“Por cada ligação no domingo de manhã perguntando se eu queria pão quentinho, por cada uva passa que você comeu quando eu tirei da minha comida, por cada vídeo de cachorro que você me mandou quando sabia que eu precisava sorrir”.
“Eu sou uma pessoa de grandes gestos”, ela me disse entre um sorriso no dia em que nos conhecemos. Minha namorada tinha um grande amigo que fazia aniversário e a namorada dele organizou essa festa surpresa pra ele, com quase cem convidados, banda, comida e bebida, e era uma festa imensa e tudo deu certo, inclusive a surpresa. Quando eu perguntei pra ela o porquê de ter dado uma festa daquela pela ocasião de um aniversário, ela me disse que era uma pessoa de grandes gestos.
Lucíola.
Meses depois eu descobri que a minha namorada namorava também o namorado dela, e essa situação acabou nos aproximando. Viramos amigos na dor, e eu descobri com o tempo que Lucíola, a mulher de grandes gestos, era na verdade especialista nas pequenas coisas.
Como daquela vez em que bebemos a noite inteira e terminamos na casa dela, eu apaguei no sofá e quando acordei tinha café frio da padaria na cozinha, e um bilhete com os dizeres “não sei se você vai acordar tão cedo, mas quem sabe dá a sorte de pegar o café ainda quentinho. Sua ressaca vai agradecer.”.
Ou quando ela me apareceu com uma edição rara do meu livro preferido. “Olha, passei na frente desse sebo hoje e lembrei de você, então comprei”. Eu falei desse livro talvez uma vez na vida, e ela se lembrou, e me presenteou, só por ter se lembrado.
Todos os dias com Lucíola eram dias de pequenas surpresas. Um livro, um café ainda que frio, uma comida que eu gostava. Lucíola ouvia, e essa era uma de suas características mais incríveis – ela realmente queria te conhecer, e por te conhecer ela sabia exatamente como te conquistar.
E isso passava longe de uma necessidade de agradar, ou de uma tentativa de compra de afeto. Lucíola era espontânea e carinhosa, e fazia isso por todo mundo que conhecia. Inclusive sabia guardar os grandes gestos quando a ocasião não pedia, ou quando a pessoa era tímida e obviamente se sentiria desconfortável.
A irmã me disse que ela era assim desde sempre. Que quando se mudou pro outro lado da cidade, descobriu uma banca de frutas nos arredores e quando era época ela comprava jabuticaba e atravessava a cidade pra levar pra mãe, que adorava. Que toda vez que entrava numa loja de discos comprava um do Roberto Carlos pro pai. Que toda vez ia no mercado passava na seção de pets e comprava um brinquedo pro cachorro da vizinha. Era quem ela era.
E eu amava isso nela e eventualmente eu percebi que amava tudo nela.
Daí certo dia estávamos tomando um café na casa dela, que ela agora fazia perfeitamente pra eu não precisar mais tomar café frio da padaria, e ela me apareceu com um disco do Pixinguinha. “Eu tava nessa feira em São Paulo e o cara tava vendendo, tava muuuuuuito barato, na hora eu me lembrei de você e tive que comprar”. Eu disse há meses que queria aquele disco, que eu tinha a edição que fora de meu pai, mas nas andanças da vida acabei perdendo.
“Eu te amo”, eu disse, sem filtro e sem planejamento algum.
Lucíola sorriu, e me beijou entre um sorriso.
“Eu também te amo. Te amo desde o dia que você veio aqui em casa de madrugada me trazer sopa porque eu estava doente. E por todas as pequenas coisas que você sempre fez por mim depois. Por cada ligação no domingo de manhã perguntando se eu queria pão quentinho, por cada uva passa que você comeu quando eu tirei da minha comida, por cada vídeo de cachorro que você me mandou quando sabia que eu precisava sorrir”.
Lucíola, a mulher de grandes gestos, me amava pelos meus pequenos gestos – que eu mesmo não reconhecia.
Nos casamos um ano depois, no civil, sem festa, sem pompa, sem grande circunstância. Eu continuei levantando cedo no domingo pra comprar pão quentinho, ela continuou passando o café, continuamos ouvindo Pixinguinha na vitrola, acordando todos os dias dispostos pro amor e transformando esse ritual no nosso maior gesto.
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