são mesmo mais cara que as menores).

Pessoas como Maria, Henry e Monique simplesmente têm talento na gestão das finanças pessoais. Mas não desanime se você não faz parte desta seleta minoria (foi difícil de achá-los até para fazer esta matéria). Ainda é tempo de aprender, e eles ensinam 8 lições para ter saúde financeira.

Dicas da Maria, da Monique e do Henry:

Crie uma reserva de emergência – Evite crédito e esteja pronto para imprevistos;
Pesquise, pechinche e compre – Já que tem de gastar, que seja com sabedoria;
Use o cartão de crédito e o parcelamento a seu favor – Aumente o poder de compra sem pagar juros;
Tenha um orçamento fixo equilibrado – As contas devem ser sempre menores que a renda;
Faça gastos inteligentes que tragam retornos – Existem compras que funcionam como investimentos;
Permita-se pequenos luxos – Ninguém é de ferro, não é mesmo?;
Estabeleça prioridades e objetivos – Diga não aos impulsos e mantenha o foco;
Arrisque – Há mudanças que vêm para o bem;

1. Crie uma reserva de emergência

Toda vez que o marido da Monique guarda o dinheiro que ganha do trabalho, ele está engordando a reserva de emergência. Imprevistos acontecem e é preciso estar preparado. Depósitos pequenos, de tudo que sobrar, até os troquinhos, são fundamentais para criar essa rede de segurança.

A Maria José guarda tudo que sobra pra construir a reserva. “É um valor que dá para ter em casa. Também tenho um valor para imprevistos que está na poupança. No fim do ano passado, abri um cofrinho que deu R$ 600 em moedas de R$ 1. Tem moeda até das Olimpíadas, que quando tiver valendo muito, eu vou vender”, diz. Em 2019, um novo porquinho ainda maior espera para ser abatido.

No caso do Henry, tudo que não usa para pagar as contas do mês vai para duas coisas: divertimento e fundo emergencial. “Todo mês eu separo um valor para o emergencial. Não é fixo. Mas separo um dinheiro que seria para mim, meu divertimento, e dessa porção, eu incluo uma parte de emergência”, afirma.

2. Pesquise, pechinche e compre

Comprar é preciso. Mas o importante é fazer os gastos com sabedoria, sem preguiça de pesquisar, nem vergonha de barganhar.

“A dica que eu tenho é estar antenado com o preço de tudo. Eu não tenho um local fixo para comprar, mas tenho preferência a comprar nos atacados, porque eles hoje também vendem varejo, e o preço é bem mais em conta. Só compro o necessário e o urgente”, diz Henry.

A Maria é negociadora. “Peço pra falar com gerente pra pedir desconto. Vou à loja do lado, no concorrente. É assim que a gente consegue. Com esses descontinhos, vai sobrando pra o cofrinho e pra fazer sua viagem de férias sossegada”, afirma. Ela também não perde os dias de promoção do supermercado e compra frutas e verduras com periodicidade na feira.

A Monique aconselha a planejar os gastos, fazer estoques para não precisar comprar emergencialmente e acabar pagando mais caro. Os produtos não-perecíveis, como café, açúcar e feijão, ela não deixa faltar e compra em fardos no atacado.

“Não pego a coisa tão inferior de qualidade. É uma questão de pesquisar. Fraldas descartáveis são super caras. Eu pesquisava nos grupos e às vezes eu pegava a Pampers pelo valor de uma mais barata. Quando entrava em promoção, eu comprava seis ou oito pacotes e deixava em estoque. Quando eu via que estava acabando, fazia um estoque de novo”, conta.

3. Use o cartão de crédito e o parcelamento a seu favor

Na época em que foi mobiliar a casa, a Maria José entrou na loja, escolheu tudo que queria, negociou um bom desconto e parcelou tudo no crediário. Sem juros e com parcelas que cabiam no orçamento, deixando folga para pagar as prestações e ainda separar um pouco para a reserva de emergência.

“Peguei promoção boa e parcelei em 10 vezes. Eu sempre calculo o valor da prestação e multiplico pela parcela pra ver se bate com o valor à vista. Não aceito pagar juros”, lembra.

