O acreano Sansão Campos Pereira, falecido em dezembro de 2014 aos 106 anos de idade, cujas telas produzidas por suas talentosas mãos de artista plástico de estilo único e incomparável percorreram o mundo, sepultado na cidade onde viveu a maior parte de sua longeva vida, o Rio de Janeiro, deve estar se remexendo no túmulo. Pintou milhares de telas, que estão distribuídas em residências, coleções particulares, Igrejas, Palácios e Museus, mundo afora. Tinha predição por pintar quadros tendo como motivos o mar, navios e caravelas, além de retratar cavalos com tamanha maestria que as imagens parecem reais.
É autor, por exemplo, da tela que enfeita o Palácio Rio Branco, a sede do Executivo estadual, no centro da Capital, com o chefe da Revolução Acreana, José Plácido de Castro, montando um majestoso cavalo branco – evocando a guerra dos brasileiros do Acre contra os bolivianos, numa época em que cavalos ainda não faziam parte da selvagem paisagem local. Por aqui, na época, pastavam no máximo alguns burros e jumentos trazidos do Nordeste em navios pelos seringalistas mais abastados.
Mas, na imaginação do artista, o comandante da vitoriosa Revolução que permitiu a anexação do Acre ao território brasileiro, era digno de um cavalo belo e do porte daquele pintado em sua tela – um cavalo branco como o de Napoleão e de outros chefes militares que fizeram história e povoam a imaginação da humanidade ao redor do mundo. No entanto, isso é assunto para a outra história. A que se pretende contar aqui é a de Sansão Pereira, também engenheiro elétrico e PhD em Física nos Estados Unidos, o cidadão mais ilustre da cidade acreana onde ele nasceu, Capixaba, a 77 quilômetros de Rio Branco.
Nascido num seringal, o Capatará, mais tarde incorporado ao território do município elevado a esta condição, em 1992, no governo Edmundo Pinto, menos de um mês antes do assassinato do governador num quarto de hotel, em São Paulo, se remexeria no tumulo se soubesse o que está acontecendo na terra que lhe serviu de berço.
Os conterrâneos de Sansão Pereira estão estimados em 11.136 habitantes, instalados numa área de 1713,412 km²- uma densidade demográfica de 6,5 hab./ km². Ali praticamente toda a população, entre inocentes e culpados, está em polvorosa. Os inocentes temem pelo futuro, já que o município, há meses, está paralisado, sem realizar sequer a prestação de serviços básicos, como a coleta de lixo ou a capina de ruas. Por isso, a cidade, desde o centro até os seus outros quatro bairros (Conquista, Paraíso, Quixadá Amorim e Loteamento Edsom Barbosa), parece abandonada.
A maioria dos funcionários públicos passa o dia nas repartições sem fazer nada pela prosaica razão de que no município, paralisado e numa espécie de compasso de espera, não há nada para fazer. A não ser esperar. E temer. Aliás, os servidores públicos, como de resto a cidade, o que mais fazem é comentar o assunto que está na ordem do dia: a possibilidade de prisão dos acusados de promoverem uma espécie de “festival de laranjas”, com a nomeação de várias pessoas cujos salários não chegavam a elas e eram desviados por pessoas ligados ao prefeito Antônio Cordeiro da Silva, o “Joãozinho”, também conhecido por “O Bode”. O caso é objeto e uma investigação da Câmara Municipal, que já ouviu algumas pessoas, algumas das quais também já caracterizadas como delatoras na Policia Federal. O que era apenas conversa de bastidores, por conta disso, virou um escândalo e fez aumentar o temor de prisões na cidade.
A propósito, o próprio prefeito não esconde o temor de que possa vir a ser preso numa futura e possível operação da Polícia Federal, cujas ações, nesses casos, costumam acontecer ao raiar do dia. “O prefeito já não dorme e quando sabe que vai ser vencido pelo sono, dorme fora da cidade”, disse uma fonte do ContilNet no município.
O temor do prefeito tem razão de ser. Ele é o vice-prefeito do prefeito afastado José Augusto, há 13 meses fora do cargo por decisão judicial, acusado de vários crimes contra a administração pública num processo em que o Tribunal de Justiça do Acre, através do desembargador Laudivon Nogueira, o mesmo que o afastou, julgou-se incompetente para julgar e processar os envolvidos. Com isso, o processo subiu para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, o que suscitou a possibilidade do retorno do prefeito ao cargo. Vereadores aliados do prefeito afastado, incluindo o presidente da Câmara Municipal, Richard de Oliveira de Souza (PSDC), até cogitaram, depois disso, realizarem uma sessão na qual reempossariam o prefeito, mas foram desaconselhados pela banca de advocacia que defende José Augusto.
Com isso, “Joãozinho” ou “O Bode” segue no cargo, mas estaria praticando os mesmos crimes – ou mais graves – atribuídos a José Augusto. Ele está com tanto medo de ser preso que, há duas semanas, foi o personagem principal de um drama que retrata bem a situação vivenciada hoje em Capixaba: o helicóptero Harpia 1, do Governo do Estado, vindo de uma localidade isolada do interior do Acre e precisando de um abastecimento para poder chegar a Capital, pousou no município, num campo de futebol. Enquanto um veículo de apoio se deslocava para o local levando o combustível ao helicóptero, o prefeito em exercício e parte de seus assessores fugiam da cidade em vários veículos e em alta velocidade, rumo às matas da zona rural do município, com ares de desesperados. Uma cena hilária e dramática. Só reapareceram quando foram informados de que o helicóptero havia decolado e que quem estava a bordo não eram agentes federais.
Mas o medo é visível, quase palpável, em toda Capixaba. Coisa que a memória do ilustre capixabense Sansão Campos Pereira não mereceria.