O Senado aprovou em primeiro turno, na noite desta terça-feira, o texto-base da Reforma da Previdência – foram 56 votos favoráveis, acima dos 49 necessários. Votaram contra a proposta 19 senadores. Os parlamentares, no entanto, não concluíram ainda a apreciação de todos os destaques que podem alterar o texto principal.
Após a conclusão desta etapa, faltará apenas mais uma votação do texto para que a mudança nas aposentadorias entre em vigor. Quando isso ocorrer, o trabalhador brasileiro passará, em média, a se aposentar mais tarde e com benefícios menores do que atualmente. Mas haverá regras de transição para quem já está no mercado de trabalho.
A Reforma da Previdência precisa receber aval dos senadores em dois turnos, com redação idêntica à aprovada na Câmara dos Deputados em agosto, para entrar em vigor porque se trata de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, prevê a aprovação em segundo turno até 15 de outubro. No entanto, senadores ameaçam atrasar essa tramitação caso o governo de Jair Bolsonaro não atenda alguns pleitos dos parlamentares.
A principal reivindicação, segundo Alcolumbre, é que seja definido logo como se dará a divisão de recursos do megaleilão de petróleo do dia 6 de novembro com Estados e municípios, que deve arrecadar cerca de R$ 106 bilhões. Isso pode ser resolvido com a edição de uma medida provisória pelo presidente Jair Bolsonaro, ou caso a Câmara vote uma mudança na Constituição já aprovada no Senado.
“Eu vou falar com o governo para ver se a gente consegue fazer esse gesto, esse sinal para os governares para eles ajudarem a gente na votação (da Previdência)”, disse Alcolumbre, pouco antes da votação em primeiro turno.
Entenda a seguir porque o governo quer a Reforma da Previdência e quais as principais mudanças previstas no texto aprovado em primeiro turno no Senado.
Qual o objetivo da Reforma da Previdência?
Segundo o governo de Jair Bolsonaro, o objetivo da Reforma da Previdência é equilibrar as contas públicas e liberar recursos que hoje vão para a aposentadoria para investimentos em outras áreas, como educação, saúde e segurança pública.
Desde 2014, o governo federal apresenta deficits bilionários nas suas contas, refletindo o crescimento das despesas em ritmo mais acelerados que a expansão das receitas. No ano passado, por exemplo, o rombo foi de R$ 120 bilhões.
Esse aumento das despesas tem sido puxado, em especial, pelos gastos com Previdência. O rombo da União com aposentadorias e pensões de servidores civis, militares e setor privado (no Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS) tem crescido rapidamente nos últimos anos e somou R$ 266 bilhões no ano passado, segundo o ministério da Economia.
O aumento reflete o envelhecimento da população, já que a expectativa de vida do brasileiro aumentou nas últimas décadas, ao mesmo tempo que a taxa da natalidade (número de nascimentos a cada mil habitantes) está em queda. Por causa disso, a proporção de brasileiros com mais de 65 anos passou de 5,6% no ano 2000 para 8,4% em 2015, segundo o IBGE. No mesmo período, a proporção de brasileiros com até 14 anos caiu de 30% para 22,3%.
Como o sistema de aposentadoria brasileiro é de repartição (os mais jovens contribuem para pagar o benefício de quem já se aposentou), esse envelhecimento da população está causando um desequilíbrio entre receitas e despesas. Dessa forma, o governo quer mudar as regras de aposentadoria para que o brasileiro se aposente mais tarde e receba benefícios menores.
Quais as principais mudanças previstas na reforma?
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem.
Por enquanto, no INSS, vigora um regime misto em que é possível se aposentar por idade (a partir de 60 anos para mulheres e a partir de 65 anos para homens) ou por tempo de contribuição (ao menos 15 anos).
Já no serviço público federal, hoje, em geral, são exigidos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para homens; e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição para mulheres.
Ou seja, caso a reforma seja aprovada, todos terão que se submeter à regra da idade mínima, mudança que atinge principalmente pessoas de maior renda, já que os mais pobres, em geral, não conseguem contribuir por períodos longos e já se aposentam por idade.
Outra mudança, porém, afetará os homens de menor renda. A reforma prevê que o tempo mínimo de contribuição exigido deles no INSS suba de 15 para 20 anos para novos trabalhadores (para os que já contribuem para a previdência, o tempo mínimo continua em 15 anos). Essa mudança afeta os mais pobres porque eles costumam alternar períodos com carteira assinada com outros no mercado informal ou desempregados, o que afeta sua capacidade de contribuir para a aposentadoria.
No caso das mulheres, o tempo mínimo está sendo mantido em 15 anos já que elas, em geral, têm ainda mais dificuldade de contribuir por um período longo devido à interrupção da vida profissional para ter filhos e à sobrecarga de tarefas domésticas.
Quem terá regras diferenciadas?
Embora a Reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro seja ampla e tenha impacto sobre a grande maioria dos brasileiros, algumas categorias continuarão tendo regras diferenciadas, como professores, policiais federais e agentes penitenciários. Isso permitirá que se aposentem mais cedo que a maioria.
Os integrantes das Forças Armadas também terão um sistema diferente, mas ele está sendo tratado em um projeto de lei separado, que ainda tramita na Câmara. O texto prevê que o tempo de serviço exigido para ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos, sem estabelecer idade mínima. A proposta também preserva os benefícios integralidade (direito a se aposentar com o valor do último salário) e paridade (continuar ganhando na aposentadoria os reajustes concedidos ao funcionários ativos), no que é apontado como um grande privilégio que está sendo mantido para a carreira militar.
