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Novidades na Netflix: 9 gêneros, 9 filmes exemplares

Por VEJA

Comédia:

A Incrível Aventura de Rick Baker

O gordinho e mal-humorado Ricky (Julian Dennison), me ganhou de cara: quando a assistente social o despeja na casa dos seus novos pais temporários avisando que Ricky é “um caso perdido”, apoiei integralmente o ar de tédio e indiferença dele: o que mais fazer? Tentar parecer uma criança encantadora? Não, claro. Numa situação dessas, só resta fingir que não se está nem aí para preservar alguma dignidade. Mas sua nova mãe, Bella (Rima Te Wiata), não é boba. Também ela saca que Ricky está só se defendendo, e entra no jogo dele. Toda noite, Ricky foge (ele avisou que ia fazê-lo). Como a casa fica no meio do nada e ele não é lá muito atlético, Ricky anda uns 200 metros e fica no mato esperando Bella ir persuadi-lo a voltar, com promessas de bacon e panquecas. Ricky e Bella se adoram. Hec (Sam Neill), o marido de Bella, não adora coisa nenhuma. Só olha os dois, grunhe e vai caçar algum bicho. E então algo acontece, Ricky e Hec se veem sozinhos e, por razões que não convém revelar, têm de fugir, sobrevivendo juntos na floresta e se escondendo de todos. É muito bem escrito e absolutamente delicioso: o diretor Taika Waititi, agora mais conhecido por Thor: Ragnarok, tem o dom de pegar clichês e virá-los do avesso, para transformá-los em algo novo, e consegue ser também tocante de uma maneira muito digna e discreta. Em tempo: ele acaba de estrear, lá fora, JoJo Rabbit, sobre um pequeno nazista tristinho cujo amigo imaginário é Adolf Hitler – e dizem que é genial.

A Incrível Aventura de Rick Baker

Romance:

Simplesmente Amor

Daquele seu jeito meigo, o diretor/roteirista Richard Curtis, de Quatro Casamentos e Um Funeral e Yesterday, põe em cena umas duas dezenas de personagens cujas histórias se entrecruzam em Londres: há um casal de meia-idade (Emma Thompson e Alan Rickman) cuja harmonia é ameaçada pelas investidas de uma secretária fogosa, um escritor (Colin Firth) que vê na empregada portuguesa a cura para a dor da traição, dois dublês de cenas de sexo que flertam timidamente, um viúvo (Liam Neeson) que ajuda o enteado nos passos do primeiro amor e uma moça infeliz (Laura Linney) que curte uma paixão secreta por um colega de trabalho (Rodrigo Santoro), um rapaz (Andrew Lincoln) que está naquela dor-de-cotovelo por causa da noiva de seu melhor amigo (Keira Knightley). Há até um primeiro-ministro solteirão (Hugh Grant) que só consegue pensar nas curvas da sua copeira, a ponto de arrumar, por causa dela, uma querela diplomática com o presidente americano (Billy Bob Thornton) – e, o melhor de todos, um astro de rock decadente interpretado de maneira irresistível por Bill Nighy. O realismo passou longe; já o romantismo – nesse ponto, Curtis é um otimista incurável.

Épico:

Gladiador

Será que existe alguém que ainda não viu? Em todo caso, vamos lá: Russell Crowe é uma força da natureza no papel de Maximus, o general mais prezado pelo imperador romano Marco Aurélio por volta do ano 180 d.C. – e o mais invejado pelo filho do imperador, o covarde e inseguro Commodus (Joaquin Phoenix, arrasando), que rouba de Maximus a sucessão, destrói sua família e então o mata. Ou pelo menos isso é o que Commodus acredita ter feito: na verdade, Maximus foi salvo, escravizado e colocado para lutar nas arenas – nas quais, movido por um ódio que não tem fim, vai ganhando aura de mito. O Coliseu será seu destino final. E, entre a plateia do Coliseu, o lugar de honra pertence, é claro, ao imperador – o vaidoso Commodus, que não imagina quem se esconde atrás daquela máscara de ferro. O diretor Ridley Scott ressuscitou sozinho um gênero que era dado como morto, o épico de saia-e-sandália, e trouxe Roma de volta à vida com uma grandiosidade e um realismo impressionantes. Desde a cena de abertura, em que o general Maximus derrota os bárbaros germânicos em batalha numa floresta – que Scott pôs abaixo com permissão oficial -, com as flechas incendiárias voando para todos os lados e as catapultas rangendo, é esmagador.