A Monique explica que usa o cartão de crédito como um modo de adiar um pagamento. Jogar para o próximo mês algo que não consegue pagar à vista no mês corrente. Ela também divide as compras mais caras como fogão, geladeira. Mas só compra um objeto caro de cada vez.

“Quando termina de pagar, aí pode tirar o outro parcelado. Não duas coisas ao mesmo tempo”, explica. Monique mantém as prestações suaves.

O Henry também usa o cartão da mesma forma. “Quando é algo mais caro, eu parcelo no cartão. Hoje eu tenho um cartão com valor bem mais baixo de limite”, afirma. Ele também parcelou o carro que usa para trabalhar. Mesmo com seguro, juros e a manutenção, o veículo próprio sai mais barato que dirigir um alugado.

4. Orçamento fixo equilibrado

Um dos segredos para ficar no azul é separar um dinheiro para as despesas fixas. A porção do salário para pagá-las deve ser debitada imediatamente quando o pagamento chega, antes de qualquer projeto, investimento ou extravagância.

A Monique não deixa que a soma das prestações do cartão, gastos de alimentação, aluguel, água e luz ultrapassem o valor que ela ganha por mês. Nenhuma conta fixa deve ser maior do que o salário dela, que é a única renda 100% garantida no mês.

Para o Henry, de 60% a 70% do salário vão para as despesas já planejadas, como a pensão do filho, aluguel e luz. O restante vai para o fundo emergencial, gastos inesperados com cartão e lazer.

No caso da Maria, um dos “gastos” fixos é o dinheiro que separa para a reserva de emergência. É um compromisso mensal guardar esse dinheiro, como pagar uma conta. É sagrado tirar aquela fatia e colocar na poupança.

5. Compras e gastos que rendem dinheiro

Sabe aquele segundo imóvel que a Maria José comprou? É um sítio. Ela deu a entrada e o filho parcelou o restante. Mas o motivo não é só ter um recanto de lazer. Maria quer incrementar o pomar para vender frutas e verduras orgânicas. Por enquanto, ela distribui a pequena produção para amigos e família.

Depois de se aposentar, a ideia é se tornar empreendedora, no ramo de orgânicos ou em outro. Ela já está juntando mais um dinheiro para investir numa nova profissão. Outra boa compra que se tornou investimento foi a casa própria, já quitada. Hoje, ela não paga aluguel e consegue aproveitar melhor o salário do mês. É uma despesa a menos.

O carro do Henry é mais que um conforto. É investimento no trabalho. Ele leva muito a sério a manutenção do veículo. Trata-se de uma despesa planejada e prioritária no orçamento. “Tenho o carro como a empresa e me coloco como funcionário”, afirma.

O filho mais velho da Monique queria duas coisas: um celular e um curso de informática. Mas ela só podia pagar por um dos dois.

“Eu disse a ele que em vez de eu gastar com um celular, que ele vai deixar cair no chão e quebrar, poderíamos pagar o curso, que é um investimento no futuro. Ele não tem muito interesse de coisa de marca, gosta mesmo é de estudo. Então consegui fazer ele entender. Apertei aqui, apertei ali, e agora ele está fazendo o curso”, conta.

6. Permita-se pequenos luxos

A vida não pode ser só poupar e pagar conta. Mimos e momentos de lazer devem entrar no planejamento mensal. É preciso separar um dinheiro para proporcionar momentos agradáveis e compensar o esforço e estresse do trabalho.

A Monique diz que mesmo com toda a estratégia de corte de gastos sempre tenta fazer um bolo no aniversário das crianças. Ela também tem uma verba para levar os filhos ao parque aquático até três vezes no ano. O Natal é feito em vaquinha com os parentes, mas sempre uma ceia caprichada. Se sobrar um dinheiro, vai até ao salão de beleza.

A Maria José não fica sem viajar nas férias. Ela se permite comprar queijos artesanais na estrada, trazer lembrancinhas e, sim, fazer umas comprinhas se encontrar algo legal. Maria também gosta de presentear e se sente bem em fazer doações e pagar o dízimo na igreja. São gastos que fazem bem.

“Uma coisa que não tenho dó é de comida, não importa o valor. Não abro mão. Não passo vontade de comer uma coisa, independentemente do valor. Eu trabalho com pessoas que ganham até mais, mas não compram um salmão porque é caro. Eu vou comprar e eu tenho direito de comer porque tenho vontade”, diz.

