Toda quarta-feira, a dona de casa Maria do Carmo da Silva Alves, 66, deixa sua residência na Vila Mara, zona leste de São Paulo, e percorre 47 quilômetros de ônibus até o SBT, onde se transforma em Carminha, artista da TV. Há seis anos, ela saiu do auditório e passou a integrar o elenco de A Praça É Nossa.
“Carlos Alberto, agora vai entrar a capa do UOL!”, disse o humorista Zé Américo, vestido de Dapena (paródia de José Luiz Datena), ao anunciar a entrada de Carminha em seu quadro, logo após a reportagem acompanhar o passo a passo da “figurante de luxo” até chegar ao SBT.
Na Praça, Carminha só tem uma fala, sempre exaltando sua falta de beleza. A do programa passado foi: “Dapena, quero encontrar minha alma gêmea”. É a deixa para o humorista tirar sarro dela: “Alma gêmea você não vai encontrar, só alma penada!”.
Há quem pense que ela se ofenda com a zoação, mas a dona de casa se diverte e se acha ainda mais bonita após aparecer na TV. Já colocou um piercing no dente e sonha com um implante. “Eu me sinto muito legal perto de um homem desses!”, afirma Maria do Carmo, elogiando Zé Américo.
Filho autista
A participação relâmpago rende a Carminha tratamento de artista dentro do SBT. Como integrante do elenco, ela pode usufruir de camarim, figurino e maquiagem da emissora. Também recebe por gravação 200 reais, cachê dos figurantes da Praça e uma de suas únicas fontes de renda. Com esse dinheiro, ela compra remédios para o filho autista, Miguel.
“Ele é especial. Recebo um salário dele, do INSS, porque tem autismo. Ele já nasceu assim, mas pensava que ele não tinha problema nenhum. Soube aos 12 anos. Cheguei a ficar muito deprimida, chorava direito, mas a psicóloga falou: ‘Tenha calma, é assim mesmo’. Batia nele sem saber, hoje não faço isso”, conta ela.
Miguel é o mais velho dos quatro filhos do segundo casamento de Maria do Carmi. Além deles, ela tem outros três que vivem no Nordeste. Há quase 40 anos, ela saiu de Cachoeirinha, no agreste de Pernambuco, para tentar a vida em São Paulo. Depois de trabalhar na agricultura e até em olaria, fabricando tijolos, decidiu mudar de estado para superar um casamento mal-sucedido.
“José me deixou passando fome com meus filhos e ficava na casa das outras. Era mulherengo, era ruinzinho. Morreu e não deixou nada para mim, nem para os filhos, nem para as outras. Falei na cara dele uma vez: ‘Tenho fé em Deus que um dia vou para São Paulo morar lá e vou arrumar uma pessoa que me dê ao menos uma comida'”. recorda.
Em São Paulo, Carminha trabalhou como empregada doméstica em casas de família e morava com o tio. Nos fundos do imóvel, conheceu Miguel, com quem está casada há 38 anos e teve quatro filhos. O primogênito, diagnosticado com grau menor de autismo, é o único da família não tão fã da mãe artista.
“Ele não gosta, fica no sofá comigo e fala: ‘Daqui a pouco tem a Praça, eu tô fora’, e vai para o quarto dele. Acho que é ciúme”, conta Carminha.
De Paulinho Gogó a Zé Américo
Incentivada por uma vizinha, Maria do Carmo passou a frequentar a caravana de Sineide, que há 32 anos preenche auditórios do SBT e outras emissoras. A caravanista leva 40 mulheres para a plateia da Praça. Cada uma recebe 30 reais, o que contribui para a renda familiar.
“Algumas aqui até dependem desse cachê, porque está desempregada e precisa de fralda ou comida. Já vi gente descer do ônibus para comprar alimento, mas eu falo: ‘Vocês têm que dar risada'”, revela Sineide.
Carminha foi “descoberta” em 2013 por Maurício Manfrini, o Paulinho Gogó, que viu a senhora ruiva e engraçada na plateia e a convidou para incrementar seu quadro. Toda semana, ela entrava fantasiada e era alvo das piadas sexuais do humorista.
“Comecei a gravar com o Paulinho Gogó. Fui [para o auditório] para sentar, bater palmas e dar risada. De repente, a produção me chamou. Há mulheres que ficaram até com ciúme, mas eu não ligo”, confidencia Maria do Carmo.
Do quadro de Gogó, Carminha passou a frequentar os quadros de Zé Américo. Desfilou como modelo na paródia do Superpop, em que o humorista imita Luciana Gimenez, e depois perguntava sobre sexo para Laura Milha (sátira a Laura Muller, sexóloga do Altas Horas). Para ele, a dona de casa é fundamental para a Praça.
“Um dia, a Carminha falou para mim que tem um filho especial, que precisa dela, então faço questão que ela esteja em todos os quadros porque acho que vai ajudar, e é um charme ela estar sempre no programa, desde o Falta Horas. Ela só engrandece o nosso quadro com o jeito dela. A nossa maior alegria é ter uma piada legal da Carminha”, elogia o humorista.