Hoje cobiçado, Tiago Nunes ganhou 1º título no Acre em “carreira sofrida”

“Futebol é um esporte de resistência, você tem que seguir, que uma hora vai dar certo.”

A frase acima é de Tiago Nunes, técnico que hoje completa seu centésimo jogo no comando do Athletico, seu primeiro time na elite do futebol brasileiro. Antes de chegar a um dos times mais bem estruturados do país para se sagrar já um campeão continental (Copa Sul-Americana do ano passado) e também nacional (Copa do Brasil deste ano), trabalhou em diferentes funções e nas mais diversas condições, categorias e localidades.

Qualquer que seja o resultado diante do Fluminense no Maracanã, Nunes é um dos poucos técnicos com o privilégio de não ter seu cargo em risco, fato raro no futebol brasileiro em um campeonato no qual apenas cinco clubes seguem com o mesmo treinador desde o início da competição, um deles é o próprio Athletico.

Nunes chegou ao Athletico em 2017 para comandar o time sub-17, assumiu o sub-23 e levou o time ao título paranaense de 2018 e conseguiu seu espaço no segundo semestre do mesmo ano com a queda de Fernando Diniz. Ainda assim, só foi efetivado como técnico do time principal em janeiro de 2019, depois de já ter vencido a Copa Sul-Americana.

Hoje tem seu nome ventilado a cada nova demissão de treinador no futebol brasileiro, além de sondagens de equipes do exterior. Se o momento é promissor, a frase que costumava dizer ao amigo Tarcísio Pugliese, de quem foi auxiliar técnico e preparador físico o faz lembrar situações não tão prósperas de quando correu o Brasil profundo atrás do sonho de ser treinador de futebol.

O Tiago tem uma carreira muito sofrida como treinador. Teve oportunidades muito ruins, mas falava que o futebol é um esporte de resistência, que você tem que seguir que uma hora vai dar certo. Hoje, sem dúvida, é a maior prova disso. Quem conhece a carreira dele sabe o quanto ele resistiu pra chegar nesta situação que ele está hoje”, disse Tarciso Pugliese, atual treinador do XV de Piracicaba e amigo pessoal.

Futebol do Brasil profundo

Tiago Nunes, campeão acreano oito anos antes da Sul-Americana - Notícias do Acre

A distância entre Santa Maria, cidade-natal de Tiago Nunes, e Curitiba, onde treina o Athletico é de 793 km, mas no caminho entre seu início como preparador físico no Internacional de Santa Maria, em 2003, até assumir o comando do clube paranaense, o treinador percorreu 32.912 km, com passagens por outros 20 clubes e 19 cidades.

Graduado em Educação Física pela Universidade de Santa Maria, Nunes iniciou seu trabalho na própria cidade onde nasceu, mas é o único treinador entre todos os que comandaram até agora os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro em 2019 a ter trabalhado em todas as regiões do país. Supera até mesmo os mais experientes Abel Braga, Geninho, Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo, que nunca trabalharam no Norte, além de apenas Geninho e Felipão terem atuado no Centro-Oeste.

Se no Rio Grande do Sul, os trabalhos de Nunes nos maiores clubes ocorreram apenas nas categorias de base, ele desempenhou diferentes funções passando por Rio Branco, no Acre, Manaus, no Amazonas, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, Ipameri, em Goiás, além de Bacabal, no Maranhão.

“Na época era um cara muito sonhador. O incrível é que ele consegue fazer o time dele sem estrelas. Então na época ele achava que tinha bons jogadores, que daria para gente ser campeão, sim. Ele nunca exigiu que queria determinado jogador. Pelo contrário. Ele é um treinador de muita fé, disse Natal Xavier, presidente do Rio Branco quando Nunes levou o time ao título acreano de 2010.

Embora tenha feito sua primeira atuação como treinador no Esporte Clube São Luiz, em 2005, onde conquistou a divisão de acesso do Campeonato Gaúcho, os trabalhos seguintes de Tiago Nunes como treinador ocorreram alguns anos depois, nas passagens pelo Luverdense, no Mato Grosso, e o Rio Branco, no Acre.

Antes de se firmar como treinador, ele mesclou as funções de preparador físico e auxiliar-técnico quando trabalhou no Bacabal, do Maranhão, e no Nacional, do Amazonas, onde passou um curto período e conheceu as dificuldades do trabalho em um calendário diferente do encontrado nas regiões Sul e Sudeste do futebol no Brasil.