Já o Henry não dispensa a pizza do fim de semana. Ele se dá ao luxo de não cozinhar e lavar louça. É o lazer, a hora do agrado, de reunir a família.

“As minhas besteiras eu nem penso em cortar, porque como a gente já trabalha muito, a gente deve fazer isso. É algo que dá pra cortar, mas eu não abro mão porque a rotina já é tão pesada. O cotidiano é tão cansativo”, afirma.

7. Estabeleça prioridades e objetivos

Guru das finanças comportamentais, o americano Dan Ariely diz que o desejo é o maior obstáculo da saúde financeira. Uma das maiores dificuldades do consumidor é conseguir separar o que é vontade e o que é necessidade.

A estratégia da Maria José é estabelecer metas de médio e curto prazo. São conquistas palpáveis que tornam o processo de renúncia um pouco mais tolerável. “Sempre trabalhei fora. Quando eu tinha rescisão, eu guardava. Nunca gastava, porque eu tinha o objetivo de ter minha casa própria. Eu tinha uma meta, então valia a pena fazer o sacrifício. A gente comprava o material de construção e guardava. Quando tinha uma quantidade que desse pra levantar as paredes, juntava o dinheiro e chamava o pedreiro”, lembra.

Para a Monique, é prioridade tudo que inclui os filhos, a casa e a família. O resto são acessórios que podem até ser comprados se sobrar algum dinheirinho. “Pelo que eu converso com as pessoas, as pessoas não se contêm. Acham que precisam de tudo daquilo (das propagandas). Mas você acaba passando sem aquilo. Aprendi muito que nem tudo a gente precisa. É mais psicológico do que a própria necessidade”, diz Monique.

O Henry tem aversão a pagar juros. Ele sempre pensa em meios para adiantar parcelas, comprar à vista e evitar as taxas. A prioridade é estar com as contas em dia. O motorista conta ainda que também avalia o quanto poderia ganhar se tivesse investido uma quantia em vez de gastá-la com itens supérfluos.

“O maior desafio é você entender que, às vezes, você quer comprar aquela coisa, mas de repente aquilo não é uma prioridade. A maior dificuldade é definir as prioridades. Eu me pergunto muito se eu quero ou se eu preciso de algo”, afirma.

8. Arrisque

Se tem algo que Maria, Monique e Henry têm em comum é a coragem de se arriscar por uma chance de algo melhor. Os investimentos que eles fizeram não foram no mercado financeiro, mas na carreira.

Pode ser uma coincidência, mas os três deixaram seus estados no Nordeste para vir pra São Paulo em busca de emprego. (Permita um momento de orgulho nordestino desta repórter cearense).

Embora nenhum deles tenha cursado faculdade, todos subiram na escada social se comparado aos seus pais. São bem-sucedidos no que se propuseram a fazer e sempre incentivam pessoas da família a se superar.

Henry, de Sergipe, largou o emprego fixo de manobrista para se tornar motorista de aplicativo, uma renda incerta, mas maior que a tinha antes. Esse arranjo e cortes no orçamento possibilitaram que a esposa dele pudesse deixar o trabalho de carteira assinada para virar autônoma. O rapaz entende que, a médio prazo, ela pode ganhar mais, quando se consolidar como manicure. É uma situação provisória.

Monique nunca teve dúvida de que não queria viver na pequena cidade onde cresceu na Bahia. Ela apostou nos próprios talentos na cozinha e em limpeza e veio para São Paulo com a ajuda dos irmãos mais velhos. Até hoje, nunca precisou de empréstimo e ainda ajuda gente da família.

“Como a gente já nasceu na dificuldade, você fica com medo de colocar a mão onde o braço não alcança. Por ter passado por isso, a gente fica reprimido, faz ter tanto medo de gastar”, diz.

A Maria também deixou a família em Alagoas para escrever uma nova história no Sudeste. Ela incentivou os filhos, que já nasceram aqui, a fazer vestibular. Mesmo sabendo o quanto as contas teriam de apertar para conseguir ajudá-los com a mensalidade. O sufoco foi temporário e hoje os dois ganham muito mais que ela e o marido.

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