Nascido e criado e criado no Rio de Janeiro, o coronel reformado do Exército Lauro Ferreira de Melo, de 56 anos de idade, se julga um quase nordestino – é filho de pernambucano. Por isso, graças à ocupação do território acreano no início do século passado, por centenas de milhares e nordestinos, incluindo o Pernambuco de seu pai, ele já se julga um pouco acreano.
Trata-se do novo diretor-presidente da Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre), o principal hospital de clínicas do Estado, um dos três coronéis reformados do Exército trazidos pelo governador Gladson Cameli para auxiliarem na tarefa de melhorias na gestão do sistema de saúde do Estado.
Lauro Ferreira de Melo diz que já se sente à vontade no Acre -Estado que já conhecia desde os tempos em que era militar da atividade do Exército, trabalhando em missões nas áreas de fronteira, e acha que em muito poderá ajudar o Governo na missão que lhe foi confiada. Afável, ele não faz a linha dura dos demais coronéis trazidos para o Acre para atuar na gestão de saúde.
Recebeu a reportagem do ContilNet para a entrevista a seguir:
Vamos começar esta entrevista perguntando o óbvio: quem é o senhor e de onde veio?
Lauro Ferreira de Melo – Eu sou coronel aposentado do Exército desde 2016 e de lá para cá venho trabalhando na gestão pública hospitalar, primeiro dentro do Exército e depois como voluntário na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Esta é minha primeira ligação com a gestão em saúde, mas eu também sou administrador com especialização nesta área. Tenho mais de 20 anos com gestão pública em saúde.
Como é que o senhor recebe as críticas de pessoas, de acreanos por certo os mais xenófobos, que questionam o fato de coronéis aposentados, como o senhor, e de fora do Estado, estejam vindo para cá para o exercício de cargos importantes como este que o senhor ocupa, o de presidente da Fundação Hospitalar do Estado?
O que eu posso dizer é que não vim para cá por ser coronel. Vim porque tenho experiência em gestão hospitalar. Apenas, por acaso, eu fui do Exército e já não trabalho para o Exército desde 2016. Essas críticas, me parece, se tornaram mais ácidas por causa dos atritos que ocorreram entre o coronel Rezende (o secretário adjunto de Saúde) e sindicalistas. Eu não posso responder por ele, mas ele tem um currículo parecido com o meu. Há mais de 20 anos trabalhamos na gestão de saúde.
E ele é brabo mesmo como os sindicalistas que bateram de frente com ele durante a greve da saúde andam dizendo?
Não, quem está dizendo isso, não conhece o coronel Rezende, que é um homem correto e muito educado.
E o senhor, se estivesse naquela greve lá na sede da Secretaria de saúde, teria agido como ele?
Não sei. Cada um tem um comportamento. Mas a situação ali era de tensão, alguém tentando invadir um prédio público com fins que não me pareciam pacíficos. Como gestor e como militar, creio que ele decidiu fazer cumpri r a lei de que bens públicos precisam ser preservados. Penso que temos que respeitar o direito de greve, que é um direito dos trabalhadores. Mas, na mesma medida, é necessário que quem está à frente de movimentos grevistas tem que respeitar o bem público e a integridade das pessoas que não querem participar do movimento. Isso é constitucional.
E se a greve continuar e os grevistas vierem ocupar o Hospital do qual o senhor é dirigente qual será seu comportamento?
Em toda greve é necessário que se respeite um percentual mínimo para os atendimentos. Aqui não seria diferente. Eles poderiam vir, seriam respeitados, mas o hospital teria que dar continuidade às suas demandas mais urgentes. Isso também é lei. Se ocorresse a mesma coisa aqui, por ser um órgão de âmbito estadual, nós iríamos chamar as nossas forças estaduais para garantir a ordem, para fazer com que o hospital funcione. A gente tem que respeitar o movimento grevista. Eles têm a liberdade de fazerem o movimento, mas dentro da lei. A pessoa que precisa de atendimento também precisa ser respeitada, por todos nós cidadãos. Não podemos proibir a manifestação trabalhista, mas nenhum cidadão tem o direito de coibir o atendimento a um paciente.
É certo que o senhor está aqui há pouco tempo, mas já deve ter sentido qual é o principal gargalo do sistema de saúde do Estado, a tal cabeça de burro da qual um dia falou o governador. Qual é, na sua avaliação?
É necessário que, primeiro reconheçamos que tais problemas não surgiram em 2019. Isso não é verdade. Os problemas estão acumulados faz muito tempo. Só para a gente falar de números, em 2018, de restos a pagar, que o Estado tem a obrigação de pagar, são mais de R$ 9 milhões. Entre tudo, o buraco é de quase R$ 12 milhões. Em 2017, a dívida era de pouco mais de R$ 1, 6 milhão. Mas em 2018, isso saltou para mais de R$ 9 milhões. Então é um buraco muito grande
O que causou essa dívida em 2018? O que foi adquirido, o que o hospital fez para que a dívida saltasse de R$ 1,6 mi num ano e ano seguinte chegasse a quase R$ 10 milhões. É coincidência que o ano de 2018 tenha sido também de eleições?
