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Confraria dos Últimos Românticos: A Camiseta Rosa

Por AMANDA BORGES, PARA O CONTILNET

Depois de separar cada roupa, dobrei cuidadosamente sem ter ideia do que fazer com aquela pilha de memórias.

Por um momento eu pensei em queimar tudo. Jogar fora.

Você já não é problema meu.

Só que a realidade é esquisita, como aqueles choques que a gente leva quando bate o cotovelo numa quina. E aí você se pega duvidando de tudo que sabe que tem razão.

Terça passada eu cheguei bêbada e peguei uma de suas camisetas pra dormir. Isso era algo que eu estava evitando a todo custo. Não usei nenhuma desde o que aconteceu, e você sabe que uma das coisas que mais gostava na gente era de poder usar suas coisas bonitas.

Eu estava evitando com todas as forças. Mas o álcool me subiu e eu não estava com filtros o suficiente pra evitar. Nem sei como – e na verdade só me dei conta na manhã seguinte – usei sua camisa rosa.

Eu tava tão desnorteada que a vesti ao contrário. E se não bastasse, primeiro a estampa estava pra trás, depois virei pra frente e, por último, notei que a camiseta na verdade estava do avesso. Mas era tarde. Fui dormir.

Depois de usar, e saber que seria a última vez e que trataria de me manter longe das suas coisas, eu lavei.

Hoje estava em cima da minha cama, junto com tantas outras peças que você já me viu usar milhares de vezes. Eu peguei e quase pendurei como sempre fiz, junto com as minhas blusas.

Mas tive que separar ao lado das minhas coisas, no canto que era seu. Ali está tudo que ainda não foi. Entre cada peça talvez eu tenha tentado enfiar um pouco desse amor, pra quem sabe ele ir embora também.

Ah, se funcionasse assim…

Eu peguei a camiseta amassada, e busquei o seu perfume nela. Só veio o cheiro do meu amaciante. Tudo bem. Só mais uma vez, ninguém está vendo.

Nada.

Um grande vazio de cheiros. Você não está lá nas suas roupas, ou em lugar algum. Talvez ainda aqui dentro, mas não sei por quanto tempo. Todo dia tento te matar um pouco.

Agora sim, a camiseta já limpa está no seu lugar correto. Na parte que lhe convém, no amontoado de momentos que estão partindo em breve. Vai ficar só eu.

Eu vou ficar só.

Você vai encontrar as suas roupas, e eu estou tentando me encontrar. Estou tentando ser gentil comigo, já que a vida não foi… pena que nem sempre dá.

A gente tem a mania de querer demais num tempo de menos. Eu quero ficar bem, mas hoje não é o dia certo pra isso.

Um deslize foi o suficiente pra essas gotas gigantes caírem dos meus olhos. Amanhã é outro dia, outro dia lidando comigo, e por sorte estarei usando as minhas próprias roupas.

Vou ter que reaprender a usar só elas.

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