Paródia:

Todo Mundo Quase Morto

Shaun (Simon Pegg, impagável) sai para comprar uma Coca-Cola e depara com as cenas de sempre: um carro com o pára-brisa quebrado, lixo espalhado pela calçada, gente caminhando trôpega pelo meio da rua. Enfim: uma típica manhã de domingo (em outras palavras, pós-bebedeira de sábado) em Londres. Como, então, Shaun poderia ter notado que a civilização acabou e os zumbis tomaram a cidade? Não poderia, claro. Todo Mundo Quase Morto  é um desses momentos de genialidade do cinema inglês: uma comédia que satiriza, com amor, não só os filmes de zumbis – especificamente o ultraclássico O Despertar dos Mortos, de Goerge Romero –, mas a própria Inglaterra. Shaun e seus amigos, por exemplo, pensam, pensam e pensam numa alternativa de refúgio. E, claro, só conseguem ter uma ideia (a de sempre): o pub (no original americano, corria todo mundo para o shopping). A meio caminho, cruzam com outros sobreviventes. Todos ensanguentados, e carregando pás e tacos de críquete cobertos de fragmentos de zumbis, eles iniciam as apresentações: “Yvonne, como vai? Esta é minha mãe. E acho que você já conhece a minha namorada”. Seria surreal, se não fosse tão fiel à filosofia britânica de que desgraças devem ser aceitas graciosamente, e com o ar mais distraído possível. É paródia no seu mais engraçado e debochado – e mais cheio de vida.

Musical:

Os Miseráveis

Os Miseráveis rachou o público e a crítica. É um consenso que a interpretação de Anne Hathaway para I Dreamed a Dream é um colosso; mas Russell Crowe, por exemplo, só duas ou três vezes chega às notas certas. Nenhum problema: uma certa medida de imperfeição – ou de ruído, ou de choque – faz parte do plano do diretor Tom Hooper para tornar viva e imediata a transposição do musical para o cinema. Endosso. Em geral, acho musicais uma forma socialmente aceita de tortura, mas este aqui me empolga. Passada na França pós-Revolução, a história é desgraça atrás de desgraça, culminando com uma apoteose entre as barricadas do levante de 1832 em Paris. Todo o enredo está contido nas canções, e tampouco há dança (felizmente). Tom Hooper captou o canto dos atores ao vivo e os orientou a buscar, antes da perfeição vocal, a emoção do momento. Mais: quando ninguém está cantando, só há planos abertos (e aí eles são grandiosos). Em todos os outros casos, a câmera é enfiada na cara dos protagonistas. O efeito combinado é o de aniquilar a linha de frente do palco em que o mundo dos atores e o olhar da plateia se encontram. Para alguns é desconforto; para outros, é arrebatamento. Voto em arrebatamento. Anne Hathaway, Hugh Jackman, Eddie Redmayne e a novata Samantha Barks têm interpretações vocais fabulosas, em que as asperezas e imprevistos contribuem para o envolvimento. Em contraste, Amanda Sey­fried, que trina como um passarinho, nunca entusiasma.

Terror:

Invocação do Mal

Um ótimo elenco, uma personagem principal carismática – uma antiga sede de fazenda do século 18, imensa e arruinada – e uma câmera cheia de perícia: basicamente, o que o diretor James Wan faz aqui é reinventar a roda. Ou seja, mostrar apenas o indispensável e deixar quase tudo por conta da sugestão. Quanto mais excitável for a imaginação do espectador, mais assustado ele ficará. Eis a fórmula simples e imensamente eficaz, de Invocação do Mal, baseado em um dos casos de suposta infestação sobrenatural atendidos pelo casal Ed e Lorraine Warren, os célebres caça-fantasmas americanos. Com cinco filhas e pouco dinheiro, o casal interpretado por Lili Taylor e Ron Livingston comprou a velha casa em 1971, num leilão. Segundo os relatos da família, desde o dia da mudança (que Wan filma com sensibilidade para a dinâmica doméstica), os sete novos ocupantes do casarão notaram que odores desagradáveis migravam de um cômodo para outro, animais morriam de forma inexplicável nas proximidades, portas se abriam sozinhas, as meninas viam vultos. Nos dois anos seguintes as ocorrências progrediram, como se a casa estivesse possuída por uma ou várias entidades infernais. A família então pediu a Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga; ela, um arraso) que a ajudassem. Terror é contexto – é construir com paciência e cuidado as circunstâncias que levarão ao clímax, e atiçar a plateia usando as expectativas dela como isca. James Wan tem talento singular para esse tipo de provocação.

