O deputado estadual Jenilson Leite (PSB) e os demais sindicalistas e servidores públicos da Secretaria de Saúde que teriam tentado invadir o prédio central da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre) durante a deflagração de uma greve, no mês passado, não sabem do que escaparam. De acordo com o vídeo que circulou na mídia e redes sociais por iniciativa do próprio deputado, que disse ter sido agredido e ameaçado, o coronel Jorge Fernando Rezende leva um safanão do parlamentar, que é um homem cuja estatura é a antítese da do homem que eles estavam dispostos a enfrentar à porta do órgão o qual pretendiam ocupar e acampar, durante o início da greve.
Corpulento, alto e com características de leão de chácara, se quisesse, ele poderia ter enfrentado os sindicalistas no braço. Mais que isso: ex-comandante da Policia do Exercito, é um oficial de infantaria condecorado por missões inclusive no exterior, na África e no Nepal.
No entanto, o atual secretário-adjunto de Saúde do governo do Acre, o chamado “Coronel da Saúde”, nascido em Brasília mas criado em Juiz de Fora, Minas Gerais, é o autêntico mineiro: alegre, sorridente e contador de causos, cuja imagem é bem diferente daquela que ficou no imaginário acreano após os incidentes daquela greve.
É sobre sua vinda para o Acre e o relacionamento tenso com os sindicalistas e deputados, que chegam a lhe oferecer até um título de pessoa não grata, que ele fala em entrevista exclusiva pela primeira vez após os episódios daquele incidente. Ele diz, entre outras coisas, que o Acre é um Estado cujo povo é capaz de fazer amizades com dois minutos de conversas, o que o encanta. É sobre estes e outros assuntos que ele fala, com exclusividade ao ContilNet, na entrevista a seguir.
Como o senhor veio parar no Acre?
Jorge Fernando Rezende – Eu vim para cá por uma questão administrativa. Eu fui, no Exército, ordenador de despesas durante dois anos, tinha cinco oficiais abaixo de mim, eu fiz curso de administração. Dentro da gerência administrativa, da mais parte mais técnica, eu entendo. Por isso, a doutora Mônica (Monica Kaanan, secretária de Saúde), que me conhece porque o marido dela fez curso administrativo dentro do Exército junto comigo, me ligou e me convidou. Eu aceitei o desafio.
Já conhecia a Amazônia, o Acre?
Já conhecia, sim. Trabalhei em Altamira, no Pará.
E o que o senhor fazia no Exército antes de entrar para a área administrativa?
Eu nasci em Brasília. Aos 4 anos, eu fui para Minas. Aos 14, estava saindo de Minas para Campinas (SP), para estudar na Escola do Exército. Aos 17, saia de Campinas para Resende, no Estado do Rio, para estudar na Academia Militar. Me formei, voltei para Juiz de Fora, em Minas, de onde eu sai. Depois fui para Altamira. Na vida militar estive em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Angola, na África, depois no Nepal, na Ásia, ajudando o povo nepalês, e hoje estou aqui no Acre ajudando o povo do Acre.
Isso tudo com rifle ou outro armamento pesado nas costas? O senhor é infantaria?
Sim, eram missões de infantaria. Em Angola, era uma missão mais diplomática, no pós-guerra. A gente foi enviado para lá para fiscalizar um acordo de paz. Já no Nepal, a gente atuou na transição da monarquia para a República. Foram missões que demos conta. Mas não usávamos o fardamento e sim os tradicionais coletes azuis da ONU (Organização das Nações Unidas)
Mas tudo isso é bem diferente de enfrentar sindicalista, não é? Com sindicalista é preciso gastar verbo e não munição. O senhor está preparado para isso?
Em todo local que eu passei, eu sempre acreditei demais nas pessoas – sejam nepalesas, africanas, brasileiras… Sempre que fui para reuniões com os sindicalistas acreanos, eu sempre disse: aqui não existe o lado A ou o lado B. O que existe é uma meta, que é fazer saúde. Nós estamos aqui juntos e o que vocês precisarem de mim eu estarei à disposição. Inclusive fiz várias reuniões com os sindicalistas antes de ocorrer o problema que tive com eles e quando fui até os sindicalistas, no dia da greve, foi para pedir calma.
Calma daquele jeito? Na porta, impedindo a entrada?
Eu fui ali para pedir calma, porque vi, no meio do movimento, sindicalistas amigos com os quais eu participei de reuniões.
É verdade que o senhor estava armado?
Não estava. Quando cheguei ali, eu estava vindo da Casa Civil, aonde fui pegar um documento exatamente para entregar aos sindicalistas. Aí fui avisado de que havia ocorrido uma invasão ao prédio. Quando cheguei, eles não queriam que eu entrasse e passasse para o saguão do prédio. Ai eu ordenei: abre esta porta, que eu vou passar! Eu fiquei parado, só observando. Posso até dizer que o Aiache, do Samu, passou por mim e me cumprimentou: “E ai, coronel, vamos para a greve?”, ele perguntou. Eu respondi: Não, toquem vocês ai, me deixem quietinho aqui”. Mas quando vi pessoas forçando a porta, eu fui até o Aiache e ao Adailton Cruz (presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde), e questionei-os. Eu havia participado de uma reunião no dia anterior com os sindicalistas e eles disseram: “A gente não quer mais conversa com o Governo, as negociações estão fechadas”. No entanto, na porta, eles clamavam para subir até o quinto andar e falar com a secretária. Eu falei: “Gente, por que vocês querem subir e falar com a secretária se foram vocês mesmo que disseram que não querem mais isso? As pessoas que estão no prédio estão trabalhando”. Quem quis aderir à greve desceu, quem não quis está lá em cima. Vamos encerrar isso. Fica aqui mesmo. Na verdade, fui lá para evitar que eles invadissem o prédio. Infelizmente, eu fui abordado por uma pessoa…
O deputado estadual Jenilson Leite?