“Aqui a gente tem o calendário curto, então sabe como é: trabalha somente aquele espaço e termina assim. Alguns jogadores a gente consegue ajudar com algum percentual, mas outros não, eles são liberados para outros clubes e o Tiago não ficou por esse motivo”, lembra Gilson Motta, que era diretor do Nacional de Manaus em 2011.

O lado general

Tiago Nunes durante passagem pelo Mato Grosso, dez anos atrás - Arquivo pessoal

Embora aparente um semblante calmo, Tiago Nunes não foge da característica de diversos outros técnicos do Rio Grande do Sul e é citado como disciplinador por quem trabalhou com ele ao longo da carreira.

Maico Gaúcho foi um dos jogadores comandados por Nunes durante sua passagem pelo Luverdense e lembra bem da disciplina que era imposta pelo atual comandante do Athletico. “Sempre foi um cara muito centrado, muito rígido várias vezes. O perfil dele na verdade aqui no Luverdense era estilo quartel. Ele é firme demais, mas super transparente, honesto”, lembra Maico.

“Ele tinha uma leitura boa de jogo e ele é um cara que conseguia unir o grupo. Ele passava competitividade, mesmo no aquecimento nos trabalhos de força, de posse de bola, então ele já tinha um perfil de um cara que de uma hora ou outra podia vencer na vida”, disse Maico Gaúcho, ex-jogador do Luverdense.

As regras impostas por Nunes não causavam problemas entre os jogadores, segundo relata Maico, que explica como o treinador tinha preocupação nos detalhes do time. “O lanche é as 22h e era 21h59, ele não deixava o cara comer. Tinha que dar as 22h, então ele era um cara metódico no trabalho, creio que não deve ter mudado muito, mas ele sempre foi parceiro”.

Não apenas os jogadores que foram treinados por Tiago Nunes, mas também os dirigentes que o contrataram lembram sua cobrança pela perfeição. “Ele sempre foi um dedicado, cobrador e incentivador, era ele buscando a perfeição o condicionamento físico dos jogadores, ele era um vencedor”, afirma Francisco de Assis Rodrigues, presidente do Bacabal, que também exercia a função durante a passagem do então preparador físico, em 2007.

Missão: técnico

Zagueiro sem sucesso no futebol, Tiago Nunes começou sua carreira em comissões técnicas tendo um objetivo claro: ser treinador. E ele nunca fez nenhuma questão de esconder suas aspirações, além de não se deixar abalar pelos percalços, como a falta de estrutura de clubes, a constante troca de cidades e os resultados de seu trabalho.

“No Maranhão como a gente criou uma proximidade, ele já demonstrava a intenção de virar treinador nos confidenciando desta situação e acabou acontecendo”, lembra Serginho, ex-zagueiro e atual dirigente do Santa Cruz-RS, que trabalhou com Nunes quando ele era preparador físico do Bacabal, no Maranhão.

Atual treinador do XV de Piracicaba, Tarcísio Pugliese é amigo pessoal de Tiago Nunes e o teve como o teve como auxiliar em outras escalas durante a carreira. Ele cita a persistência do colega até conseguir atuar como técnico de futebol. Um dos clubes em que trabalharam juntos foi o Novo Horizonte, de Ipameri (GO), em 2008. Foi lá que o atual treinador do Athletico conheceu o ajudante de roupeiro Bruno Cunha, então com 16 anos, e falou sobre seu objetivo de ser técnico, enquanto o jovem pretendia ser jornalista. Eles se reencontraram este ano antes do jogo entre Athletico e Goiás, em Goiânia, pelo Campeonato Brasileiro.

“Eu tive uma conversa onde ele perguntou o que eu queria ser. Eu tinha 16 anos e eu falei que eu queria ser jornalista e ele falou que queria ser treinador de futebol. Anos depois nós nos encontramos pessoalmente aqui em Goiânia. Tenho até esse vídeo onde gravei um depoimento dele, nós gravamos juntos, e ele fala: ‘Olha, o Bruno era o ajudante do roupeiro e está aqui um cara que é exemplo de vida’. Nisso o Tiago falou que queria ser treinador. Anos depois fui reencontrá-lo e disse: ‘Você está como treinador e eu como jornalista hoje'”.