Meninas Malvadas

Seja qual for o filme, a conclusão é a mesma: as escolas americanas são panelas de pressão ligadas no fogo alto da competitividade. Pode-se viver nelas como príncipe, no caso dos estudantes populares, ou como leproso – destino reservado aos nerds, aos feios, aos tímidos e a qualquer um que fuja do padrão. Escrito por Tina Fey (que pelo jeito ainda tem trauma da high school), Meninas Malvadas desvenda as regras complexas desse universo pelo viés do humor, e virou ultracult. A protagonista, Cady (Lindsay Lohan, então ainda uma gracinha), foi criada na África pelos pais antropólogos e nunca frequentou uma escola regular – ou seja, não só desconhece seus protocolos, como é uma ignorante também em questões de moda, música, cinema e tudo o que seja assunto entre seus pares. Matriculada no colégio de um subúrbio rico, Cady conclui que vai ter de sobreviver num ambiente mais selvagem que a savana, no qual os predadores alfa são as “Plastics”, um trio de garotas lindas, bem-arrumadas e capazes de tiranizar igualmente alunos e professores. Regina (Rachel McAdams, excelente), líder das Plastics, adota a novata como protegida (ou vítima preferencial, dependendo do ponto de vista), e Cady entra como espiã dupla no jogo – sem se dar conta de que ele exige tanta dedicação que, sem muita demora, também ela vai se comportar como as inimigas.

Ficção Científica:

Gravidade

O veterano Matt Kowalski (George Clooney) e a novata Ryan Stone trabalham do lado de fora do ônibus espacial, assistidos por um terceiro astronauta que se vê, ao longe, rodopiando feliz. Dentro de instantes, chegará o pânico: um satélite russo se chocou com outros, criando uma onda de destroços; em segundos ela deixa o Explorer em pedaços e Kowalski e Stone, à deriva, orbitando sem pouso nem âncora no maior de todos os vazios enquanto tentam agarrar-se um ao outro. Até esse ponto de Gravidade terão transcorrido pelo menos uns doze minutos sem que a câmera do cineasta Alfonso Cuarón e do diretor de fotografia Emmanuel “Chivo” Lubezki tenha efetuado um único corte. Ela terá gravitado ao redor dos astronautas ou executado afastamentos e aproximações impressionantes, e terá trocado de ponto de vista entre o narrador e cada um dos protagonistas diversas vezes, sempre com elegância e clareza infalíveis. É uma proeza que lança o espectador numa das mais imersivas experiências cinematográficas já concebidas: uma jornada em que ação e reação se encadeiam sem pausa, num ambiente de verossimilhança fotográfica e aural que mesmo hoje, quando o cinema parece poder tudo, é capaz de causar assombro. Se você nunca viu o filme, fuja de spoilers: Gravidade é um espetáculo que cada um deve experimentar nos seus próprios termos. Uma dica, porém: use a imaginação (e lembre das aulas de biologia do colégio) enquanto estiver vendo a cena final. Em apenas três minutos, ela sugere toda uma outra interpretação possível para o que se passou nos 87 minutos anteriores.

Drama:

Sully: O Herói do Rio Hudson

Em 15 de janeiro de 2009, o piloto Chesley “Sully” Sullenberger III (Tom Hanks) decolou do aeroporto nova-iorquino de La Guardia com tempo limpo. Aos 95 segundos de voo , porém, um bando de pássaros se enfiou nas turbinas do avião, que repentinamente perdeu toda a potência a apenas 1 000 metros do chão, sobre uma área densamente povoada. Sully e o co-piloto Jeff Skiles (Aaron Eckhart) tentaram de tudo, mas acabaram com uma única alternativa: usar o rio Hudson como pista. A manobra, perigosíssima, foi um sucesso: em meia hora, todas as 155 pessoas a bordo estavam seguras nas barcas que, diante de uma cena tão inusitada quanto a de um Airbus A320 aproximando-se em rasante sobre o rio, largaram dos ancoradouros. Na hora seguinte, o pouso forçado já virara “o milagre do Hudson”, e o comandante se tornara herói popular. A investigação sobre o acidente, entretanto, foi implacável. Dirigindo com sua fluência e segurança habituais, Clint Eastwood vai apresentando trechos do voo brevíssimo em contextos diversos e sob pontos de vista diferentes: ao mesmo tempo em que destrincha um evento tão complexo, Eastwood mostra assim a infinidade de variáveis que Sullenberger teve de fatorar “no olho”, segundo suas próprias palavras. Alternando várias linhas temporais, Eastwood mostra o que isso significa: enorme experiência, histórico impecável, conhecimento técnico vasto e, não menos relevante, calma sob pressão. Uma homenagem à experiência e à competência.

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