Eu nem sabia que era deputado. Para mim era sindicalista e eu fui explicar para ele a mesma coisa que eu expliquei para o Aiache, dizendo ter havido a reunião em que os sindicalistas fecharam as portas para o Governo. Só que eu falei com as mãos levantadas, gesticulando, e ele dizia: “Abaixa a mão, não ponha o dedo na minha cara”. No que abaixei, alguém perguntou: “O senhor está armado?”. E aí a imprensa falou que eu estava armado porque baixei as mãos. Mas eu baixei porque ele pediu. Mas até então, a gente estava só gritando um com outro, falando alto, com o acirramento de ânimo. Mas, de repente, eu senti um safanão, um safanão que arrebentou a correntinha que eu uso no pescoço desde que tinha quatro anos de idade e no vídeo feito no episódio, é possível ver claramente eu tentando pegar a correntinha arrebentada. E nesse instante em que eu tento pegar a correntinha, ele me deu um safanão, há quem fale em murro, eu não sei…
Ele quem? O deputado?
Sim, o deputado. Quando eu senti isso, levei às mãos a cabeça e disse a mim mesmo: “Preciso sair desta confusão”. Ai o pessoal me tirou. E quando o pessoal me tirou, eu fiz – e eu não sou de mentir, assumo o que faço, se tivesse esmurrado o deputado eu diria, se eu tivesse chamado alguém de vagabundo eu falava… – eu fiz um gesto e falei alguma coisa…
Se o senhor não disse, de onde saiu esta expressão e a versão dando conta de que o senhor chamou os sindicalistas de vagabundos?
Na verdade, eu fui chamado por alguém, que não sei quem, de “coronel vagabundo”. Talvez o termo tenha ficado na minha cabeça. Quando eu sai, o pessoal me tirando, após ter sido agredido eu reagi: apontei para o pessoal e disse: “Seus vagabundos, vocês vão se ver comigo”. Mas foi uma forma de dizer, num momento de raiva, para quem havia me agredido. Em momento algum eu disse isso generalizando os sindicalistas ou os servidores. Só que isso foi a deixa para se inverter uma situação em que fui ali, para acalmar os ânimos, acreditando nas pessoas com as quais já havia tido contato, para dizerem que o agredido era o agressor. Eu tenho mensagens em áudios gravadas de sindicalistas dizendo: “Ainda bem que o senhor chegou no Estado, a gente está conseguindo alinhar e encaminhar algumas coisas”. Recebi elogios por defender o auxílio alimentação dos servidores, própria defesa do Pro-Saúde. Eu vou ser sincero: eu acreditei nessas pessoas, acreditei muito e achei que poderia ir ali.
O senhor teria coragem de enfrentar outro movimento grevista?
Tenho, sim. A gente aprende com os erros. Se eu for para outra greve desta, eu só irei para observar. Eu não tenho, pessoalmente, nada contra ninguém. Até sindicalistas que estavam naquela confusão, quando os tenho encontrado, eu tenho cumprimentado.
E esses título de persona non grata que a Assembleia Legislativa, através do deputado Edvaldo Magalhaes (PC do B), quer lhe oferecer, o senhor o aceita e acha que o merece?
Olhe, eu tenho muito respeito pela Assembleia legislativa porque acho que ali há pessoas respeitáveis, muitos boas, dedicadas e preocupadas com a população. E acho que, neste Estado, há temas mais sérios a serem tratados em relação à saúde, educação, segurança pública. Penso que perder uma sessão, uma manhã ou uma tarde, para votar isso sobre minha pessoa, é muita perda de tempo.
Mas o senhor acha que merece o título?
Acho que não. Não posso ser persona non grata no meu país. Sou brasileiro e o Acre também é Brasil.
E o titulo de cidadão acreano?
Sinceramente, também acho que não. Pelo menos agora não, porque estamos no início de um trabalho. Dando certo o que estamos fazendo, daqui a quatro anos, se alguém quiser me conceder a honraria, eu aceitarei com muito gosto.
O que o senhor acha do povo acreano? Há quem aponte o acreano como indolente, preguiçoso… O general Garrastazu Médice, em suas memorias, publicadas pela Fundação Getúlio Vargas, revelou que era contra a elevação do Acre à condição de Estado por achar que aqui não havia gente com capacidade suficiente para governar o Estado, para ser deputado, para ser professor numa Universidade. Dizia ele que aqui as lideranças políticas tinham verminose porque andavam com os pés descalços. O que o senhor acha disso?
Absurdo. Ainda não passei por um Estado onde as pessoas fazem amizade em minutos. As pessoas daqui são muito capazes sim, têm força, são politizadas, e o Estado só ganha com o povo que tem. Acho que o general devia conhecer de perto, como estou conhecendo, o povo acreano. Acho isso aqui incrível e costumo dizer aos meus amigos e à minha família, que ficou em Juiz de Fora, em Minas (eu não trouxe mulher e filhos para cá), que o Acre tem uma magia. Eu chamo de magia porque é diferente de tudo que já vi por onde eu já passei. Se eu descer ali no mercado para fazer uma compra, e se no dia seguinte eu voltar, passar por ali novamente, mesmo que eu não conheça a pessoa, ela vai se lembrar de mim e puxar conversa: “Oi, tudo bem?”. Nunca vi isso em lugar nenhum, e olhe que eu já andei muito. Você faz uma amizade em dois minutos aqui no Acre. É muito legal isso.