As diversas escalas na trajetória de Tiago Nunes - Arquivo pessoal

Demissão a pedido do prefeito

Ainda atuando como preparador físico, Tiago Nunes chegou ao Bacabal, no Maranhão, para trabalhar com o treinador Luís Carlos Winck, ex-lateral direito clubes como Internacional, Grêmio, Flamengo e Corinthians, além da seleção brasileira. O trabalho andava bem, mas Nunes e Winck perderam o emprego depois do pedido de um prefeito.

“Em 2007 o time estava voando com três vitórias seguidas e o prefeito pediu pra eu tirar ele. Eu disse: ‘Mas, rapaz?’. E o prefeito disse: ‘Presidente, eu sei que você entende de futebol mas?’. Na verdade, o prefeito queria ganhar a eleição e aí a torcida pediu pra tirar o cara (Luis Carlos Winck) só porque o cara estava escorado, vamos dizer assim, no estado. Eu tive que tirar”, conta Francisco de Assis Rodrigues, presidente do Bacabal.

“O prefeito realmente queria ganhar a eleição. Ele investiu e nós ganhamos esse campeonato com R$ 1,2 milhão. A gente só viajava com ônibus bom, o Tiago sabe disso. Era com hotel bom, tinha salário de jogador de R$ 12 mil, R$ 15 mil, o treinador ganhava R$ 19 mil, tinha Yan, Sorato (ex-Vasco), tinha Donizete Tamborim, só que essa época do Tiago em 2007 o time era mais inferior, quase caseiro”, completa o dirigente.

Rebaixado de cargo após título

Tiago Nunes conquistou seu primeiro título como técnico no Campeonato Acreano de 2010, pelo Rio Branco. Ele atuava como auxiliar de Tarcísio Pugliese no Luverdense quando o treinador recebeu uma proposta do clube do norte do Brasil e só poderia ir no encerramento do contrato, abrindo então a oportunidade para que Tiago treinasse o time.

“O Tiago foi como treinador para o Rio Branco-AC até o final do estadual e aí no Brasileiro da Série C eu iria para o Rio Branco e ele voltaria a ser o meu auxiliar, então o primeiro time de verdade como treinador foi nesta situação, no Rio Branco do Acre, onde ele foi campeão, foi antes de mim e depois voltou a trabalhar como meu auxiliar, isso foi tudo acertado antes”, conta Pugliese.

Presidente do clube acreano na época, Natal Xavier lembra que Tiago demonstrou o interesse de seguir como treinador, mas acabou aceitando a condição de voltar a trabalhar como auxiliar de Tarcísio.

“O Tiago veio, ganhou o campeonato acreano em 2010 e na época o Tiago já falava em estrutura, que ele teria um projeto, fazer uma estrutura para o clube e tal e quando terminou ele foi campeão e ele me perguntou e disse, e aí presidente? Como quem diz assim, ‘pô, eu sou campeão’. E eu falei pra ele, ‘olha, uma coisa que eu primo muito é a minha palavra, eu tenho a minha palavra com o Tarciso e o Tarciso vai ser o treinador e você vai continuar sendo o auxiliar técnico’. E ele falou ‘então, sem problema'”, conta o dirigente.

Qual o próximo passo de Tiago Nunes?

Athletico-PR de Tiago Nunes teve grande ascensão após parada para a Copa em 2018 - Gabriel Machado/AGIF

Campeão da Copa Sul-Americana e da Copa do Brasil, além de ter contribuído na projeção de jogadores como Renan Lodi e Bruno Guimarães, Tiago Nunes é um dos nomes cobiçados pelo mercado para 2020 e não aceita nenhuma oferta antes de encerrar a atual temporada no Athletico.

Neste ano ele já foi citado como opção nas quedas de Cuca, no São Paulo, Odair Hellmann, no Internacional, e Rodrigo Santana, no Atlético-MG. Já houve rumores até sobre um possível interesse do Corinthians, atualmente comandado por Fabio Carille. O treinador também já foi sondado por outros mercados como Emirados Árabes e México.

Contratado pelo Athletico até o final da temporada e com um salário dentre os mais baixos da elite do futebol brasileiro, Tiago Nunes aguarda a negociação com o clube para definir se fica para a Libertadores 2020 ou se buscará um novo clube para sua carreira.

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