O atacante Mazola e o goleiro Fernando de Jesus vivem o mesmo impasse. Eles deixaram o Irã para passar as festas de final de ano com a família no Brasil e agora aguardam os seus clubes darem o aval para retornar ao país onde vivem. Desde o assassinato do general iraniano Qassim Suleimani na última quinta-feira, eles não têm contato com os dirigentes das equipes onde atuam. A expectativa de ambos é embarcar ainda nesta semana.
O Campeonato Iraniano, como acontece normalmente, parou em 28 de dezembro e recomeçará no final de janeiro para a disputa do segundo turno. Os estrangeiros costumam ganhar uns dias de descanso nesse período para encontrar a família.
Ex-jogador do São Paulo, Mazola, de 30 anos, defende desde julho o Tractor Sazi, atual terceiro colocado após 16 rodadas disputadas, a quatro pontos do líder Persépolis. “O Tractor é como se fosse o Flamengo. Leva cerca de 90 mil pessoas para o estádio. Eles são apaixonados por futebol e lotam os estádios, tem jogo que fica gente pra fora”, comentou o atacante.
A semelhança com o futebol brasileiro para por aí. O jogador, que também atuou no futebol da Coreia do Sul e do Japão, estranhou bastante os primeiros meses no Irã, na pequena cidade de Tabriz, que tem pouco mais de mil habitantes. “Confesso que essa experiência é a mais difícil”, disse.
“Não pode usar bermuda, não pode tocar na mão de uma mulher para cumprimentar. Fui aprendendo sobre os costumes e me adaptando”, revelou. A adaptação de sua mulher foi ainda mais difícil. “Até quando vamos descer para almoçar ou jantar no próprio hotel ela precisa colocar calça e vestir o véu”.
Revelado pelo Duque de Caxias-RJ, Fernando, hoje com 35 anos, mudou-se para o Irã há cinco anos. O Pars Jonoubi, em 12.º lugar na tabela de classificação, é o quarto clube que defende no país. “O iraniano é um povo muito receptivo, amam o Brasil. Por isso até não acredito em guerra ou revanche (contra os Estados Unidos). Só atrapalharia ainda mais a crise que eles vem atravessando devido as sanções econômicas”.
EMBARGO ECONÔMICO – No início do ano passado, o governo Donald Trump decretou embargo econômico ao Irã. Os clubes passaram a dever salários, se endividaram e afetou especialmente quem recebia em dólar. Marco Otávio deixou em julho o cargo de técnico da seleção iraniana de futebol de areia após sete anos de trabalho e voltou para o Rio de Janeiro.
“Quando assinei contrato o dólar estava R$ 2,09. Mas saltou para R$ 13 depois das sanções. Quem tinha contrato na moeda americana passou a ter dificuldades para receber”, afirmou à reportagem. “Muitos amigos que estavam na mesma situação também retornaram”.
Foi o mesmo caso de Marco Aurélio, que comandou durante os sete últimos meses a seleção iraniana sub-20. “Meu contrato terminou no final do ano e havia a possibilidade de renovar a partir de abril. Mas além da questão política, tem o lado econômico também. A proposta não foi boa financeiramente”.
Ambos tiveram problemas com atrasos salariais. Mesmo assim Marco Otávio ainda cogita retornar ao Irã. “Lá tinha vida calma e bacana, é um lugar sem violência, um país organizado, só tem de obedecer as regras do islamismo”, comentou.
Marco Aurélio não é tão otimista assim com o país e criticou o autoritarismo do governo iraniano. “Há um mês e meio houve aumento da gasolina. Para não haver nenhuma revolta, o governo cortou a internet por uma semana”, exemplificou.
O ataque dos Estados Unidos, de certa maneira, também contribui para abafar a insatisfação do povo iraniano. Segundo Marco Aurélio, houve uma comoção do país após a morte do líder do exército. “Diante dessa situação, quem era contra, volta a apoiar o governo em torno de um inimigo em comum. Para mim, é questão de dias para haver alguma resposta aos Estados Unidos”, disse.