As despesas aconteceram, foram reconhecidas e foi dado um empenho com o orçamento necessário para cobrir a despesa. São despesas de equipamentos, aquisição de gás, com fornecedores. Cada analista ver a questão como quer. Eu não estou dizendo que tais dívidas têm a ver com o calendário eleitoral, mas também estamos auditando esses contratos.
Então o maior problema da Fundação Hospitalar hoje são essas dívidas? É um problema financeiro?
Um deles é financeiro. Mas o que a gente precisa agora é consertar erros que vêm desde 1989, quando a Fundação foi criada. Desde esta época, a Secretaria de Saúde apadrinhou pelo menos quatro unidades de saúdes que seriam da responsabilidade da Fundação Hospital – hospitais do interior, como o de Plácido de Castro e a Upa do Tucumã. Com isso, a secretaria de Saúde passou a focar mais na Capital e deixou de olhar para o interior, como Estado. Isso é a causa de muitos problemas, porque a Fundação Hospitalar tem que olhar para a Capital e para esses núcleos como do Tucumã e outros, enquanto a Secretaria de Saúde seria mais global, mais estadual. Aqui nós atenderíamos pessoas que venham do interior para atendimento mais específico. É só uma questão de regulação porque a Fundação Hospitalar, no seu organograma, não é subordinada à Secretaria de Saúde. É uma Fundação que presta serviços à Secretaria de Saúde e deve receber por isso. À medida que a Secretaria de Saúde faz o serviço que seria da Fundação Hospitalar, ela também deixa de pagar a Fundhacre.
O governador chegou a dizer, em relação à administração anterior, que repassava a média de quase R$ 100 mil por dia à Fundhacre e o hospital não contratava sequer pessoal, que utilizava a mão de obra da Sesacre. Para onde iria esse dinheiro?
A verdade é que a Sesacre paga por serviços prestados pela Fundhacre mas não chega a R$ 3 milhões por mês. É menos. Agora, quando deixarmos as coisas como devem ser, esse valor vai aumentar, porque aumentaria nossa prestação de serviços à Sesacre. Vamos poder aumentar o número de cirurgia. Aliás, já estamos aumentando o número de salas de cirurgias. Temos oito, trabalhamos com quatro e estamos instalando mais duas. Até novembro queremos chegar a 12 salas, com médicos, anestesistas, enfim, com todo o corpo técnico em cada sala.
E aqueles serviços de transplantes, de rins, de fígado e córnea, que vinham sendo feitos, vão ser mantidos? O dr. Tersio vai continuar vindo ao Acre fazer os transplantes de fígado e cirurgias abdominais?
Não sei se os serviços vão ser mantidos com esses nomes, com as mesmas pessoas. O que posso dizer é que esses serviços vão ser mantidos e ampliados. Nossa grande preocupação hoje é a traumatologia, cujos casos acontecem todos os dias aos milhares e temos que dar respostas às cirurgias necessárias. Ao mesmo tempo, nos preparamos para respondermos ao tratamento oncológico aqui mesmo, sem a necessidade de o paciente ser mandado para fora do Estado.
E como isso será possível? Há equipamentos aqui para serviços de quimioterapia?
Há, sim. Só não funciona. Estamos trazendo um engenheiro do Ministério da Saúde para que ele possa instalar o equipamento e as pessoas, principalmente aquelas do interior, possam, fazer o trabalho de quimioterapia aqui mesmo, ao lado dos amigos e familiares. Cremos que, no máximo, em novembro a gente já possa fazer este atendimento aqui.
A propósito de falar de atendimento aqui no Acre, o senhor já conhecia o Acre?
Sim, como oficial de inteligência do Exército, cumpri missão no Acre, nas áreas de fronteira. De alguma forma, já conhecia aqui, mas fazia uns 8 anos que não andava por aqui.
E como o senhor travou contato com o governo e com a secretária de saúde para vir tomar conta de uma área sensível como o Hospital da Fundação Hospitalar?
Creio que, quando era gestor da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas eu vivia em Brasília batendo às portas do Ministério da Saúde. Das muitas santas casas do país, a nossa era sempre muito bem atendida graças, me disseram, à minha insistência no Ministério. Minha fama de bater nas portas deve ter chegado ao conhecimento dos gestores da saúde e daí o convite para que eu viesse.
O que o senhor está achando do Acre?
Olha. Eu sou filho de Nordestino. Nascido e criado no Rio de Janeiro, mas filho de Pernambuco e carrego toda a tradição nordestina. Por isso, já me identifiquei com os acreanos de cara e já me sinto um acreano. Até o meu CRA (Conselho Regional de Administração) eu já trouxe para cá. Estou aqui para ajudar e a servir a população deste Estado. Sei que há muito o que fazer, mas, pela minha formação militar, nunca fui de fugir de desafios. Nós vamos melhorar o atendimento da Fundhacre e ampliarmos o número de cirurgias. E antes de mais nada eu sou brasileiro e o Acre é um pedaço do meu Brasil.
O senhor diria que vai acabar com as longas filas de espera por cirurgias?
Acabar eu não diria, porque elas sempre vão existir, principalmente aquelas cirurgias que não são de emergências, em que o paciente pode esperar por não ser caso de morte. Mas vamos diminuir esses números e o tempo de espera do paciente. Nenhum paciente pode ficar esperando um ou dois anos para ser chamado para uma cirurgia. Isso nós vamos acabar.