João de Deus foi condenado, nesta quinta-feira (19), a 19 anos e quatro meses de prisão em regime fechado por crimes sexuais cometidos contra quatro mulheres durante atendimentos espirituais na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, no Entorno do Distrito Federal. Detido há um ano, ele responde a outras 12 denúncias e sempre negou os crimes.
Esta é a primeira sentença com relação aos abusos sexuais. Há um mês, João Teixeira de Faria, de 78 anos, havia sido condenado por posse ilegal de armas de fogo.
Advogado de João de Deus, Anderson Van Gualberto de Mendonça informou que recorrerá da sentença. “Os casos julgados hoje foram denunciados mais de seis meses após os crimes. Na época em que eles aconteceram, a lei determinava que as denúncias fossem feitas dentro desse prazo”, disse.
Além disso, ele defende que os elementos não são suficientes para caracterizar o crime. “Em alguns casos, não houve estupro, como está na denúncia”, afirmou o defensor.
A decisão é assinada pela juíza Rosângela Rodrigues. Para ela, ficaram comprovados dois casos de violação mediante fraude e dois de estupro de vulnerável.
A condenação é referente à primeira denúncia feita pelo Ministério Público. Porém, a juíza disse que não obrigatoriamente as sentenças vão seguir a ordem cronológica do registro dos processos. Como as vítimas são, em grande parte de outros estados, é necessário ouvi-las por meio de cartas precatórias, que podem demorar a chegar. Com isso, as denúncias nas quais todas as testemunhas já foram ouvidas são julgadas primeiro.
A magistrada informou que, após cumprir todas as etapas do processo, demorou 15 dias para escrever e fundamentar a sentença, que tem 198 páginas e está em segredo de Justiça. Ela explicou que calculou a pena baseando-se nos quesitos previstos no Código de Processo Penal, como ter ou não antecedentes, credibilidade das vítimas e circunstâncias do crime.
“A única atenuante aplicada na pena foi pelo fato de ele ter mais de 70 anos. Essa redução é feita em um cálculo estabelecido pelo juiz”, disse a magistrada.
Preso há 1 ano
João de Deus está detido no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, desde 16 de dezembro de 2018. As acusações contra ele vieram à tona dias antes, em 7 de dezembro daquele ano. Mulheres relataram no programa Conversa com Bial terem sofrido abusos sexuais dentro da Casa Dom Inácio de Loyola, onde ele fazia os atendimentos. Logo depois, o Ministério Público de Goiás montou uma força-tarefa para receber as denúncias.
Os promotores de Justiça afirmam que este é o maior caso de abuso sexual registrado no país. “Tenho certeza que é um dos maiores casos do país, talvez do planeta, no que tange a abuso sexual”, disse o promotor Luciano Miranda, coordenador da força-tarefa do MP-GO que investiga os crimes.
Processos na Justiça
Desde quando as denúncias vieram à tona, o MP-GO já recebeu cerca de 320 denúncias de mulheres que se dizem vítimas de João de Deus. Destas, 194 formalizaram o processo junto ao órgão até esta quinta-feira.
Ao todo, ele já foi denunciado 13 vezes pelo Ministério Público, sendo 11 por crimes sexuais. Nos processos constam abusos contra 57 mulheres, mas a Justiça não aceitou nove casos. Outras 87 vítimas estão citadas como testemunhas, pois os crimes já prescreveram.
“Na época dos crimes, a lei exigia que a representação do crime fosse feita em até seis meses após o conhecimento da autoria. E nesses casos negados foi feito posteriormente”, disse a juíza.
Com isso, atualmente, João de Deus está sendo julgado, ao todo, por 48 vítimas. Porém, o Ministério Público já recorreu dessa retirada de mulheres da denúncia.
Veja as denúncias contra João de Deus:
- Nove por crimes sexuais: sendo uma delas com condenação por quatro abusos. As demais aguardam a devolução de cartas precatórias;
- Uma por crimes sexuais e falsidade ideológica: aguardando sentença;
- Uma por crimes sexuais, corrupção de testemunha e coação: está aguardando a devolução de cartas precatórias;
- Uma por posse ilegal de armas de fogo e munição em Abadiânia: João de Deus foi condenado a quatro anos no regime semiaberto e teve a prisão revogada. A esposa dele, Ana Keyla Teixeira também era ré no processo, mas foi absolvida;
- Uma por apreensão de documentos, armas de fogo e munição, em Anápolis: não teve o andamento informado pelo Tribunal de Justiça.
João de Deus está preso devido a dois mandados de prisão expedidos em decorrência de crimes sexuais. O mandado de prisão referente à posse de arma foi revogado após ele ser condenado a quatro anos em regime aberto.
A juíza explicou ainda que rejeitou nesta quinta-feira (19) um novo pedido de liberdade provisória a João de Deus. Ela disse ainda que existem dois pedidos de habeas corpus em andamento, um no Tribunal de Justiça e o outro no Superior Tribunal de Justiça.
A defesa do condenado disse que vai seguir tentando a liberdade do cliente. “Não há impedimento de que ele cumpra um regime domiciliar, sendo monitorado por tornozeleira. Ele tem problemas de saúde, não consegue dar um passo, está de cadeira de rodas”, completou.
Investigações continuam
A promotora Ariane Patrícia Gonçalves disse que as investigações ainda não terminaram. Mulheres ainda procuram o órgão para fazer denúncias sobre os crimes sexuais. Como o número de vítimas é muito grande, o Ministério Público definiu a estratégia de apresentar várias denúncias, com grupos pequenos de vítimas, para facilitar a tramitação na Justiça.
A integrante da força-tarefa disse que, caso fosse apresentada apenas uma denúncia contendo as mais de 100 vítimas, o processo seria muito mais lento e complicado.
Além disso, ainda existem apurações envolvendo outras pessoas ligadas ao réu. Uma delas é a suspeita de uma rede de proteção a João de Deus envolvendo inclusive delegados da Polícia Civil. Porém, como o caso ainda está em andamento, não é possível informar quais medidas já foram tomadas para não atrapalhar o processo.
“Existe investigação também com relação a outras pessoas que teriam participação nos crimes sexuais. Seriam pessoas tanto da Casa [Dom Inácio de Loyola] quanto de outros estados, porque existiam guias turísticos que conduziam mulheres para serem tratadas por João de Deus em Abadiânia”, disse a promotora.