As Forças Armadas justificam essa diferença dizendo que os militares não se aposentam, mas passam para a reserva, podendo ser convocados. Na prática, porém, um percentual mínimo volta a trabalhar após sair da ativa.
Além disso, a Câmara dos Deputados deixou de fora da reforma servidores de Estados e Municípios, o que joga para governadores e prefeitos o ônus de articular nas assembleias estaduais e municipais a alteração dos regimes de aposentadoria dos seus Estados e municípios.
O Senado pretende aprovar nas próximas semanas uma outra proposta, chamada de PEC paralela, para facilitar a implementação da reforma da Previdência em Estados e municípios. O problema é que esse texto também teria que ser aprovado depois na Câmara, onde o cenário tende a ficar ainda mais reativo com a proximidade das eleições municipais – é comum que deputados tentem se eleger prefeitos ou apoiem aliados em suas cidades.
Como ficará o valor dos benefícios para os civis?
Enquanto mantém benefícios integrais aos militares, a reforma prevê regras que devem reduzir o valor das aposentadorias dos civis.
A proposta é que o trabalhador do INSS que atingir o tempo mínimo de contribuição terá direito a apenas 60% da média dos seus salários como aposentadoria. Depois, a cada ano extra de contribuição, a taxa subiria gradualmente, de modo que só será possível se aposentar com 100% da média da remuneração ao longo da vida após 40 anos de contribuição, no caso dos homens, e depois de 35 anos contribuindo, no caso das mulheres. Vale destacar que esse valor fica sempre limitado ao teto do INSS, atualmente em R$ 5.800.
No serviço público, as regras variam por causa de reformas da Previdência adotadas em 2003 (que acabou com a integralidade para os novos contratos) e 2013 (que instituiu o teto do INSS para os novos contratados ).
A exigência de 40 anos para ter 100% do benefício valerá para o servidor público de ambos os sexos contratado após 2013, com valor limitado ao teto do INSS. Os que entraram no serviço público de 2004 a 2013 terão que trabalhar 40 anos para ter acesso a 100% da média dos salários ao longo da vida (não mais a média dos 80% maiores), não estando submetidos ao teto de R$ 5,8 mil.
Já os servidores civis que ingressaram antes de 2003 continuarão tendo direito à integralidade e à paridade, mas terão que trabalhar um pouco mais. A Câmara suavizou as mudanças propostas pelo governo. Pelo texto atual da reforma, os que entraram até 2003 poderão se aposentar com valor integral caso atinjam 57 anos (mulheres) ou 60 anos (homens), desde que paguem um pedágio de 100% do tempo que faltava para tingir o tempo mínimo de contribuição exigido hoje.
Dessa forma, o servidor que está a dois anos de aposentar-se com benefício integral terá de trabalhar mais dois anos, totalizando quatro anos, para ter direito ao benefício com integralidade e paridade.
Vai ter período de transição?
Para aqueles que já estão trabalhando, a reforma prevê alguns sistemas de transição para trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos, que poderão escolher a opção que lhes for mais favorável.
Um deles, por exemplo, oferece um esquema de pontos, que soma o tempo de contribuição e a idade. Inicialmente, mulheres terão que somar 86 pontos e homens, 96. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano, chegando a 100 para mulheres e 105 para os homens.
Há também previsão de sistemas de pedágio. Um deles prevê que os trabalhadores e servidores que estiverem a mais de dois anos da aposentadoria poderão se aposentar caso tenham ao menos 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens) de idade e cumpram um pedágio de 100% sobre o tempo restante para atingir o tempo mínimo de contribuição. Dessa forma, se faltarem dois anos, os trabalhadores terá que cumprir quatro.
Caso falte até dois anos para atingir o tempo mínimo de contribuição exigido hoje, o trabalhador poderá se aposentar sem atingir a nova regra de idade mínima cumprindo um pedágio de 50% sobre o tempo restante. Ou seja, para quem faltar dois anos, terá que contribuir por três. Essa alternativa não está disponível aos servidores.
Como ficam as contribuições?
No setor privado, a proposta é tornar as alíquotas um pouco mais progressivas, cobrando menos de quem ganha menos e mais de quem ganha mais. Hoje, elas variam de 8% a 11% no INSS. Com a reforma, iriam de 7,5% a 14% (alíquota máxima efetiva de 11,69%). A proposta reduz levemente a cobrança da maioria dos trabalhadores que ganham até R$ 2 mil.
Já a cobrança sobre os servidores vai aumentar, caso a reforma entre em vigor. Atualmente, o funcionário público federal paga 11% sobre todo o salário, caso tenha tomado posse antes de 2013. Quem ingressou no serviço público depois de 2013 paga 11% até o teto do INSS, ou seja, não contribui sobre o valor que supera R$ 5,8 mil.
Pelas novas regras, as alíquotas para os que ingressaram antes de 2013 serão proporcionais à remuneração, variando de 7,5% para o servidor que recebe salário mínimo a 22% para quem recebe R$ 39 mil ou mais.
Como a cobrança é gradativa sobre o salário, porém, a alíquota máxima efetiva ficaria em 16,78% – ou seja, o servidor com salário de 39 mil pagaria R$ 6.544 ao mês em vez de R$ 4.290 como hoje.
No caso dos militares, o projeto de lei enviado ao Congresso prevê que a alíquota subirá de 7,5% para 10,5%, independentemente da faixa salarial.